Classes médias na América Latina. De novo em queda?

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Por: André | 15 Abril 2016

“As classes médias latino-americanas, especialmente as vulneráveis, estão se aproximando de uma nova queda, mais ou menos vertiginosa, na montanha russa que vieram experimentando desde a década de 1970”. A reflexão é de Ludolfo Paramio e publicada por Open Democracy, 14-04-2016. A tradução é de André Langer.

Ludolfo Paramio é professor de Pesquisa no Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC). Entre 2004 e 2008 foi diretor do Departamento de Análises e Estudos do Gabinete da Presidência do Governo da Espanha. Seus últimos livros são: La socialdemocracia maniatada (2012) e a compilação Desafección política y gobernabilidad: el reto político (2015).

Eis o artigo.

As classes médias sempre foram objeto de polêmica na América Latina. Na década de 1950, considerava-se previsível seu crescimento e via-se nelas a chave para o desenvolvimento e a democratização da região. Na década de 1990, ao contrário, tornou-se comum a ideia de que estavam em queda livre, após a crise da década anterior e as mudanças de modelo econômico trazidas pelo Consenso de Washington, a abertura aos mercados internacionais e a redução do papel e da presença do Estado. Mas, no começo deste século, a perspectiva mudou. Impulsionada pelo ciclo expansivo provocado pela demanda de matérias-primas na área do Pacífico, as classes médias voltaram a crescer, e novamente se converteram em motivos de esperança para a transformação da região.

Pode-se discutir em que medida alguns países da América Latina chegaram a ser, depois da Segunda Guerra e durante o regime de industrialização para a substituição de importações, sociedades de classe média. Mas em alguns países – Argentina, Uruguai e Costa Rica, por exemplo – não há dúvida de que se arraigou esta percepção da própria sociedade. Este pode ser um dos motivos do clima de frustração de expectativa e mal-estar das décadas de 1960 e 1970, quando toda uma geração criada nas expectativas da ascensão social e educativa enfrentou as dificuldades crescentes do modelo substitutivo de importações e as respostas autoritárias de muitos governos da região diante dessas dificuldades.

Em todo o caso, o modelo chegou a agonizante final com a crise da dívida na década de 1980, durante a qual se deram as transições para a democracia em um contexto de alta inflação e destruição de emprego. E as classes médias sofreram, além disso, especialmente o impacto das saídas neoliberais da crise nos primeiros anos da década de 1990, marcados pelo diagnóstico e pelas propostas do chamado Consenso de Washington, que implicavam uma forte redução do emprego público, tanto na administração como nas empresas públicas, além de uma reestruturação empresarial na qual as aquisições vinham acompanhadas por uma redução do emprego privado, quando não ocorria simplesmente a quebra e o fechamento das empresas em crise.

 A imagem de decadência e desaparecimento das classes médias na década de 1990 começa a inverter-se na década seguinte graças à nova dinâmica de crescimento induzido pelo boom das matérias-primas, impulsionado especialmente pela demanda e crescimento da economia chinesa. Entra-se agora em uma fase de otimismo, tanto sobre a possibilidade de uma nova expansão das classes médias como da superação de alguns dos tradicionais gargalos do crescimento econômico latino-americano, desde o caráter hereditário da desigualdade até o predomínio do emprego de baixos salários. E o indubitável é que entre 2000 e 2012 produz-se uma importante redução da pobreza na região, que vem acompanhada de uma considerável expansão das classes médias.

Gráfico 1: Tamanho dos grupos sociais na América Latina; circa 2000 e 2012. Porcentagem e milhões de pessoas.

 
Fonte: http://bit.ly/1p2Amee  

Fonte: Elaboração do PNUD a partir de estimativas por país para o ano 2000 proporcionadas pelo Centro de Estudos Distributivos de Trabalho e Sociais (CEDLAS) da Universidade Nacional de La Plata, Argentina, com base na Socio-Economic Database for Latin America and the Caribbean (SEDLAC) do CEDLAS e do Banco Mundial; e a partir do Banco Mundial (Social Gains in the Balance: A Fiscal Policy Challenge for Latin America and the Caribbean, Washington, DC., 2014) para 2012.

Notas: Os números entre parênteses indicam os milhões de pessoas em cada grupo. As porcentagens correspondem à média ponderada das porcentagens de população de cada grupo em 18 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

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Neste aspecto é necessário diferenciar, dentro do que inicialmente se chamou de classes médias emergentes, entre as classes médias propriamente ditas e as vulneráveis. O Banco Mundial fixou rendas absolutas (em dólares PPP) abaixo das quais um domicílio pertence a estratos médios vulneráveis. O cálculo determina as rendas a partir das quais a probabilidade de recaída na pobreza é muito baixa. O resultado com esta aproximação é que entre 1995 e 2009 a pobreza teria caída de 45% para 30% da população da região, ao passo que os estratos médios não vulneráveis teriam crescido de 20% para quase 30%.

Após uma experiência de decadência e ‘nova pobreza’ na década de 1980 e 1990, a década de 2000 esteve marcada pelo crescimento de novas classes médias emergentes da pobreza. Marcadas pelo contexto anterior de crise social e por valores em muitos casos afastados dos da classe média tradicional ou moderna – a vinculada à abertura econômica –, sua expansão quantitativa foi, no entanto, um motivo de justificado otimismo, ao passo que o contexto econômico internacional favoreceu sua ascensão social e o desenvolvimento de suas expectativas.

Mas a época do boom das exportações primárias parece ter chegado ao seu fim e não se criaram na maior parte dos casos as condições para uma mudança de modelo de crescimento: longe disso, a tendência foi uma reprimarização das economias. Neste novo contexto, as novas classes médias emergentes estão condenadas não apenas aos limites que encontram para a realização de suas aspirações por serviços sociais insatisfatórios, mas também às ameaças em termos de emprego e queda de renda que levam ao estancamento e à recessão das economias latino-americanas.

Dir-se-ia, portanto, que as classes médias da região, especialmente as vulneráveis, estão se aproximando de uma nova queda, mais ou menos vertiginosa, na montanha russa que vieram experimentando desde a década de 1970. A consequência política mais obvia é que os partidos e governos da região estão diante de um desafio não apenas de tornar possível sua continuidade, mas de assumir suas demandas de futuro. O risco de um retorno da pobreza e de um novo crescimento da desigualdade explica o mal-estar dos emergentes e abre a porta para a sua convergência com as classes médias tradicionais nas mobilizações contra a corrupção e a ineficácia dos governos.

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