Ocupações de escolas e universidades após o golpe branco

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09 Novembro 2016

"O modelo avançou e ganhou sua maioridade no final de 2015. Esta modalidade de ocupação de escolas como defesa direta do direito social garantido na Constituição, teve sua estreia brasileira em larga escala a partir de outubro de 2015. O protesto era direto. O governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin promoveu uma "reforma" do ensino, onde seriam fechadas 94 unidades para alocar outras em três ciclos. Algo parecido coma enturmação promovida pelo governo Yeda Crusius (PSDB do RS, 2007-2010). A luta dos secundaristas paulistas foi um sucesso e vitoriosa em dois níveis", escreve Bruno Lima Rocha,  professor de ciência política e de relações internacionais.

Eis o artigo.

Tem algo de novo no ar, e dessa vez não são aviões de carreira. A "novidade" é um modelo de organização para a luta imediata que realmente não está subordinado às correntes estudantis de sempre. No Brasil, a modalidade de corrente político-sindical e corrente ou tendência estudantil opera não como uma articulação do político com o social, mas, infelizmente, como correia de transmissão das forças políticas organizadas. Desta prática de "passar o rodo" (na triste gíria da militância dos anos ’80), corroboram quase todas as forças de esquerda. Ressalvo a exceção do especifismo, da Coordenação Anarquista BrasileiraCAB, onde nas cartas orgânicas das federações estaduais desta coordenação nacional consta a vontade política e obrigação militante de respeitar as decisões soberanas de todas as instâncias onde esta força participe. Mas, sinceramente, é só.

Não estou dizendo com isso que não há política de base sincera ou que nenhuma força política respeita as instâncias sociais para além do anarquismo organizado. Mas, ao mesmo tempo, afirmo que uma parte importante dos métodos do especifismo foram incorporados, e daí vem o protagonismo dos estudantes.

O método se expande e nacionaliza: temos uma nova esperança?

Para esta prática vencer deu-se um conflito em amplas dimensões. A partir das lutas de 2013 e antes do sequestro da pauta pelos conglomerados de mídia de São Paulo, tais métodos, transbordando primeiro com a radicalidade e as ideias circulantes para além da representação política, encontraram na juventude precarizada urbana seu lugar de expansão. Onde houve controle político coletivo das lutas de 2013, como em Porto Alegre, a partir do Bloco de Lutas pelo Transporte Público - uma verdadeira frente política de esquerda, eleitoral e não eleitoral - os níveis de violência foram razoavelmente contidos e entraram mais como resposta da repressão do Estado (lembremos, em pleno governo Tarso Genro, PT). Onde o transbordamento superou a organização prévia, a revolta aflorou e se chocou contra os manifestantes de estilo escoteiro, com cartazes brancos, camisas amarelas e lemas moralistas.

O modelo avançou e ganhou sua maioridade no final de 2015. Esta modalidade de ocupação de escolas como defesa direta do direito social garantido na Constituição, teve sua estreia brasileira em larga escala a partir de outubro de 2015. O protesto era direto. O governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin promoveu uma "reforma" do ensino, onde seriam fechadas 94 unidades para alocar outras em três ciclos. Algo parecido coma enturmação promovida pelo governo Yeda Crusius (PSDB do RS, 2007-2010).

A luta dos secundaristas paulistas foi um sucesso e vitoriosa em dois níveis. No político, no conflito de intencionalidades, a vontade geral secundarista prevaleceu sobre o Palácio dos Bandeirantes. A "reformulação" foi freada, passando a ofensiva privatizante para outro governo tucano; a Goiás, do governador Marconi Perillo.

A outra vitória foi de método. Como a luta direta saiu-se vitoriosa, o método do pouco controle das unidades ocupadas, da permissão para a ação direta de qualquer escola, do princípio da delegação por escola participante - com representação de gênero - e proibindo que as tendências falassem como tendências foi também vitorioso.

Tal modelo se reproduz pelo Brasil de 2016, passando pelas ocupações de escolas do Rio Grande do Sul - contra o PL 44, por exemplo e o famigerado Escola Sem Partido - e já tomando como referência a luta dos estudantes secundaristas goianos. O primeiro semestre viu surgir no Rio Grande do Sul o CEI, Comitê de Escolas Independentes. Independentes do que? Obviamente que a defesa era a da independência de classe, não aceitando a tutela dos intermediários profissionais e políticos de carreira de legenda alguma, seja esta de centro-esquerda, reformista ou de esquerda eleitoral. O método é simples: quem estuda é protagonista e quem ocupa decide, não parlamentares ou cabos eleitorais de tendências.

Esta é a força do método com protagonismo de classe e povo, onde quem se organiza socialmente tem preferência, e observa-se que o papel dos partidos e organizações políticas, ou dos movimentos com organicidade - como MST e MTST - em respeitando este método, é de apoio e coordenação solidária, e nunca de direção verticalizada.

Se este método for compatível com o erguimento de uma esquerda social inserida, banhada de cultura popular e munida de táticas adequadas e instâncias decisórias capacitadas, então realmente temos uma esperança.

E a universidade pública, saiu da pasmaceira e da endogenia?

Como diziam nos anos '60, há algo novo no ar além de aviões de carreira. Eu diria que há muito de novo circulando no sistema político simbólico, existem coletivos efêmeros, coletivos passageiros, projetos que envolvem indivíduos e dezenas de formas de envolvimento com causas coletivas que fogem, ultrapassam os limites da política de esquerda. Vejam bem, quando afirmo ultrapassar os limites da esquerda sequer me refiro aos partidos eleitorais, e sim a esquerda social, às organizações políticas (incluindo a qual estou vinculado) e os grupos de debates tradicionais.

As instituições universitárias e os programas de pesquisa, infelizmente, estão vivendo em um labirinto. Um longo ciclo de pasmaceira, arrivismo, produtivismo e tecnociência. Os últimos 13 anos, sendo que dez de pasmaceira quase absoluta no nível visível da política - quem vem de rádio comunitária sabe o inferno que foi as batalhas por "posições" dentro do Ministério das Comunicações - reforçaram as amarras da tecnociência mesmo em nível das humanidades. E, para o bem ou para o mal, as carreiras de humanas acabam marcando o debate político dentro das universidades. Assim, uma boa parte da "militância" ficou contida a disputa por aparelhos esvaziados, a duplicidade de representação estudantil - obra e graça do oficialismo das tendências lulistas - enquanto o debate ultrapassava a "representação". Enquanto havia este transbordamento, a cada enxada uma minhoca, e a cada foice um latifúndio. Os discursos eram - são - ferozmente disputados como se fossem patentes privadas de mercadorias laboratoriais. As reputações são construídas intra-muros através da correria selvagem pelo Lattes (qualquer semelhança com os Bandeirantes em busca de diamantes não é nenhuma coincidência) e os padrões de produtivismo fizeram das humanidades carreiras de arrivismo e desempenho como as demais, onde o "padrão de mercado" é ainda mais incisivo.

Nada disso acima é obra exclusiva do lulismo e, obviamente, o lulismo nada fez para frear estas aberrações. Ao contrário, as estimulou, caindo e reproduzindo falácias como métrica de produção, carreirismos sem fim e abertura de vagas desproporcional nas públicas do que nas redes privadas. Ainda assim houve avanço no meio universitário brasileiro, avanço este marcado pela luta das cotas e a mudança concreta do perfil de origem - não de destino e menos ainda dos ritos de passagem internos - de estudantes universitários.

Agora, finalmente, ao menos em parte, os/as estudantes de nível “superior” (reconheço que é um termo horroroso) têm a identidade - as identidades aparentes ao menos - do povo brasileiro, da maioria, da necessidade de descolonizar os saberes, nem que seja a partir do desconforto com as matrizes eurocêntricas e racistas de pensamento (mesmo e também, os de "esquerda"). Pode ser esta uma pista que nos permite interpretar porque essa participação massiva de estudantes que antes pouco ou nada frequentavam os esvaziados diretórios acadêmicos. Ainda que em minoria, há uma sensação de que uma parcela da maioria é partícipe no mundo acadêmico que tem as condições materiais para fazer política. Esta é uma hipótese válida e que há de ser testada. A outra é a comparação com o fenômeno chileno.

Isso aqui vai virar o Chile? 

As ocupações de 2016 são uma novidade sim, pois aplicam métodos de luta que surgiram à esquerda do moribundo pacto de classes lulista, apesar da pasmaceira de dez anos de coalizão - até 2013! – e, remodelando práticas de colegas chilenos, cuja primeira rebelião foi em 2007 contra as medidas educacionais de Pinochet que foram mantidas tanto por todos os governos da Concertación Chilena.

A rebelião dos pinguins foi, originalmente, contra o governo Michelle Bachelet e sua inércia para desmontar o Estado Pinochetista. O resultado foi um aumento repressivo ainda antes da eleição do empresário pinochetista Sebastián Piñera (à época pela Renovación Nacional – uma ala do Partido Nacional, golpista em 1973) quando se deu a segunda rebelião, a de 2011, aí com a presença do Partido Socialista e do PC Chileno) e um preço político altíssimo que ainda está sendo pago. Justamente pago.

Se em 2016 as eleições municipais brasileiras tiveram uma média de 38 a 42% de abstenções, votos nulos e brancos, nas eleições chilenas recém terminadas tiveram um índice de abstenção de mais de 60%, também concluindo com vitória da direita (coalizão Chile Vamos) sobre a coalizão de centro-esquerda (Nueva Mayoría).

As ocupações incidem sobre níveis simultâneos de análise 

No Brasil, as corridas simultâneas para 2018 começaram ainda ao final do segundo turno com ares plebiscitários de 2014. A novidade de 2016, em especial das ocupações, é a unidade tática entre ex-apoiadores do lulismo e agrupações mais à esquerda - eleitorais ou não. Tal como em 2011 no Chile. Se houver uma retomada da centro-esquerda, a "unidade" está desmontada de cara. Assim, o caos organizativo tende a piorar, e caminha lado a lado com a efervescência da luta direta. No curtíssimo prazo, se o Senado não votar a PEC 55 - ex-PEC 241 na Câmara - antes do recesso legislativo já será uma bela vitória e um período para tomar fôlego. Tem outros níveis de análise, incluindo os conflitos dentro do Ministério Público Federal e da Magistratura Federal. Mas, insisto, todo o constrangimento de partes do Judiciário, do MP e da Polícia Federal dependem mais da luta direta do que dilemas internos e vocacionais da tecnocracia jurídica brasileira.

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