“Francisco deveria fomentar o desenvolvimento autônomo da Igreja latino-americana”. Artigo de Jorge Costadoat

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15 Junho 2018

“Para que se cumpram os desejos expressos pelo Papa Francisco em sua audaz carta aos católicos chilenos, é fundamental que ele dê um, dois ou três passos para trás e deixe a Igreja latino-americana se auto-organizar. A Igreja latino-americana requer liberdade para proclamar o Evangelho em seus próprios códigos culturais”. A reflexão é de Jorge Costadoat, teólogo jesuíta chileno, em artigo publicado por Religión Digital, 13-06-2018. A tradução é de André Langer.

Eis o artigo.

O Papa escreveu uma longa carta aos católicos chilenos (31-05-2018). Nela, expõe os mecanismos que têm facilitado a perpetração de abusos de diversas índoles, contra diferentes tipos de pessoas e denuncia as formas de acobertar falhas e crimes.

Mas há outra coisa. O Papa pede que os chilenos sejam protagonistas em sua Igreja. Ele quer que vão inclusive além do estabelecido. Ele assenta as bases para uma renovação eclesial que pode tornar-se formidável. Francisco apela à imaginação. Deveriam os chilenos ousar ir além de algumas normas de organização da Igreja? Sim, parece que sim.

Mas a Igreja chilena está muito machucada, desnorteada e com poucas forças para reagir. Os católicos chilenos se sentem enganados por nós, a instituição eclesiástica que há anos não os levou em consideração. Esta, por sua vez, terá que recuperar a autoridade perdida. A convocação do Papa aos bispos para se reunirem com ele em Roma deixou-os no chão. O episcopado chileno está KO [de Knock Out, nocauteado] e o restante do povo cristão está extremamente mareado.

Mesmo assim, os católicos chilenos vão pegar a luva. Mas pedimos ajuda a Francisco, porque há questões cuja resolução não depende de nós. Seria possível para a Igreja chilena, de um dia para o outro, começar a ordenar mulheres? Mulheres sacerdotisas? Existem vários problemas que devem ser resolvidos no nível mais alto. Se isso não for feito, a Igreja do Chile sucumbirá amanhã ou depois de amanhã.

Certamente, o tema número um é a participação das mulheres. Se elas não forem incorporadas em instâncias de maior responsabilidade eclesial, onde as decisões são tomadas, as novas gerações vão abandonar a Igreja para sempre. Reservar o exercício do poder, a orientação e o cuidado da Igreja somente aos varões, é algo intolerável para a geração atual que acredita na igual dignidade dos gêneros. Nem homens nem mulheres suportam isso.

Atualmente, no Chile, não se pode elogiar as mulheres, falar do “gênio feminino”, para depois dizer que Jesus preferiu um conselho masculino de ministros. A situação das mulheres na Igreja é um pecado. Nós faremos todo o possível para dar-lhes maior participação. Mas o Papa também terá que fazer a sua parte. É urgente que se enfrente seriamente o assunto. Ele não poderia convocar um sínodo sobre as mulheres e de mulheres?

O tema número dois são os atuais presbíteros. Sua formação é lamentável. A primeira coisa que os seminários fazem é tirar os jovens da sua classe (quando são pobres). Em seguida, eles recebem um tipo de teologia que é imune aos sinais dos tempos e às vidas reais das pessoas. Em terceiro lugar, são romanizados. Por último, são sacralizados. Cumprido o processo de desenraizamento de sua humanidade, são enviados para pregar o Evangelho. O Evangelho! Fatal.

Como os cardeais dos dicastérios romanos não se dão conta de que suas instruções para a formação sacerdotal formam pessoas cada vez mais distantes de Jesus? Essas normativas regem os centros de formação e faculdades de teologia, causando danos, primeiro, aos próprios seminaristas, e, logo depois, aos fiéis que, no futuro, terão que sofrer o clericalismo. Francisco, em sua última carta, faz referência à necessidade de renovar os estudos eclesiásticos. É indispensável que ele mesmo exija dos seus colaboradores romanos mais próximos a introdução de modificações mais profundas na formação do clero.

Finalmente, Francisco deveria encorajar o desenvolvimento autônomo da Igreja latino-americana. Somente uma Igreja Católica policêntrica tem futuro. O centralismo romano está impedindo em todas as partes do mundo o surgimento de Igrejas regionais com características culturais peculiares. A própria papolatria, dos pontífices e dos demais católicos, impediu esse surgimento.

Para que se cumpram os desejos expressos pelo Papa Francisco em sua audaz carta aos católicos chilenos, é fundamental que ele dê um, dois ou três passos para trás e deixe a Igreja latino-americana se auto-organizar. A Igreja latino-americana requer liberdade para proclamar o Evangelho em seus próprios códigos culturais. Para que os chilenos possam participar protagonicamente na reconstrução de sua Igreja, Francisco teria que reconhecer autoridade à Igreja latino-americana para que se organize com maior autonomia. Isso não garante que uma Igreja menos clerical, menos europeia e menos romanizada emergirá entre nós do que aquela que temos. Mas se o Papa nos pede uma coisa, mas não nos ajuda a consegui-la, apressa o nosso fracasso. Isso agrava a desautorização de nossos bispos diante do Povo de Deus e acelera o seu colapso.

A Igreja chilena precisa urgentemente que o Papa introduza mudanças chaves na doutrina, na estruturação e no governo da Igreja universal. Sozinha, por mais que reme, ela afunda. O mar está muito agitado.

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