Jesus vem ao encontro dos seus

22 Abril 2022

 

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 2º Domingo da Páscoa, 24 de abril de 2022 (João 20,19-31). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Todo o capítulo 20 do quarto Evangelho narra a fidelidade de Jesus, que é Aquele que vem ao encontro dos seus mesmo quando eles não o merecem e não estão à sua espera. Ele não se cansa de vir ao encontro dos seus, fazendo renascer a Igreja e o testemunho da sua ressurreição. Esta página é um canto à misericórdia do Senhor que vem à sua comunidade com o perdão, com a remissão dos pecados, com a paciência de um Deus que nos ama sempre, mesmo quando não o merecemos e hesitamos em crer nele.

O capítulo final do Evangelho segundo João, Jo 20 (Jo 21 é um acréscimo posterior), deveria ser lido por inteiro, para compreender em profundidade o primeiro dia da semana, o terceiro dia após a morte de Jesus, ocorrida na sexta-feira (sexto dia), 4 de abril do ano 30 da nossa era. A menção de que aquele era “o primeiro dia” dá o ritmo a todo o relato: ela se encontra no início do relato da aparição a Madalena (Jo 20,1), no início do relato da aparição aos discípulos (Jo 20,19) e, depois, está subentendida na expressão “oito dias depois” (Jo 20,26).

O primeiro dia da semana é o dia da ressurreição do Senhor, mas é também o dia em que o Ressuscitado se faz presente entre os seus: é o dia do Senhor (kyriaké heméra), o dia da intervenção decisiva de Deus que, ressuscitando Jesus, venceu a morte. A partir do Novo Testamento, sabemos também que precisamente “o primeiro dia da semana” (At 20,7; 1Cor 16,2) é o escolhido pelos cristãos para estar “no mesmo lugar” (epì tò autó: At 1,15; 2,1.14.47; 1Cor 11,20; 14,23), para ser assembleia de irmãos e irmãs juntos, que experimentam a vinda do Ressuscitado no meio deles.

Tendo caído a noite daquele primeiro dia, o desconforto e o desencorajamento reinam nos corações dos discípulos que não creram nem em Maria Madalena, que lhes anunciou a ressurreição de Jesus e o encontro com ele (cf. Jo 20,18), nem no discípulo amado que, só de ver o sepulcro vazio, tinha chegado à fé (cf. Jo 20,8). Mas Jesus lhes havia prometido: “Depois da minha morte, ‘mais um pouco e vocês me verão’” (Jo 16,16; cf. 14,18)”, e, fiel à palavra dada, “entrou e pôs-se no meio deles”. Jesus é visto pelos discípulos no meio deles, no centro da sua assembleia, como aquele que cria e dá unidade, que “atrai todos para si” (cf. Jo 12,32). A comunidade cristã tem assim o seu ícone autêntico: tem o seu centro apenas em Jesus ressuscitado, de modo que todos olhem para ele (cf. Jo 19,37; Zc 12,10).

Nessa posição de Kýrios, de Senhor, o Ressuscitado então diz: “Shalom ‘aleikhem! Paz a vocês!”, a saudação messiânica, palavra eficaz que traz paz, vida plena e expulsa o medo. E, para que as palavras sejam autenticadas pela sua pessoa de Mestre, Profeta e Messias, conhecido pelos discípulos nas suas vidas junto com ele, Jesus mostra as mãos e o lado que ainda carregam os sinais da sua paixão e morte (cf. Jo 19,34).

Visão paradoxal: Jesus está presente com um corpo que não é um cadáver reanimado, mas que também entra com as portas fechadas, não obedecendo às leis do tempo e do espaço; um “corpo de glória” (Fp 3,21), um “corpo espiritual” (1Cor 15,44.46), no qual, porém, permanecem os sinais da paixão, do fato de ter sofrido a morte por amor. São sinais de paixão e, ao mesmo tempo, de glória, de vitória sobre a morte, sinais do amor vivido “até o fim, ao extremo” (eis télos: Jo 13,1). Para aqueles que temem ser perseguidos, Jesus se mostra como o perseguido que permaneceu fiel e que, vencedor a morte por causa do seu amor fiel e pleno, pode vir ao meio deles trazendo paz, solidez e força.

“Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor.” Aconteceu aquilo que Jesus tinha profetizado: “Agora, vocês também estão angustiados. Mas, quando vocês tornarem a me ver, vocês ficarão alegres, e essa alegria ninguém tirará de vocês” (Jo 16,22). Nesta nova situação da comunidade, o Ressuscitado, que prometera não a deixar órfã (cf. Jo 14,18) e de lhe dar outro Consolador (cf. Jo 14,16), dá o dom dos dons, o dom para sempre. Ele repete a saudação “Paz a vocês!” e anuncia: “Como o Pai me enviou, também eu os envio”. Os discípulos acolheram o Enviado de Deus, seguiram-no e creram nele; agora, também eles são enviados a todo o mundo, para ser como ele, Jesus, foi em toda a sua vida: testemunhas da verdade, da fidelidade de Deus, isto é, do seu amor pela humanidade. Com a sua vida devem mostrar que “Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único” (Jo 3,16). É apenas uma questão de viver o amor de Jesus Cristo pela humanidade: quem é enviado deve se tornar rosto, boca, mãos, ouvidos de quem o enviou, e assim os discípulos devem ser corpo de Cristo entre os outros, no mundo.

Para serem habilitados para essa missão, eles devem ser recriados, regenerados: era preciso uma imersão no Espírito Santo, era preciso o Espírito como novo sopro no coração de carne (cf. Ez 36,26), era preciso uma nova criação (cf. Is 43,18-19). Então, Jesus, o Ressuscitado que respira o Espírito Santo, efunde-o sobre a sua comunidade. Se esse Sopro santo é sopro vital para Jesus, uma vez soprado sobre os discípulos, torna-se o sopro vital deles: um só Sopro, um só Espírito nele e neles!

Nós, cristãos, vasos de barro frágeis e pecadores (cf. 2Cor 4,7), por dom de Jesus ressuscitado, respiramos o Espírito Santo que nos dá a vida, perdoa os pecados, habilita-nos para a vida eterna no Reino de Cristo. Somos, portanto, o corpo de Cristo, o “templo do Espírito Santo” (1Cor 6,19).

Esse é o Pentecostes para o quarto Evangelho, a Igreja dom do Espírito Santo soprado pelo Ressuscitado. O mesmo Espírito que ressuscitou Jesus da morte (cf. Rm 1,4; 8,11) é doador de vida aos discípulos e, como “companheiro inseparável de Cristo” (Basílio de Cesareia), torna-se companheiro, amigo inseparável para todo cristão. É ele, presente em cada discípulo e discípula, que recorda as palavras de Jesus (cf. Jo 14,26), que o torna presente e testemunha que ele é o Senhor (cf. 1Cor 12,3).

O Espírito Santo, Espírito de Deus e Sopro de Cristo, nos é dado na nossa condição de corpo humano, de carne. Não se deve esquecer que, no quarto Evangelho, a carne (sárx) é o lugar da humanização de Deus: “A Palavra se fez carne” (Jo 1,14). Para João, a carne não é apenas lugar de tentação e de pecado, mas também é um lugar não desprezível nem indigno, porque foi escolhido por Deus para estar conosco e no meio de nós. A carne é um lugar de conhecimento a serviço da Palavra de Deus que a habita: eis a morada do Espírito Santo.

Por isso, assim como Jesus foi concebido como carne pelo Espírito Santo e por uma mulher, assim também a Igreja é gerada pelo Espírito Santo e pela humanidade, e faz do sopro do Espírito a sua respiração.

Mas isso tem um impacto decisivo sobre a vida dos cristãos: significa remissão dos pecados, porque a experiência da salvação que podemos fazer aqui e agora na história, antes da transfiguração de todas as coisas na gloriosa vinda de Cristo, é a experiência da remissão dos pecados. Cantamos isso todas as manhãs no Benedictus: “... anunciando ao seu povo a salvação, que está na remissão de seus pecados” (Lc 1,77). Receber o Espírito Santo é receber a remissão dos pecados, isto é, viver aquela ação do Senhor que não só perdoa, mas também apaga, esquece os nossos pecados, fazendo de nós criaturas novas (cf. Jr 31,34; Ez 18,22; 33,16).

Essa é a epifania da misericórdia de Deus, aquele amor de Deus profundo, visceral e infinito que, quando nos alcança, nos liberta das culpas e nos recria em uma novidade que nós não podemos nos dar! A comunidade dos discípulos é a comunidade do perdão recíproco, e não apenas como comunidade que tem a capacidade de apagar o pecado. Essa capacidade é dada a todos os discípulos por Jesus, e eles a mantêm e a exercem enquanto estiverem em comunhão com ele por meio do Espírito Santo. A capacidade de perdoar os pecados, isto é, de libertar da culpa e de fazer misericórdia, é dada por Jesus a todos os discípulos: não só aos Onze, porque, no cenáculo, no dia de Pentecostes, estão também as mulheres, está Maria junto com outros discípulos e discípulas (cf. At 1,13-15; 2,1).

Jesus, “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29), batizando os discípulos no Espírito Santo (cf. Jo 1,33), capacita-os para a sua missão: perdoar, fazer misericórdia, reconciliar com Deus e com os irmãos e as irmãs. Pela cruz e pela ressurreição, a humanidade foi reconciliada com Deus, mas tal evento deve ser anunciado a todos, e os discípulos são enviados para isso: aonde chegarem, devem manifestar e fazer reinar a misericórdia de Deus, devem viver o mandamento último e definitivo do amor recíproco (cf. Jo 13,34; 15,12), devem perdoar os pecados uns aos outros, habilitados, portanto, a pedir o perdão dos pecados a Deus. Onde há um cristão autêntico, há um ministro da misericórdia que faz o mal e o pecado recuarem, e que faz a misericórdia reinar.

E que fique claro: as palavras de Jesus que acompanham o gesto de soprar o Espírito – “A quem perdoardes os pecados eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos” – são expressadas por meio de um estilo tipicamente semítico, que se serve de duas expressões contrastantes para afirmar com mais força uma realidade. Não significam, portanto, um poder que os discípulos poderiam utilizar de acordo com o seu arbítrio e o seu juízo; pelo contrário, expressam com força que a sua tarefa é a remissão dos pecados, o perdão, a misericórdia, como foi para Jesus, que em toda a sua vida nunca condenou, mas sempre disse que veio não para julgar e condenar (cf. Jo 8,15; 12,47), mas para que todos “tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

“Como o Pai me enviou, também eu os envio”, em que esse “como” também remete a um estilo, a ponto de podermos parafrasear: “Como eu perdoei os pecados, também vocês devem perdoá-los; é com essa tarefa que eu os envio”. É o que Jesus afirmou de modo sumário, segundo Lucas, no início do seu ministério público na sinagoga de Nazaré:

O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me consagrou com a unção,
para anunciar a Boa Notícia aos pobres;
enviou-me para proclamar a libertação aos presos
e aos cegos a recuperação da vista;
para libertar os oprimidos,
e para proclamar um ano de graça do Senhor (Lc 4,18-19; cf. Is 61,1-2).

Feita essa experiência, os discípulos anunciam a Tomé, não presente na primeira manifestação do Ressuscitado: “Vimos o Senhor!”. É o anúncio pascal que deveria ser suficiente para acolher a fé no Ressuscitado. Mas Tomé não crê, essas palavras lhe parecem desvarios inconfiáveis, então ele responde com força: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei”.

Mas, “oito dias depois”, portanto no primeiro dia da segunda semana depois do túmulo vazio, eis Tomé e os outros discípulos novamente juntos, naquela casa em Jerusalém. É o primeiro, mas também o oitavo dia, dia da plenitude, do cumprimento. Os discípulos, que já vivem há uma semana nesse novo tempo iniciado pela ressurreição, continuam habitando no medo dos assassinos de Jesus. Deveriam levar com franqueza o anúncio pascal para toda a Jerusalém, mas, em vez disso, apesar do envio à missão, apesar do dom do Espírito Santo, permanecem fechados, dominados pelo medo.

Mas Jesus se faz novamente presente: “Estando fechadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: ‘A paz esteja convosco’”. Eis a fidelidade de Jesus que vem, que é Aquele que vem entre os seus, mesmo quando eles não merecem e não estão à sua espera. Ele vem ao meio dos seus, não se cansa de vir, fazendo sempre renascer a Igreja e o testemunho da sua ressurreição. Acima de tudo, ele entrega a paz, “a sua paz, não a do mundo” (cf. Jo 14,27), depois se dirige a Tomé, “chamado Dídimo”, o “gêmeo” de cada um de nós.

Sim, Tomé é o irmão gêmeo em quem devemos nos espelhar nos nossos entusiasmos, em que chegamos a dizer: “Vamos nós também para morrermos com ele” (Jo 11,16), assim como nos nossos momentos obscuros, em que não conseguimos crer, aderir, colocar a confiança no Senhor. Tomé é o irmão gêmeo no qual há, assim como em nós, a lógica de querer ver para crer, de constatar, de ter provas.

Tomé é como nós: quando se perfila o evento da ressurreição, vemos morte (cf. Jo 11,15-16); quando Jesus anuncia que ele nos precede, não sabemos qual é o caminho (cf. Jo 14,2-6); quando devemos confiar no testemunho dos nossos irmãos e irmãs, queremos ser aqueles que veem e decidem...

Mas Jesus vem também para Tomé, ovelha perdida procurada pelo pastor, e ele também se mostra com os sinais do seu amor: os estigmas da sua paixão impressos para sempre na sua carne gloriosa. A carne de Jesus, corpo de homem, passou pela paixão e morte, e o que ele viveu permanece também na sua carne de corpo glorioso. A ressurreição apaga todos os sinais da morte e do pecado, mas não os sinais do amor vivido, porque o amor vence a morte, e ter amado tem uma força que transcende a morte. Todo o cuidado pelos doentes que as mãos de Jesus praticaram, todas as carícias que ele fez, todo o seu amor vivido no coração, todas as forças liberadas pelo seu peito estão visíveis também no seu corpo ressuscitado. Jesus, portanto, convida Tomé a se aproximar e a pôr o seu dedo naqueles estigmas.

E aqui, atenção, não está escrito que Tomé colocou o dedo nos furos das mãos e na ferida do lado, mas sim que disse: “Meu Senhor e meu Deus!”. Reconhecendo o amor vivido por Jesus, do qual os estigmas são o sinal perene, Tomé crê e confessa: “Ho Kýriós mou ho Theós mou!”. Jesus ressuscitado é o Kýrios; mais, é Deus. O Senhor de Tomé é o Deus de Tomé. Não há confissão de fé mais alta em todos os Evangelhos. Essa é a proclamação mais plena e sincera: Jesus é o Senhor, Jesus é Deus. É por isso que quem vê Jesus vê o Pai (cf. Jo 14,9); é por isso que Jesus é a exegese de Deus que ninguém jamais viu nem pode ver (cf. Jo 1,18); é por isso que Jesus é “o Vivente” (Lc 24,5) para sempre.

Tomé certamente não é um modelo, embora possamos nos reconhecer nele. Por isso, Jesus lhe diz: “Bem-aventurados os que creram sem terem visto”. Não vendo, não constatando, mas sim contemplando o Crucificado, portanto conhecendo o seu amor vivido, é que se começa a crer. Milagres, visões, aparições não nos permitem acessar a verdadeira fé. Somente a palavra de Deus contida nas Sagradas Escrituras, somente o amor de Jesus do qual o Evangelho é anúncio e narração (“sinal escrito”, para usar a expressão do fechamento do Evangelho), somente estar no espaço da comunidade dos discípulos do Senhor é que podem nos levar à fé, podem nos fazer invocar Jesus como “meu Senhor e meu Deus”.

Todo esse capítulo 20 do quarto Evangelho é um canto à misericórdia do Senhor que vem à sua comunidade com o perdão, com a remissão dos pecados, com a paciência de um Deus que nos ama sempre, mesmo quando nós não o merecemos e hesitamos em crer nele.