“Os cardeais mais religiosos andam desconcertados com um papa que procura ser mais evangélico”. Artigo de José María Castillo

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Por: André | 13 Mai 2016

“Pois bem, se a Igreja é a comunidade dos seguidores de Jesus, sua razão de ser e sua forma de estar presente na sociedade humana não é outra, não pode ser outra, senão tornar presente, visível e compreensível o Evangelho, na medida em que o Evangelho de Jesus pode ser entendido como um ‘projeto de vida’, que nos aporta algo que seja algo importante, para dar sentido às nossas vidas. E, sobretudo, para que tenhamos algo que, caso o Evangelho não existisse, não poderíamos ter”, escreve o teólogo José María Castillo, em artigo publicado em Religión Digital, 11-05-2016. A tradução é de André Langer.

Eis o artigo.

O gotejamento de notícias que nos informam sobre cardeais da Igreja que mostram suas divergências com o Papa Francisco, não para. Há apenas alguns dias, recordávamos nesta página o caso do cardeal Gerhard Ludwig Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Hoje, é inevitável fazer menção ao cardeal Dominik Duka, arcebispo de Praga, que parece não estar de acordo com “a sensibilidade do Papa Francisco em temas sociais”, que é diferente daquela que podemos ter na Europa sobre esses assuntos. Na opinião do cardeal de Praga, Francisco “vem da América do Sul, onde a distância entre ricos e pobres é muito maior, em consequência de suas culturas indígenas” (sic).

A sucessão de divergências cardinalícias com o atual papa é longa. E começou cedo. Justamente no momento em que Bergoglio, recém eleito Francisco, saiu da capela Sistina e se recusou a entrar no grande carro papal que o esperava na porta para levá-lo à Basílica de São Pedro. Ali mesmo começou a dar a cara o papa que vinha “do fim do mundo”.

Pelo visto, alguns dos mesmos cardeais que acabaram de elegê-lo, e aguardavam por ele em suas solenes vestimentas, não estavam preparados para assumir o novo estilo de exercício do poder na Igreja, que os esperava. E ao qual, na sequência, começaram a resistir. O mais indecente de tudo isso é que – segundo parece – seguem resistindo. E com mais força a cada dia que passa. À medida que o papado de Francisco avança, o novo modo de governo deste papa vai se definindo com uma clareza e uma coerência maiores.

O problema, que aparece com estes incidentes como pontas de iceberg, é (parece-me) mais profundo e mais grave do que possivelmente imaginamos. Porque há aqueles que, a partir de posições avançadas e com bastante razão, se lamentam da pouca e tradicional bagagem teológica com que o Pe. Bergoglio chegou ao papado. Como também são abundantes aqueles que se queixam que Francisco já não tenha tomado decisões do governo que teria que ter tomado, por exemplo, na reforma da cúria, na atualização da liturgia, na renovação da teologia, etc. etc. Tudo isto, evidentemente, é discutível de diversos pontos de vista. Mas acredito que somos muitos os que pensam que nestas coisas há muito de verdade.

No entanto, o que eu vejo mais claro é que o nó do problema está em outro lugar: na relação da Igreja com o Evangelho. A Igreja não está no mundo para organizar bem uma religião. Ser uma religião a mais entre tantas outras. Não. A Igreja não é isso. Nem existe para isso. A Igreja é a comunidade dos “seguidores de Jesus”. Se não for isso, todo o resto fica sobrando, estorva e impede o cumprimento da tarefa que lhe corresponde e da finalidade para a qual Deus, encarnado em Jesus, se fez presente e visível na história humana.

Pois bem, se a Igreja é a comunidade dos seguidores de Jesus, sua razão de ser e sua forma de estar presente na sociedade humana não é outra, não pode ser outra, senão tornar presente, visível e compreensível o Evangelho, na medida em que o Evangelho de Jesus pode ser entendido como um “projeto de vida”, que nos aporta algo que seja algo importante, para dar sentido às nossas vidas. E, sobretudo, para que tenhamos algo que, caso o Evangelho não existisse, não poderíamos ter.

Mas, é isto o que a Igreja faz, com seu clero, cardeais e o papado romano, assim como vinha funcionando até o momento em que este Papa Francisco começou a chamar a atenção de tanta gente, a inquietar os cardeais, a dar esperança a muitas pessoas e a fazer não poucas perguntas àqueles que dizem que ele é “populista”, que “vem da América” ou que é o “resultado das culturas indígenas”?

Em todo o caso, há algo que vemos diariamente claro: nem a tecnologia com seus surpreendentes progressos, nem a economia com seus avanços e crises, nem a política com seus líderes mais competentes, nem as humanidades com seus pensadores mais profundos, ninguém nem nada é capaz de fazer um mundo mais habitável, mais igualitário e mais justo.

Não será verdade que sobram saberes e poderes, religiões e violências e falta humanidade? Não haverá algo disso na estranha, discutida e nova figura deste Papa Francisco, que tanto insiste na necessidade e na atualidade do Evangelho? Não será por isso que os cardeais mais religiosos andam desconcertados com um papa que procura ser mais evangélico?

Não sei se nisto está o núcleo do problema. O que ninguém me tira da cabeça é que estas perguntas precisam ser enfrentadas.

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