Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 30 Agosto 2018
No dia 7 de outubro, mais de 147 milhões de brasileiros irão às urnas. Destes, mais de 81% declaram-se insatisfeitos com a democracia no país, segundo pesquisa publicada em maio de 2018, pelo Instituto da Democracia. A atual conjuntura exige o foco na imprevisibilidade e insegurança do jogo político-partidário que se desenvolve no momento daquilo que Vladimir Safatle conceitua como “triplo esgotamento”: da Nova República (1985-2013), do modelo de desenvolvimento conhecido como lulismo e da esquerda.
Para debater as alternativas de (re)invenção da política em curto, médio e longo prazo e os cenários pré-eleitorais, o Instituto Humanitas Unisinos promove no segundo semestre de 2018 o 4º Ciclo de Estudos – A reinvenção da política no Brasil Contemporâneo: limites e perspectivas. Na terça-feira, 04-09-2018, acontece o primeiro dia de debates, com a presença da Profa. Dra. Rosana Pinheiro-Machado, Prof. Dr. Moysés Pinto Neto, Prof. Dr. Henrique Z. Parra e Prof. Ms. Roberto Rolim Andrés, na Sala Ignacio Ellacuría e companheiros, no campus da Unisinos São Leopoldo.
Profa. Dra. Rosana Pinheiro-Machado – UFSM
Do lulismo ao bolsonarismo: a participação das juventudes nas eleições
A antropóloga Rosana Pinheiro-Machado desenvolve sua pesquisa no Morro da Cruz, periferia de Porto Alegre, para compreender a transição do lulismo para um novo paradigma: o bolsonarismo, sua presença entre os jovens. A professora pontua que esse conceito está para além da identificação com a figura do candidato, é uma nova roupagem do discurso conservador. Em recente entrevista à IHU On-Line, Rosana destaca que a inclusão social promovida pelo consumo nos governos de Lula era insustentável: “O problema do crescimento via consumo é que ele é insustentável, não apenas porque vivemos no país com uma das maiores taxas de juros do mundo e isso inevitavelmente causará endividamento, mas também porque ele foca na mobilidade individual ou no máximo familiar.”

Rosana Pinheiro-Machado | Foto: Joana Berwanger
O esgotamento desse modelo formulou uma nova compreensão política pelos sujeitos. “O lulismo focou na relação gestora entre o Estado e o indivíduo, e despolitizou a inclusão, democratizou a vida financeira, mas desdemocratizou a vida política da comunidade, que era muito forte no orçamento participativo, por exemplo”, afirma Rosana.
Em seu estudo antropológico, destacou que a transição de momento no país exige uma análise mais complexa que a mera polarização. Evidência disso é a variedade de perfis no eleitorado de Bolsonaro, longe das simplificações dos discursos polarizados. “A grande maioria de nossos interlocutores não corresponde a qualquer estereótipo da polarização como sujeitos fascistas, violentos e intransigentes. São pessoas que estão procurando alternativas para as suas duras vidas e lidando com as informações de um candidato que atualmente reina sozinho nas redes sociais”, afirmou na entrevista.
Na pesquisa com jovens e adolescentes, Rosana aponta que compreender a relação desses sujeitos com o bolsonarismo é muito mais complexa que as simplificações taxativas. “Os adolescentes bolsonaristas discutem dados, desconfiam das matérias e temem extremismos. Eles são uma nova geração e sabem conviver melhor com o controverso e com o debate”, apresentou à IHU On-Line.
Prof. Dr. Henrique Parra – Unifesp
A política do comum e do protótipo
O sociólogo Henrique Parra afirma que o “atual sistema [político] fez água por todos os lados” e “causou um mal-estar em diversos países”. Por isso, o professor destaca a necessidade de se repensar novos modelos de política para além das eleições. “Não basta ganhar eleições, é preciso democratizar a produção científica e tecnológica, a geração de energia, democratizar a economia... mas para isso também precisamos ter experiências sobre o que pode ser colocado no lugar”.

Henrique Parra | Foto: Arquivo Pessoal
A pesquisa de Parra se desenvolve em pensar sobre a tecnopolítica, isso é, “a indissociabilidade prática entre técnica e política”. Em entrevista à IHU On-line descreveu a relação que faz entre a “tecnopolítica” e o “comum”: “Analiso como a emergência de novas formas de saber relaciona-se a novas formas de exercício do poder no contexto das relações tecnicamente mediadas, principalmente das tecnologias digitais. Nesta trama tenho adicionado as reflexões sobre o comum, pois é sobre ele que os novos saberes e poderes adquirem contornos específicos e pouco conhecidos”.
Para o sociólogo a discussão de “política do comum” é existência “de algo comum que está sob disputa”. Nesse sentido que o sociólogo destaca a importância do debate feito pelos franceses Pierre Dardot e Christian Laval (este estará presente na Unisinos, dia 24-09-2018, em evento do IHU, confira a programação aqui) a institucionalização do comum, para o desenvolvimento de marcos regulatórios e protetivos. “Laval e Dardot propõem que essas instituições são formas de autogoverno do comum. Trata-se de modificar a própria arquitetura e os elementos que ordenam o modelo de contrato social existente. Em termos de participação e deliberação, isso significa que todos os implicados ou afetados por uma decisão devem participar em sua deliberação”, destacou.
A política feita pelos próprios indivíduos ou grupos afetados por decisões do Estado amplifica a gama de atores. Henrique Parra destaca os processos de participação política desenvolvido por novas institucionalidades despertadas por movimentos populares, como o 15M na Espanha, que protestou contra a hegemonia bipartidária do Partido Popular - PP e do Partido Socialista Operário Espanhol - PSOE. Segundo Parra, esses movimentos criam a política do protótipo: “uma política do protótipo é também a passagem de um movimento reivindicativo para um movimento propositivo e pré-figurativo, que experimenta no presente a criação de outros modos de relação e outros mundos possíveis”.
Prof. Ms. Roberto Rolim Andrés – UFMG e Piseagrama
Democracia sem partidos, a partir dos muitos e das muitas
Os movimentos indignados com o sistema tradicional da política incita a um debate de novo modelo democrático. O professor Roberto Andrés é enfático: “A política representativa partidária parece ter mesmo chegado a um esgotamento. Votamos a cada quatro anos, ou a cada dois, mas temos a sensação de que isso pouco interfere nos rumos do Estado e da coletividade”.

Roberto Andrés | Foto: Arquivo Pessoal
Andrés é professor e arquiteto, pesquisa sobre espaços públicos e a ocupação e participação da sociedade, de cidadãos comuns, na elaboração e tomadas de decisões. Propôs-se, em um coletivo, à construção e elaboração de um novo sistema, que não existam políticos profissionais: “Estávamos em março de 2015 e um grupo propôs a ocupação das eleições municipais do ano seguinte. O desejo, próximo ao que estava sendo gestado em cidades da Espanha, era construir candidaturas cidadãs, abertas para a sociedade, em que as instâncias de decisão não seriam mais as fileiras partidárias”, explica no artigo Democracia sem Partido, publicado por Piseagrama.
A construção do programa político seria dialogado e construído a partir de muitos e muitas: “O programa de governo seria construído em uma plataforma na internet e em debates em praças públicas. Uma grande consulta popular pela internet decidiria quem seria o candidato ao executivo. As principais decisões seriam coletivizadas. Em suma, era algo parecido com democracia, ainda que representativa, que se buscava”, apresenta Andrés.
Roberto Andrés manifestou a frustração com o monopólio do sistema partidário na discussão e construção política no Brasil: “Tudo isso foi inviabilizado, ou desfigurado, nos dois partidos em que se tentou a construção”. Embora o sistema partidário mantenha-se hegemônico, algumas cidades elegeram nas últimas eleições mandatos coletivos, isso é, candidaturas que carregaram consigo movimentos. É o exemplo do Muitas, em Belo Horizonte, um movimento de 12 mulheres que elegeu duas delas como vereadoras, em uma construção compartilhada, da campanha ao exercício da vereança.
Prof. Dr. Moysés Pinto Neto – Ulbra
Os projetos políticos das eleições 2018 e o papel da(s) esquerda(s)
A crise do sistema político-partidário desestabiliza análises precisas sobre as eleições. Moysés Pinto Neto em entrevista à IHU On-Line, em abril de 2017, já destacava: “As eleições são, mais uma vez, um obstáculo para a reorganização, tal como ocorreu em 2014. A urgência do discurso do ‘complexo de Katechon’, para usar a expressão de meu amigo Rodrigo Nunes, acaba colocando as questões no nível do ‘menos pior’”.

Moysés Pinto Neto durante sua palestra no IHU
Foto: Cristina Guerini | IHU
A incerteza dos projetos políticos e a dificuldade, tanto à esquerda e à direita, de construir blocos sólidos e amplos foram prenunciados para o atual momento. “Um fenômeno meio político – substantivado no imenso vazio político e na insatisfação geral, cumulado com falta de alternativas de esquerda onde mescla um imenso déficit de atenção e outro imenso déficit de experiência”, analisa Moysés.
A percepção de Moysés, bacharel em Direito e doutor em Filosofia, sobre os processos que se desencadearam no país, sobretudo sua análise sobre a incapacidade de a esquerda construir unidade de projeto, foram evidenciados com as composições das chapas eleitorais de 2018. Em sua última entrevista à IHU On-Line destacou o risco de vivermos no Brasil um cenário semelhante às eleições francesas de 2017: “Do ponto de vista da esquerda, estamos perigosamente muito perto de um cenário francês em que a extrema fragmentação levaria a um segundo turno entre Alckmin e Bolsonaro, dado que – mesmo que o primeiro tire votos do segundo – a parte residual pode ser suficiente para garantir a ida ao segundo turno e um esmagamento total do campo progressista”.
4º Ciclo de Estudos – A reinvenção da política no Brasil contemporâneo. Limites e perspectivas
Em meio à complexidade da conjuntura que o IHU propõe o debate que não se resume às eleições, mas que reconhece a realidade e as evidências do momento para pensar em alternativas de (re)invenção política no curto, médio e longo prazos. Por isso da sua metodologia com dias de debate pré e pós-eleitoral. O evento é aberto para toda a comunidade. Faça aqui sua inscrição.
Confira a programação do debate pré-eleitoral, que acontece nessa terça-feira, 04-09-2018:
8h30min – Início do Credenciamento
8h50min – Abertura
9h às 11h – O cenário eleitoral brasileiro e a participação das juventudes. Possibilidades e Limites
Profa. Dra. Rosana Pinheiro-Machado – UFSM
11h às 12h30min – Os projetos políticos da eleição brasileira de 2018 e os papéis da esquerda. (Im)previsões e análises
Prof. Dr. Moysés Pinto Neto – Ulbra
12h30min às 14h – Intervalo
14h às 16h – A política do comum e do protótipo. Possíveis alternativas à captura da política e do Estado
Prof. Dr. Henrique Z. Parra – Unifesp
16h15min às 18h – A democracia sem partidos e a partir das muitas e dos muitos. (Re)Invenção política?
Prof. MS Roberto Rolim Andres – UFMG e Piseagrama
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A (re)invenção da política e a incerteza do cenário eleitoral - Instituto Humanitas Unisinos - IHU