“Maravilhosa a escolha de não pronunciar-se. O seu olhar já diz tudo”, diz sobrevivente de Auschwitz

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01 Agosto 2016

“A mim este Papa agrada muitíssimo. Considerei maravilhosa a escolha do silêncio. Como dizia Primo Levi, o horror de Auschwitz é indizível. Ir ao lugar da dor absoluta, em silêncio, é o máximo que pudesse fazer”. 

Liliana Segre, entre os mais altos testemunhos da Shoah, tem tatuado no braço o número 75190, “não se apaga, está em mim, sou eu o 75190”. 

Tinha 13 anos quando, da Central de Milão, foi deportada a Birkenau. Chegou na manhã de 6 de fevereiro de 1944, e na Rampa dos Judeus foi a última vez que viu seu pai. 

Wie viele Stücke?”, berrou um SS, quantas peças? “peças” eram 605, retornaram vinte. 

“Recordo um espaço enorme, a neve, o frio, a violência. Separaram-nos. Papai era viúvo, eu filha única. Era tudo para mim e eu para ele. Diziam para ficarmos calmos. Eu não imaginava que não tornaria a vê-lo e espero que ele também não tenha entendido.”

A entrevista é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 30-07-2016. A tradução é de Benno Dischinger.

Eis a entrevista.

O que você pensou, vendo Francisco em Birkenau?

Veio-me espontaneamente a fazer um confronto. Wojtyla, que morava ali perto e dos polacos devia saber tantas coisas, no bem e no mal. E depois Ratzinger, o Papa alemão, este homem cultíssimo que disse: não podia não vir, depois daquilo que o meu povo havia feito. Ele não teria podido ficar em silêncio. Este Papa, ao invés, pode fazê-lo, ele que vem “quase do fim do mundo”, porque o seu olhar já diz tudo. 

Alguma coisa a impressionou, em particular?

Ver este homem velho, como eu, a sua fadiga enquanto se inclinava sobre as lápides. Na televisão, todavia, eu via o fundo verde dos prados, as árvores, as pedras lisas do pavimento. Veja, eu estou entre os poucos testemunhos que jamais quis retornar. Não é o que vi: a neve, o lodo empestado dos tamancos, o cinza também do verão. Se houvesse um fio de erva, o teríamos comido. 

Não sei, uma espécie de estranhamento. Como quando estudantes me dizem que fizeram um “giro” a Auschwitz, não uma peregrinação. Um giro? No maior cemitério da Terra? Quando falo aos rapazes, me perguntam: o que sucederá quando estiverdes todos mortos? Atualmente falta pouco, é natural. Pois eu penso que será o reino dos negacionistas, que permanecerá uma linha num livro de história. 

Uma perspectiva angustiante... 

Sim, é assim. Eu vou em frente enquanto o consigo. Entre as centenas de jovens que encontro, espero que haja pelo menos um que se recordará. 

O assassínio do padre Hamel, o Papa que fala de uma terceira guerra mundial em pedaços. Existe o perigo que o horror de Birkenau se repita? 

As coisas não são mais iguais. Mas me preocupa muitíssimo o fanatismo. Foi o fanatismo que levou o povo alemão a fazer o que fez. Não se pode falar de loucura. Hitler não era louco. É como se houvesse uma veia de violência, de fanatismo nos homens que às vezes reaflora. Eu tenho muito medo desta deriva de violência fanática que retorna, não sei se se possa chamar de guerra, mas certamente a atmosfera me recorda momentos já vividos. 

Acusam Francisco de “boníssimo”... 

É um homem de Deus, é obvio e justo que pregue a fraternidade. De resto, sabe que no Memorial da Shoah de Milão, no Binário 21 da Central onde partiam os trens dos deportados, a comunidade hebraica, Sant’ Egídio e o Município acolhem há tempo, cada noite, refugiados?

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