16º domingo do tempo comum – Ano C – Subsídios Exegéticos

15 Julho 2022

 

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF:

 

Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló

 

Leituras do dia

Primeira Leitura: Gn 18,1-10a
Segunda Leitura: Cl 1,24-28
Salmo: 14 ,2-3a.3cd-4ab.5
Evangelho: Lc 10,38-42

 

O contexto deste Evangelho

 

O texto deste Domingo é exclusivo do Evangelho de Lucas. Ele aborda a tradição sobre Marta e Maria. João – posterior a Lucas – também trata o tema e acrescenta a referência a Lázaro (irmão de Marta e Maria, cf. Jo 1,1.19). Jesus entra em “um povoado/aldeia” (kómen) onde morava uma mulher chamada Marta que “lhe tinha sido apresentada” ou que “tinha uma casa” (conforme alguns manuscritos). Tudo indica que se trate de uma “igreja doméstica” onde as mulheres tinham um papel importante de liderança. Lucas resgata a Igreja da casa de Lídia (At 16,15), de Maria, mãe de João (At 12,12) e possivelmente de “Tabita/Dorcas” (At 9,36).

 

O texto e sua discussão

 

Sempre devemos considerar na obra de Lucas a preocupação didática na descrição de um conflito “intracomunitário”. O fato de ser uma discussão envolvendo duas mulheres tem a ver com o papel que era e ainda é atribuído à mulher na Igreja. A mulher é facilmente vista como serva, administradora, coordenadora, mas dificilmente é valorizada como teóloga.

 

v.38 – “Certa mulher de nome Marta o hospedou na sua casa.” Há versões que mencionam “na sua casa” e outras não. Embora hoje todas as versões incluam isso, mostra que houve, em algum momento, a dificuldade de atribuir, no contexto judaico, a chefia de uma casa (família/igreja doméstica) a uma mulher.

 

v. 39 – “uma irmã chamada Maria, assentada aos pés do Senhor, ouvia suas palavras”. Enquanto Marta tem um “nome” (onómati), Maria é apenas “chamada” assim (kaloumén). Isto indica que seria uma “irmã menor”, com menos “hierarquia na casa”. A palavra “assentada” (paraketesteisa) só aparece neste texto em toda Bíblia. Em grego, a palavra para significa “sentar-se abaixo” ou como geralmente é traduzido, “sentar-se aos pés”. Maria está ouvindo suas palavras (logon autou). Uma atitude de aprendizado, de extrema atenção e reconhecimento.

 

v.40 – “Marta”, seguindo o sentido literal grego, ficava “andava em volta”, fazendo muito “serviço” (diakonian). “Diaconia” é o serviço para o bem comum. Será que se refere a uma situação injusta em que uma “serve” à comunidade e outra apenas “disfruta” do aprendizado de Jesus? Ou se discute a primazia do serviço (diaconia) sobre o sentido da missão e pastoral (teologia)? Ou se discute, diante do Senhor, o papel das mulheres na “igreja”, onde além de servir e coordenar, podem teologar?

 

v.41 – “Marta, Marta, estas preocupada/ansiosa (merimnas) e atrapalhada/confusa (torubaxe) na volta de tudo.” Aqui se remete a Lc 12.22-26 “não se preocupem por si mesmo, ou pela comida (...) se nada podem fazer em relação a estas coisas, por que se preocupam pelas outras?” (cf. Mt 6,25-34.19-21). Assim devemos entender a “crítica” a Marta como uma crítica ao “senso-comum” que diz que as necessidades primárias são mais importantes que o sentido da vida como um todo.

 

v.42 – “Maria escolheu a melhor parte e não lhe será retirada.” Assim se conclui que o papel da mulher “na igreja doméstica” é preferencialmente teológico! A mulher que escolheu ser teóloga, escolheu a melhor parte e ninguém poderia negar isso a ela.

 

O texto reafirma ambas atribuições das mulheres na igreja doméstica: chefiar a casa/igreja no sentido diaconal, e refletir teologicamente a partir do Evangelho de Jesus. No entanto, a segunda que podia ser “retirada” pelo poder patriarcal é preservada e reafirmada.

 

Relacionando com as outras leituras

 

O “senso-comum”, combatido no texto de Lucas, está presente na narrativa de Sara e Abraão. Sara “serve”, prepara a comida; Abraão fala com Deus. No entanto, como poderia isso acontecer sem Sara? De fato, as três pessoas divinas perguntam: “Onde está Sara, a tua mulher?” (Gn 18,9a). Da mesma forma devemos interpretar a “Igreja Corpo de Cristo” e toda pessoa a quem é confiado o ministério dela, como sendo igualmente mulher e homem, em igual dignidade e importância.

 

 

 

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