Da missa tridentina à reforma litúrgica do Vaticano II – Parte 3. Artigo de Enzo Bianchi

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

30 Abril 2012

Nesta terceira parte de seu artigo (veja abaixo, em Para ler mais, as demais partes), Enzo Bianchi relata como viveu a missa nos anos anteriores à reforma litúrgica, aquela forma litúrgica que foi o alimento espiritual imprescindível na primeira parte da sua vida.

“Todos, ajoelhados, olhavam para o padre que, no altar, inclinado sobre a hóstia e sobre o cálice, pronunciava em voz baixíssima as palavras da consagração. Aquele era o 'santíssimo' da missa. Ver a hóstia e o cálice, para muitos, era o elemento decisivo da missa, a máxima comunhão possível com o Senhor, porque quase ninguém, depois, acedia à comunhão do corpo do Senhor. A comunhão sacramental, de fato, era praticada por pouquíssimos”, comenta Bianchi.

Publicamos aqui a terceira parte da análise do monge italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose. O artigo foi publicado na Revista do Clero Italiano, n°. 3, de março de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

A missa tridentina - Consagração e comunhão

Naqueles anos, estava presente um movimento litúrgico muito reconhecido pelo meu pároco. Principalmente depois que Pio XII, na encíclica Mediator Dei (1947), falara das crianças como ministrantes, coroinhas, estas haviam se tornado uma presença e um serviço ao qual se prestava muita atenção.

Todas as semanas, havia duas horas de ensino litúrgico e de provas para aprender a como servir a missa e as outras liturgias: o pároco era muito exigente, e devia-se aprender a postura, o modo de caminhar, de manter as mãos, de fazer a genuflexão, de se inclinar...

Esse ensinamento e o exercício cotidiano me davam uma consciência profunda e uma forte convicção do serviço ao altar, quase como se a missa fosse coisa do padre e minha: nós dois éramos os protagonistas, porque, como coroinha, eu era, de fato, um concelebrante. Ainda mais que o que podia ser cantado pelas pessoas era irrelevante para a validade da missa: só o padre era celebrante, e o que importava era que ele e o coroinha seguissem o rito segundo as rubricas e validamente (riteet valide). Os cantos ou as eventuais respostas do povo eram decorativos, mas não necessários.

O coroinha de então tinha que ser um rubricista especialista, um atento conhecedor das regras e das normas litúrgicas, um rapaz consciente e valoroso do seu serviço ao altar. A sua presença e as suas respostas ao padre eram essenciais para a celebração: era uma espécie de clérigo virtual.

Também não devemos esquecer que esse serviço estava consentido apenas aos homens, enquanto as mulheres absolutamente não podiam entrar no presbitério, muito menos colaborar com o desenvolvimento da celebração. O coroinha era, portanto, educado no espírito litúrgico e à execução ordenada, elegante, séria das funções litúrgicas das quais era investido.

Quando o padre subia ao altar, ele o beijava e, depois, invocava a piedade do Senhor: "Kyrie eleison", dizia ele, e eu respondia. Cruzavam-se assim, entre mim e ele, as invocações de piedade. Depois, havia a oração da coleta do dia, sempre em latim, seguida pela leitura da epístola. Todas as manhãs, sendo a missa "de morto", a leitura da epístola era a mesma, 1Ts 4, 13-18, que iniciava com as palavras: "Fratres, nolumus vosignorare de dormientibus…", assim como a leitura posterior retirada do evangelho segundo João (Jo 11, 21-27).

Eu estudei e aprendi muito cedo o latim, ainda aos oito anos, graças a quem me educou de modo tão refinado, especialmente depois da morte da minha mãe, e assim pude seguir todas as palavras sussurradas pelo padre. Eu também ouvia, porém, por trás das costas, o burburinho das pessoas que recitavam o rosário. De vez em quando, o padre se virava para as pessoas dizendo: "Dominus vobiscum", mas eu só eu que respondia: "Et cum spiritu tuo".

No entanto, em um certo ponto, quando, depois do prefácio às vezes cantado, eu proclamava o Sanctus e tocava três toques de sineta, eis que o burburinho da oração das pessoas cessava, e todos, ajoelhados, olhavam para o padre que, no altar, inclinado sobre a hóstia e sobre o cálice, pronunciava em voz baixíssima as palavras da consagração. Todos sabiam, em uma total obediência à "disciplina do arcano", que aquele era o momento culminante da missa, um momento que infundia temor: era o "santíssimo" da missa, em que absolutamente era preciso calar e prestar atenção. Era o fascinosum et tremendum, que se impunha também para o povo rude do interior!

Todos os olhares estavam fixos na coluna inclinada do padre, à espera de que aparecessem, por cima da sua cabeça, elevados ao alto pelas suas mãos, a hóstia e depois o cálice. Aqui também a sineta ritmava os movimentos do padre que se ajoelhava depois das elevações. Um toque contínuo da sineta que eu fazia girar com arte indicava o fim da consagração, do momento mais alto, do ápice da missa.

Ver a hóstia e o cálice, para muitos, era o elemento decisivo da missa, a máxima comunhão possível com o Senhor, porque quase ninguém, depois, acedia à comunhão do corpo do Senhor. A comunhão sacramental, de fato, era praticada por pouquíssimos. Era necessário comungar ao menos uma vez por ano – recitava o preceito da Igreja –, e ninguém, à parte das freiras e eu, sentiam a necessidade de comungar cotidianamente.

Também devemos dizer que a comunhão não era feita durante a missa: no momento da comunhão, só o padre comungava, depois a missa acabava. Depois de entrar novamente na sacristia e de ter deposto a casula, o padre, em alva e estola, voltava ao sacrário do altar, o abria, e nós comungávamos, ajoelhados no parapeito. Depois, fechava-se o tabernáculo sussurrando: "O sacrumconvivium…".

Essa era a missa dos dias de semana e cotidiana, que durava entre 20 e 25 minutos, no centro da qual havia "o silêncio canônico", o santíssimo momento da consagração e da elevação, um tempo em que o celebrante se imergia, mais ou menos de acordo com a sua devoção, em uma ação temorosa, adorante, mistérica. E com ele eu também, que, de perto, apenas três degraus mais abaixo, escutava e, assim, podia acompanhar as suas palavras sussurradas.

(Continua...)

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Da missa tridentina à reforma litúrgica do Vaticano II – Parte 3. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU