O cristianismo em tempos de Francisco. A crise da democracia e a do laicato católico organizado

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21 Janeiro 2017

“O cristianismo no tempo do Papa Francisco” é o tema do congresso de estudos que se realizou em Roma nos dias 19 e 20 de janeiro, na Sociedade Dante Alighieri no Palazzo Firenze. O congresso, promovido pela Universidade de Roma II, pela Universidade Católica de Milão, pela Universidade para Estrangeiros de Perugia e pela World History Academy, contou com a participação de renomados historiadores de todo o mundo sobre os temas tão caros a Bergoglio: centros e periferias, globalização, história, cultura e teologia, e perspectivas futuras.



A reportagem é de Luca Rolandi, publicada no sítio Vatican Insider, 19-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Entre os palestrantes, estavam o cardeal Walter Kasper, Mons. Dario E. Viganò, o teólogo Pierangelo Sequeri, os historiadores Andrea Riccardi, Agostino Giovagnoli, Jean Pierre Bastienne, Jean François Colosimo, Massimo Faggioli, Marta Margotti, Francesco Bonini e Mariella Pieroni.

“No título do tema não está indicado o catolicismo, mas o cristianismo em Francisco”, afirma Agostino Giovagnoli, “porque, no catolicismo do papa, a parte ecumênica é uma realidade fundamental.” Além disso, por um lado, a eleição de Francisco foi menos casual do que se possa pensar, mas “foi o fruto de dinâmicas históricas de décadas e, por outro lado, o seu pontificado leva as periferias para o centro e insere uma mudança profunda em uma realidade como a católica que, durante séculos, foi marcada por uma lógica territorial. Francisco, portanto, é um líder cristão em uma realidade mais ampla do que a Igreja Católica apenas”.

O papa é contemporâneo de Trump e de Putin, e emerge em relação aos líderes políticos pela sua força profética e alternativa, acrescenta Giovagnoli: “Esse pontificado está profundamente ligado à realidade histórica, mas a sua novidade não está ligada apenas à sua energia pessoal, à sua espiritualidade, mas, na realidade, Francisco também é expressão de uma mudança que é irreversível e, portanto, o seu papado é impensável como um parêntese, porque a realidade do mundo globalizado apresenta desafios diferentes dos tradicionais”, e o papa argentino os encarna no respeito à tradição, mas, principalmente, na fidelidade ao Evangelho.

As vozes críticas contra o Papa Francisco expressam um preconceito muito eurocêntrico, continua Giovagnoli. “Imputa-se ao papa sul-americano que ele não tem uma sólida preparação teológica, porque a teologia do povo, aos olhos daqueles que movem as críticas, vale pouco. A perspectiva, para o papa argentino, é iniciar os processos, e muitos deles foram iniciados.”

No congresso, essa visão foi ilustrada, porque – continua o professor da Católica –, “em Bergoglio, há um modelo alternativo, que é um cristianismo de minorias, coeso, identitário e perdedor em relação ao mundo globalizado. Existem nostalgias de um modelo do passado, que parece largamente inadequado para falar com o mundo de hoje, que precisa de uma Igreja que deve ser missionária e estar à escuta.”

“Nos próximos anos, o seu papado – explica Giovagnoli – poderá reservar algumas surpresas na relação com a China, nas relações com a Ortodoxia e, em particular, com a Rússia. E, além disso, o grande desafio da Igreja em saída, que deverá fazer cada vez menos as contas com as suas forças institucionais, com a sua capacidade organizativa, com a aplicação do direito canônico, em suma, com tudo aquilo que ele herdou do passado, para se preparar para uma novidade pastoral como a delineada pela Amoris laetitia.”

Uma das passagens mais interessantes do congresso foi apresentada por Massimo Faggioli, que falou dos leigos na Igreja em tempos de Francisco. “Há uma relação estreita entre a crise da democracia e a crise do laicato católico organizado”, afirma o professor de Ferrara, que ensina nos Estados Unidos.

“O laicato católico global não se identifica mais com aquele estrato social de extração europeia que se colocava entre o proletariado e a burguesia média-alta. As novas ênfases do magistério de Francisco sobre o matrimônio e a família são fruto dessa mutação. Bergoglio percebeu essa estagnação do movimentismo católico, uma estagnação em termos de impulso propulsor, senão também em termos demográficos. Tons totalmente novos vêm de Francisco em relação ao laicato católico organizado, quando o papa adverte contra a tentação de utilizar a experiência do movimento-associação como refúgio para católicos cultural ideologicamente afins.”

“A mensagem de Francisco continua no rastro da eclesiologia católica do século XX e conciliar, superando não só a eclesiologia dos duo genera christianorum, mas também a eclesiologia do duo genera laicorum. Francisco arquivou a ideia de uma superioridade do laicato organizado e ideologicamente orgânico ao pontificado como o modelo perfeito de laicato saudável, superior ao laicato indistinto dentro da comunhão eclesial”, conclui Faggioli.

Na introdução do congresso, Andrea Riccardi desenvolveu uma reflexão sobre a “Igreja entre centro e periferia”. O papa – sublinhou o historiador, fundador da Comunidade de Santo Egídio, além de presidente da Sociedade Dante Alighieri – é tanto “profeta” quanto “homem de governo”, e, embora Francisco expresse apreço por um estilo colegial e sinodal, “parece-me – ressaltou Riccardi, recapitulando os quase quatro anos de pontificado do papa chamado “quase do fim do mundo” para relançar, com uma reforma, uma Igreja e uma Cúria marcadas em 2013 por uma crise profunda – que há uma verticalização no governo da Igreja, à espera de que emerja uma renovação profunda à qual o papa incentiva como profeta”.

Nesse contexto, a “reforma do centro para a periferia”, personificada pelo papa, “em certo sentido, ainda não tomou forma”, enquanto “aquela sobre a qual o Papa Francisco trabalha mais, eu diria, é uma revolução cultural de longo prazo”.

A reforma de Jorge Mario Bergoglio, em suma, não tem um “desenho orgânico e eclesiológico”, como aquele promovido por Paulo VI na sua época, que, com a pressão do Concílio Vaticano II, em apenas dois anos, mudou profundamente o pessoal da Cúria.

Não é um programa detalhado como o que fez Paulo VI, mas sim um “processo”, que, por si só, “não é controlável”. Daí a pergunta: “Em um processo, tudo depende não de quem o coloca em movimento, mas da recepção”, por parte de pastores, fiéis, sujeitos eclesiais, e a reforma do Papa Francisco está despertando “adesões, resistências e também indiferença”.

Esse, para Riccardi, é o “grande desafio”, porque “a bola passa para o campo dos vários sujeitos eclesiais”. O Papa Francisco “vai incidir sobre a história de longo prazo do catolicismo?” Jorge Mario Bergoglio “terá sucesso?” Para responder, “não devemos olhar só para o papa, mas também para a realidade da Igreja do século XXI, para como os vários sujeitos aderem, resistem ou são indiferentes”, disse o historiador.

O risco, para aqueles que tentam entender e descrever o papado, é que “a observação pare no papa, não vendo a miríade de setores do catolicismo, mas que, em grande parte, determinarão o sucesso ou o insucesso daquilo que o Papa Francisco inicia”.

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