João revela e anuncia Aquele que vem

Pintura sobre o Batismo de Jesus, por João Batista. (Foto: David Zelenka | Wikimedia Commons)

13 Janeiro 2023

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre a primeira leitura e o evangelho desde 2º Domingo do Tempo Comum, 15 de janeiro de 2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Primeira Leitura – Isaías 49,3.5-6

Este trecho do Antigo Testamento, escolhido paralelamente ao do Evangelho segundo Mateus, é um “cântico”, o segundo “cântico do Servo do Senhor”, entre os quatro incrustados como pérolas do livro de Isaías (cf. Is 42,1-7; 49,1-7; 50,4-9; 52,13-53,12).

Trata-se de oráculos que parecem formar um livreto independente do restante da pregação do profeta. Neles, entrevê-se e descreve-se um Servo do Senhor (‘ebed ‘Adonaj) anônimo, cuja identidade não é revelada. Ele foi chamado pelo Senhor, como pessoa representativa do pequeno resto de Israel, e lhe é confiada uma missão junto ao povo de Deus, a de resgatar e reunir os exilados, mas também uma missão universal, que diz respeito a todos os povos, à humanidade inteira.

Esse servo será “luz das nações” (cf. também Is 42,6), levará a salvação até aos confins da terra e será reconhecido também pelos governantes da terra (cf. Is 49,7). Os discípulos de Jesus interpretaram essa profecia como um anúncio do Servo do Senhor Jesus de Nazaré.

Evangelho – João 1,29-34

Terminado o tempo litúrgico das manifestações do Filho de Deus que se fez homem e veio entre nós, antes de retomar a leitura cursiva do Evangelho segundo Mateus, o ordo litúrgico nos faz nos deter mais uma vez em uma epifania de Jesus, uma revelação a Israel por meio de João Batista (Ano A), uma revelação aos primeiros discípulos por meio do chamado (Ano B), uma revelação da aliança nupcial entre o Noivo Messias e a Igreja em Caná (Ano C).

O evangelho deste domingo nos apresenta a revelação que João Batista recebe de Deus e transmite fielmente às pessoas que vão ao seu encontro para escutá-lo. Jesus é um discípulo de João, segue-o (opíso mou: Jo 1,27), segundo o Evangelho segundo Lucas é um primo nascido pouco depois dele (cf. Lc 1,36).

João também é um dom que só Deus podia dar (cf. Lc 1,18-20), mas não conhece a identidade mais misteriosa e profunda de Jesus, como confessa: “Eu não o conhecia”, em paralelo com as palavras que havia dirigido às multidões: “No meio de vocês, existe alguém que vocês não conhecem” (Jo 1,26). Só uma revelação de Deus pode lhe fazer conhecer quem Jesus verdadeiramente é, para além de ser alguém que “vem depois de mim” (Jo 1,26), como o Batista o define.

Antes de ser um profeta, alguém que fala em nome de Deus, João é um ouvinte de sua palavra, treinado para discernir a ação de Deus, e por isso viu o Espírito Santo descer do céu e pousar sobre Jesus como uma pomba para permanecer sobre ele. Sim, porque a escuta torna possível a “visão”, a experiência do Espírito Santo que levanta o véu, revela e dá a conhecer por graça o incognoscível.

Do desconhecimento ao conhecimento: essa foi a dinâmica da fé de João, que sempre se fez perguntas sobre Jesus, até fazê-las ao próprio Jesus (cf. Mt 11,2-3; Lc 7,18-20), e sempre escutou, prestando obediência e dando testemunho da luz que veio ao mundo (cf. Jo 1,6-9).

Por duas vezes, ele confessa: “Eu não o conheço”, mas sabe reconhecê-lo. A Igreja também deveria sempre recordar e saber viver essa atitude de João, porque ainda hoje Jesus Cristo está presente na humanidade que não o conhece: assim como um rabdomante reconhece a presença da água, assim também a Igreja deve reconhecer a presença de Cristo na humanidade, nas culturas, na história. Trata-se sempre de escutar a voz do Senhor, de “ver” a humanidade no seu hoje, de discernir o Cristo sempre presente na humanidade moldada segundo a sua imagem de Filho de Deus (cf. Col 1,15-17).

Quando João “vê” Jesus vindo ao seu encontro, confessa em voz alta: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”. O “eis” inicial indica frequentemente uma revelação (cf. Is 7,14; 42,1 etc.). Acima de tudo, Jesus parece um cordeiro, título presente apenas na literatura joanina (quarto evangelho e Apocalipse), mas não um cordeiro guerreiro que assume a defesa do rebanho, triunfando sobre os inimigos, segundo o imaginário difundido na apocalíptica judaica daquele tempo, mas um manso cordeiro que carrega e tira o pecado do mundo.

As duas palavras “cordeiro” e “pecado” não estão muito presentes na nossa língua, embora as cantemos em todas as liturgias eucarísticas. São palavras cheias de significado, que devem ser conhecidas. O cordeiro é sinal da mansidão, da não agressividade, do fato de ser vítima em vez de carnífice. Ele também recordava aos judeus o cordeiro pascal, sinal da libertação, e o cordeiro imolado todos os dias no templo, para obter a absolvição e o perdão dos pecados do povo. Também podia lembrar o Servo do Senhor descrito por Isaías e Jeremias como um animal inocente, perseguido e morto (cf. Is 53,7; Jr 11,19). Na literatura joanina, “cordeiro de Deus” é um título relativo a Jesus, que, na inocência de quem não pecou, na mansidão de quem nunca cometeu violência, assume sobre si e, assim, tira de nós o peso das nossas más ações, a injustiça de que todos somos responsáveis. Essa é a libertação radical que nos trouxe Jesus, o Cordeiro da Páscoa única e definitiva, o Cordeiro que nos reconcilia com Deus para sempre.

João, portanto, dá testemunho dele porque essa é sua missão. Por isso, ele proclama a própria experiência: “Eu vi o Espírito descer, como uma pomba do céu, e permanecer sobre ele”. Essa experiência corresponde a uma palavra recebida antecipadamente de Deus: “Aquele sobre quem vires o Espírito descer e permanecer, este é quem batiza com o Espírito Santo”. Ele só havia imergido na água para preparar a vinda do Senhor: o Senhor também imergirá, mas no fogo do Espírito Santo (cf. Mc 1,8 e par.). E o testemunho ressoa com força: “Sim, eu vi e dou testemunho: Este é o Filho de Deus!”. Esse é o verdadeiro conhecimento de Jesus por parte de João, conhecimento não adquirido de uma vez por todas, mas a ser sempre renovado, como recordam os outros Evangelhos (cf. Mt 11,2-6; Lc 7,18-23).

E isso também vale para nós: nunca devemos pensar em ter um conhecimento, uma imagem de Jesus definitivamente adquirida por nós, mas devemos sempre renová-la com assiduidade ao Evangelho. Caso contrário, se prevalecerem as nossas projeções sobre ele, Jesus também pode ser um ídolo para nós. Não basta afirmar: “O que temos de mais caro no cristianismo é Jesus”. É preciso que seja o Jesus que é Evangelho e o Evangelho que é Jesus!

O risco é confessar um Jesus nosso ídolo, fabricado por nós. Somente a confissão de que não conhecemos Jesus plenamente nos leva a conhecê-lo, invocando sua revelação por parte de Deus.

 

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