Bento XVI conta a sua vocação, os anos no seminário e os estudos sobre Henri de Lubac

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24 Junho 2016

No dia 29 de junho de 1951, na festa dos Santos Pedro e Paulo, Joseph Ratzinger foi ordenado sacerdote na catedral de Freising, Alemanha, junto com o irmão Georg, pelo cardeal arcebispo Michael von Faulhaber. Ele ensinou no Seminário de Freising (1952-1954) e formou-se em teologia na Universidade de Munique.

Algumas memórias autobiográficas foram publicadas por Joseph Ratzinger no seu livro La mia vita (Ed. San Paolo, 1997), republicadas pelo sítio Il Sismografo, 22-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

A entrada no seminário na Páscoa de 1939

Enquanto isso, foi se determinando outra mudança decisiva na minha vida. Por dois anos, eu tinha ido à escola a pé, dia após dia, com grande alegria; mas, agora, o pároco insistia para que eu entrasse no seminário menor, para poder ser introduzido de maneira sistemática na vida eclesiástica.

Para o meu pai, cuja pensão era realmente exígua, tratava-se de um grande sacrifício. No entanto, a minha irmã, depois de passar no exame conclusivo da escola científica e ter prestado, em 1939, o ano de serviço agrário obrigatório para as moças, encontrou um lugar como empregada em uma grande loja de Traunstein, facilitando, desse modo, o orçamento da família.

Assim, foi tomada a decisão e, para a Páscoa de 1939, eu entrei no seminário, feliz e repleto de grandes expectativas, já que o meu irmão me falava muito bem dele e também porque eu tinha ótimas relações com os seminaristas que frequentavam a minha classe.

Mas eu sou uma daquelas pessoas que não foram feitas para a vida no internato. Em casa, eu tinha vivido e estudado em grande liberdade, assim como eu queria, construindo para mim um mundo infantil próprio. Agora, encontrar-me forçado a uma sala de estudo com cerca de 60 outros rapazes era uma tortura para mim, na qual me parecia quase impossível estudar, o que, anteriormente, sempre tinha sido tão fácil para mim.

O que mais me pesava era que – de acordo com uma ideia moderna de educação – todos os dias estavam previstas duas horas de esporte no grande campo esportivo da casa. Essa circunstância se tornou para mim uma verdadeira tortura, já que, não sendo dotado em nada para as atividades esportivas e sendo, dentre outras coisas, o menor entre os meus colegas de estudo, que também eram três anos mais velhos do que eu, eu era claramente inferior em força física a quase todos eles.

Na verdade, eu devo dizer que os meus companheiros eram muito tolerantes, mas, ao longo do tempo, não é bom ter que viver da tolerância dos outros e saber que, para a equipe de que fazemos parte, somos apenas um peso.

Henri de Lubac

Após do exame conclusivo dos estudos teológicos no verão de 1950, um cargo me foi proposto inesperadamente, que, mais uma vez, envolveria uma mudança de endereço para toda a minha vida. Na faculdade de teologia, havia a práxis de que, a cada ano, fosse atribuída uma pesquisa a ser premiada. Era preciso elaborar um assunto durante nove meses e entregá-lo anonimamente, marcando-o com um código que, depois, permitiria o reconhecimento.

Se um trabalho obtivesse o prêmio (que consistia em uma quantia de dinheiro bastante modesta), ele também era aceito automaticamente como dissertação com a avaliação de Summa cum laude. Para quem vencia, portanto, eram abertas as portas para o doutorado.

Todos os anos, cabia a um professor diferente propor o assunto, de modo que, no fim, fossem abordadas todas as disciplinas. No mês de julho, Gottlieb Söhngen me informou que, naquele ano, caberia a ele decidir o tema e que ele esperava de mim que eu tentasse me testar com aquele trabalho. Eu me senti obrigado e esperei com ansiedade o momento em que seria anunciado o assunto a ser tratado.

O tema escolhido pelo mestre foi: povo e casa de Deus no ensinamento de Santo Agostinho sobre a Igreja. Dado que, nos anos anteriores, eu tinha me dedicado assiduamente à leitura das obras dos Padres e também tinha frequentado um seminário de Söhngen sobre Santo Agostinho, eu podia me lançar nessa aventura.

Outra circunstância também veio em meu auxílio. No outono de 1949, Alfred Läpple tinha me presenteado a obra talvez mais significativa de Henri de Lubac, "Catolicismo", na magistral tradução de Hans Urs von Balthasar.

Esse livro se tornou para mim uma leitura de referência. Ele não só me transmitiu uma nova e mais profunda relação com o pensamento dos Padres, mas também um novo e mais profundo olhar sobre a teologia e sobre a fé em geral. A fé era aqui uma visão interior, que se tornou novamente atual justamente pensando junto com os Padres.

Naquele livro, percebia-se o tácito confronto com o liberalismo e com o marxismo, a dramática luta do catolicismo francês para abrir uma nova brecha à fé na vida cultural do nosso tempo. De Lubac acompanhava o seu leitor a partir de um modo individualista e estritamente moralista de crer ao largo de uma fé pensada e vivida socialmente, comunitariamente na sua essência, a uma fé que – justamente porque era, pela sua própria natureza, também esperança – investia a totalidade da história e não se limitava a prometer ao indivíduo a sua bem-aventurança privada.

Portanto, eu me pus à busca de outras obras de De Lubac e encontrei uma profunda satisfação especialmente a partir da leitura de Corpus Mysticum, em que me foi aberto um novo modo de entender a unidade de Igreja e Eucaristia – para além daquilo que eu já tinha aprendido a partir de Pascher, Schmaus e Söhngen.

A partir dessa perspectiva, eu pude adentrar – como me era pedido – no diálogo com Agostinho, que, em muitos aspectos, eu já tinha tentado há muito tempo. (...)

Eu me senti feliz quando, finalmente, fui liberado desse belo, embora pesado, esforço e, ao menos pelos últimos dois meses, pude me dedicar inteiramente para me preparar para o grande passo: a ordenação sacerdotal, que recebemos na catedral de Freising pelas mãos do cardeal Faulhaber, na festa dos santos Pedro e Paulo em 1951.

Éramos mais de 40 candidatos; quando fomos chamados, respondemos Adsum, "Estou aqui".

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