A academia e a fábrica de carburadores

Mais Lidos

  • “A destruição das florestas não se deve apenas ao que comemos, mas também ao que vestimos”. Entrevista com Rubens Carvalho

    LER MAIS
  • Povos Indígenas em debate no IHU. Do extermínio à resistência!

    LER MAIS
  • “Quanto sangue palestino deve fluir para lavar a sua culpa pelo Holocausto?”, questiona Varoufakis

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

19 Dezembro 2016

“Esta é uma peça de ficção e qualquer semelhança com fatos relacionados à produção de artigos científicos é mera coincidência”, alerta Thomaz Wood Jr., ao apresentar o artigo publicado por CartaCapital, 19-12-2016.

Eis o artigo.

Era uma vez um reino distante. Seus habitantes viviam da exploração das coisas da terra e da dilapidação dos recursos do Estado. Vez por outra, lançavam-se em aventuras modernizantes, emulando, entusiasmados, os esforços civilizatórios de reinos de além-mar.

Caracterizava as altas castas locais o deslumbramento com o estrangeiro. Conceitos débeis e práticas esdrúxulas aportavam com frequência no reino distante: das modas de vestir às modas de ouvir, dos modos de pregar aos modos de orar, das coisas do comércio às coisas do prazer.

Assim chegou ao reino distante a ideia de construir uma fábrica de carburadores, tida como prova cabal de avanço e sofisticação. Tratadas como de interesse nacional pela corte e seus séquitos, as obras avançaram celeremente. Recursos foram alocados, gestores contratados e operários treinados.

Inaugurada com pompa e circunstância, a incrível fábrica iniciou a produção, gerou empregos e muito mais. A corte local logo percebeu que não bastava fabricar carburadores. Um reino moderno, verdadeira sociedade do conhecimento, deveria ir além dos modos e costumes do mundo da manufatura. Foram criados centros de pesquisa, colóquios e revistas científicas. A missão era inovar e ser referência mundial em carburadores.

Todos os anos, os grandes estudiosos dos carburadores reuniam-se por uma semana nos melhores hotéis de praia ou montanha. Ali discutiam seus mais recentes avanços, cumprimentavam-se por descobertas e agraciavam-se com prêmios e honrarias.

As revistas científicas cresceram e se multiplicaram, especializando-se em materiais, tecnologia e processos produtivos.

Números especiais de grande repercussão foram dedicados à influência da cultura organizacional sobre a eficiência do filtro de ar e ao impacto da intersubjetividade de gênero sobre o circuito de água no coletor. Um texto tratando da apreciação crítica da política de horas extras à luz de Habermas e Foucault foi alvo de polêmicas e originou dois simpósios específicos.

Os primeiros anos foram de regozijo e autocongratulações. Afinal, o reino agora se igualava às grandes potências mundiais. A tranquilidade e a felicidade aos poucos deram lugar, entretanto, a turbulências e preocupações. Um grupo de oposição logo se articulou, o MSC, Movimento dos Sem Carburadores. Seus aguerridos membros pintaram faixas, criaram slogans, fizeram piquetes e ameaçaram invadir a incrível fábrica. Seu líder, carismático e combativo, argumentava que a maior parte da população do reino não podia sequer sonhar em comprar um carburador.

Mais vozes críticas surgiram, ocuparam mídias sociais e blogs a denunciar a má qualidade dos carburadores e a baixa produtividade da incrível fábrica. Acuada, a alta gestão da fábrica mobilizou-se, consultou renomados gurus internacionais e implantou um choque de gestão: estabeleceu metas, criou indicadores e implantou modernos métodos de avaliação de desempenho. Para incentivar os funcionários, foram estabelecidos prêmios de produtividade.

A reação inicial foi adversa. Gestores advertiram que boicotariam o novo sistema. Operários ameaçaram entrar em greve e parar a produção. Em pouco tempo, porém, venceu o secular conformismo, tão característico daquele reino distante. E todos se adaptaram às novas práticas. A produtividade aumentou e a incrível fábrica passou a bater recordes de produção.

Nunca naquele país foram produzidos tantos carburadores.

No entanto, um detalhe passou despercebido, não havia por ali veículos que usassem carburadores. Por isso, toda a produção da incrível fábrica passou a ser transportada para imensos armazéns erguidos com urgência para guardar os estoques.

Como não havia receita de vendas e funcionários e fornecedores precisavam ser pagos, a alta gestão da incrível fábrica começou a tomar empréstimos com os agiotas do reino distante, tipo que lá havia em profusão. Nesse momento, um vice-rei, movido pelos mais altos interesses, decidiu intervir.

Plenamente amparado pelos poderes constituídos, criou um imposto especial para garantir a perenidade da incrível fábrica, que continuou a operar e produzir carburadores.

E assim, cientistas e operários, agiotas e gerentes viveram todos felizes para sempre.

Leia Mais 

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

A academia e a fábrica de carburadores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU