26 Janeiro 2018
O filme, candidato ao Oscar, rejeita simplificações na abordagem de uma relação homoafetiva.
O comentário é de Luis Rodolfo Cabral Sales, publicado por CartaCapital, 25-01-2018.
Simplificar o incompreensível é arriscar a tautologia em paradoxo. É assim que pode ser entendida boa parte dos comentários sobre “Call me by your name”, que possivelmente terão gerado forte resistência para assistir a um filme que, na expectativa de muitos, seria mais um em um vasto catálogo de produções com a temática do relacionamento homoafetivo.
Aqueles que acompanham produções do gênero imediatamente se lembraram de “As Horas”, cuja repercussão costumava se limitar à abordagem da relação homoafetiva feminina no cinema, muito possivelmente por causa de um par de cenas de beijo entre diferentes personagens mulheres.
Dirigido pelo italiano Luca Guadagnino e escrito pelo norte-americano James Ivory, baseado na obra homônima de André Aciman, “Call me by your name” se tornou um dos favoritos na corrida do Oscar deste ano por rejeitar simplificações, sob o risco de menosprezar uma bela história entre dois indivíduos.
Elio, um adolescente, e Oliver, um pesquisador adulto candidato ao título de doutor, mantém uma relação homoafetiva, mas esta é apenas a superfície da narrativa que, talvez por ser densa, faça despistar pequenas nuances da complexidade do envolvimento entre as personagens.
O contraditório é o fundamento das relações que se estabelecem no filme. A própria ambientação do filme é bastante representativa: na casa de Elio impera o conhecimento, o pai é pesquisador e a mãe demonstra apreço por literatura. Os três (pai, mãe e filho) detêm profundo envolvimento com o saber científico e com a arte. A rotina intensa da casa, que recebe convidados quase todos os dias, contrasta com a constância da pacata cidade do interior da Itália, na qual árvores frutíferas compõem boa parte da paisagem.
Natureza e cultura, contraditórios em plena harmonia. Quando Elio convida Oliver para a primeira das várias voltas de bicicleta pela cidade surge a nota de um sentimento em gradação. Ameaça. As meninas da cidade se sentem atraídas por Oliver, moço norte-americano alto, de atraente porte. “Os traços parecem pedir para serem contemplados”, avalia o pesquisador sobre as esculturas que estuda.
Assista ao trailer de "Me chame pelo seu nome".
Oliver é uma escultura e Elio tem sede por contemplação. O outro lhe ameaça, como se lhe questionasse o melhor, como se a vida se resumisse na vontade de ser aceito por ele. E o que é preciso para ser aceito quando não se sabe exatamente o que se é e o que se sente? Sentir é processual. No tom das cores das camisas de Elio, a simbologia do processo: o tom pastel das vestimentas, aos poucos, cede à vivacidade para, no azul e vermelho, explodir em um beijo. Depois, em sexo.
Talvez, por estas cenas, limite-se a considerar o enredo como apenas uma história gay. Simplificar sexo é também banalizá-lo. “Me chame pelo seu nome”: Eu e o outro mutuamente validando a alteridade. O outro, a quem o eu clama por apreciação, deixa de ser o extremo de uma relação de desejo. Metaforicamente, quando Oliver pede para ser chamado de Elio, e vice-versa, o eu e o outro tornam-se um em um único sujeito.
O que carece em Oliver completa-se com Elio. O incerto em Elio funde-se à segurança de Oliver. Pelo avesso, ambos se (re) constroem na descoberta de si. Se ambos transitam com facilidade entre o violão e o piano, entre língua germânica e latina, entre a arte e a cultura, transitam também pelo sentir, que não pode ser determinado por um rótulo. Ser denominado bissexual/ homossexual é simplificar demais quem não teme amar.
No caso de “Call me by your name”, a régua do simplificar é afiada demais, corta sutilezas e mutila o belo.