26 Mai 2017
Ambiente, imigrantes: entre os Estados Unidos de Trump e a Igreja do Papa Francisco, a distância é intransponível. O cerimonial não pode esconder o “gelo”, que transparece até mesmo nas fotos. Foi um encontro de mão única: Trump pega mas não dá, embolsa o prestígio de um colóquio com o pontífice, mas não se move um milímetro.
A reportagem é de Federico Rampini, publicada por La Repubblica, 25-05-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Obrigado, obrigado, não vou esquecer o que o senhor disse.” O presidente estadunidense é respeitoso até a subserviência, radiante pelo encontro com o papa, que considera como um sucesso pessoal, uma foto-recordação a ser exibida aos católicos estadunidenses.
Ele exibe um sorriso triunfal na “photo-opportunity”, o retrato de grupo, em vez disso, capta um Papa Francisco insolitamente distante, imerso nos seus pensamentos, quase sombrio. É o verdadeiro retrato desse encontro. Essa foto diz muito sobre o degelo que não houve.
Pouco antes, a humanidade de Bergoglio foi bem visível com a primeira-dama católica, Melania, que fala italiano, que conquistou um pequeno momento como protagonista para as trocas afetuosas e descontraídas com o pontífice.
O clima do dia foi salvo pelas mulheres, também graças às visitas de Melania ao Hospital Bambin Gesù e de Ivanka à Comunidade de Santo Egídio. A linguagem corporal dos dois verdadeiros protagonistas dizia outra coisa bem diferente.
A bagagem das diferenças, dos valores incompatíveis, entre o presidente e o pontífice era pesada demais. Confrontos duros, como nunca houvera antes entre um papa e um líder estadunidense. No dia 18 de fevereiro de 2016, quando Trump era apenas um candidato, e Bergoglio fez uma viagem ao México, o pontífice criticou aqueles que erguem muros. Trump tinha lhe dedicado a primeira réplica, duríssima: “O papa é um homem político e, talvez, um peão do governo mexicano”. O papa não se rendeu: “Uma pessoa que só pensa em fazer muros não é cristã. Isso não está no Evangelho”.
A ira do magnata explodiu em um comício na Carolina do Sul: “Se e quando o Isis atacasse o Vaticano, que, como todos sabem, é o máximo troféu que os terroristas gostariam de ter, eu lhes garanto que o papa começaria a rezar para que Donald Trump fosse presidente. O governo mexicano me difamou com o papa, porque quer continuar zombando dos Estados Unidos nas fronteiras. O papa não viu o crime, o tráfico de drogas”. Último golpe: “E eu sou um bom cristão, orgulhoso de sê-lo”. Uma amargura que, nessa quarta-feira, foi dissolvida, mas não se transformou em compreensão. Trump regozijava-se pela honra de ser recebido na Santa Sé, mas não quis pagar nenhum preço.
O balanço é aquele que foi traçado no Air Force One, no voo rumo a Bruxelas, pelo secretário de Estado, Rex Tillerson. O respeito dos acordos de Paris sobre a luta contra as mudanças climáticas foi um dos temas centrais na conversa com o papa. A linha da Casa Branca é de um adiamento de qualquer decisão, aparentemente, mas camuflada por uma linguagem que é a do lobby do petróleo (do qual Tillerson foi expoente como presidente-executivo da Exxon Mobil). “É difícil equilibrar a resposta às mudanças climáticas com a exigência de uma economia dinâmica e próspera, que crie postos de trabalho.” Uma inversão da Doutrina Obama: que via nas energias renováveis oportunidades de investimento e de emprego.
Trump mantém virtualmente uma porta aberta, não tomou decisões sobre Paris, ouvirá os europeus e decidirá assim que voltar para casa. Mas a questão não é o respeito formal do acordo de Paris: esse texto não é vinculante, não prevê sanções para quem não alcançar os objetivos. Trump poderia também – talvez – decidir não rasgar oficialmente esse pacto, mas seria um gesto de fachada. Desde que está na Casa Branca, ele enfraqueceu a autoridade federal para o ambiente, cancelou fundos de pesquisa, liberou as perfurações, autorizou novos oleodutos, afrouxou os limites de poluição dos caminhões e das centres elétricas.
Quando o papa lhe presenteou três livros dentre os quais destaca-se a sua encíclica Laudato si’, “para cuidar da casa comum que é o ambiente”, Trump lhe respondeu: “Vamos lê-los”. Mais do que um plural maiestatis, esse é o reflexo de um homem que, por sua própria admissão, nunca lê livros, repassa-os como um peso inútil aos seus colaboradores.
Sobre a imigração, é até um não diálogo. Exceto no único aspecto que interessa a Trump: o terrorismo. É justamente o tema que Trump quis colocar no centro da cúpula da Otan nessa quinta-feira, em Bruxelas. “Ajudado” pelo massacre de Manchester, o presidente estadunidense falaria sobre o papel da Otan na coalizão anti-Isis no Iraque e na Síria; e da cooperação entre os serviços de inteligência dos países aliados para prevenir e frear ataques jihadistas em casa. O efeito-Manchester garante que a questão seria central nessa quinta-feira em Bruxelas.
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"Gelo" entre Francisco e Donald: a Casa Branca não muda de linha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU