Dia de Natal – Ano C – Um convite a festejar a companhia do Senhor

22 Dezembro 2021

 

"Neste dia de Natal, ao olharmos para o presépio contemplando o nascimento de Jesus, deixemos que o nosso coração aprenda com a sensibilidade dessa cena que contemplamos e se abra a reconhecer aqueles que, no nosso tempo, enfrentam a mesma situação de buscar refúgio sem o encontrar. Deixemos que o nosso coração se torne sensível à dor desses nossos irmãos não porque sejam análogos ao que Jesus viveu, mas porque é essa a realidade que o Senhor quis abraçar, como primeiro ato transformador de sua encarnação. Jesus abraçou a condição de refugiado para ressignificar nossa humanidade, mostrando que, para muitas pessoas, viver é buscar refúgio – de uma sociedade injusta, de um poder político que deseja a morte, da doença ameaçadora, de uma religiosidade opressora ou da fome, que faz sofrer e mata."

 

A reflexão é de Mariana Aparecida Venâncio, leiga. Ela possui graduação em teologia pelo Centro Universitário UniAcademia de Juiz de Fora - ES/JF (2016), especialização em sagrada escritura pelo Centro Universitário Claretiano (2018), mestrado em Letras (literatura Brasileira) pelo CES/JF. É doutoranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), com pesquisa sobre Bíblia como Literatura e é assessora da Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética da CNBB.

 

 

Leituras do Dia

 

1ª Leitura: Is 52,7-10
Salmo 97 (98)
2ª Leitura: Heb 1,1-6
Evangelho: Jo 1,1-18

 

Cara irmã, caro irmão, hoje com alegria divido com você minhas reflexões sobre a liturgia do dia de Natal, 25 de Dezembro.

 

Neste dia, a Igreja comemora o fim da espera, a concretização das nossas esperanças. Como sinal dessa alegria, nos reunimos para glorificar ao Senhor, celebrar juntos, nos abraçamos e trocamos presentes, porque o Senhor, que é conosco, está presente entre nós. As leituras deste dia vão proclamar essa certeza e nos introduzir na alegria de celebrar a presença de Deus. Na verdade, é a certeza de sua presença que celebramos todos os anos.

 

A primeira leitura é um excerto do livro de Isaías (Is 52,7-10), especialmente o segundo Isaías, aquele que proclamava a esperança da libertação do Exílio. Ele traduz em palavras bonitas e memoráveis a experiência de alegria daquele que percebe a presença de Deus, por meio dos seus sinais de salvação e libertação. Hoje, o que celebramos não são os sinais da presença do Senhor, mas sua presença mesmo.

 

Por isso, nossa alegria será ainda maior que aquela proclamada pelo profeta, será uma alegria perceptível até os confins do universo, conforme a proclamação do Salmo 97. A presença de Deus em meio a humanidade, concretizada na encarnação do Filho é transformadora. Tempo e espaço são reconfigurados e reorientados. A experiência humana alcança um novo significado e uma nova missão, porque agora é tocada diretamente pelo divino. Por isso, não há canto do mundo que possa permanecer insensível à Sua presença, não há trevas que não sejam iluminadas, não há coração que não seja alcançado.

 

É também essa a ideia que a Carta aos Hebreus (Heb 1,1-6) irá desenvolver. De muitos modos, outrora, Deus havia se comunicado com a nossa humanidade, mas a encarnação do Filho é definitiva. Ela dá sentido a todo o caminho anterior de comunicação, eleva-o à plenitude e se torna absolutamente suficiente e eterna.

 

João, que escreve o quarto Evangelho, introduz sua narrativa sobre Jesus com o belíssimo texto que conhecemos como Prólogo Joanino (Jo 1,1-18). O prólogo não é a descrição da cena do presépio, mas é uma compreensão muito lúcida a respeito do sentido da encarnação de Jesus, em seu aspecto definitivo, sobrenatural e salvífico, mas também enraizado na nossa humanidade. Jesus é, para a madura teologia de João, o Verbo do Pai: aquele por meio de quem o Senhor realiza todas as coisas, renova e recria o mundo e as pessoas, a humanidade e as relações, dando à nossa existência um sentido cada vez mais próximo ao de sua vocação primordial à vida e ao amor.

 

 

Por isso, no Natal celebramos muitas coisas: primeiro, celebramos a certeza do Deus que vem a nós, porque é Deus conosco. Não é às vezes que o Senhor nos aparece. Ele é conosco, esse é seu nome e sua identidade: Emanuel. Então no Natal celebramos essa certeza, de que ele se faz companhia eterna, de que ele assumiu nossa humanidade em sua encarnação para estreitar os laços e romper os limites dessa companhia. E, segundo, celebramos aquilo que esta presença de Deus transforma no nosso existir. O que a certeza da presença constante do Senhor muda em nós, na missão da nossa humanidade, no sentido da nossa vida? É um olhar para o alto, contemplando o Deus que vem, mas um olhar também para o lado, entendendo melhor o que significa ser humano.

 

Então, neste dia de Natal, ao olharmos para o presépio contemplando o nascimento de Jesus, deixemos que o nosso coração aprenda com a sensibilidade dessa cena que contemplamos e se abra a reconhecer aqueles que, no nosso tempo, enfrentam a mesma situação de buscar refúgio sem o encontrar. Deixemos que o nosso coração se torne sensível à dor desses nossos irmãos não porque sejam análogos ao que Jesus viveu, mas porque é essa a realidade que o Senhor quis abraçar, como primeiro ato transformador de sua encarnação. Jesus abraçou a condição de refugiado para ressignificar nossa humanidade, mostrando que, para muitas pessoas, viver é buscar refúgio – de uma sociedade injusta, de um poder político que deseja a morte, da doença ameaçadora, de uma religiosidade opressora ou da fome, que faz sofrer e mata.

 

Nós, que hoje vamos a Jesus não só na contemplação do presépio, mas, principalmente, na Eucaristia celebrada, somos inseridos na cena daquela noite de Natal. Então vale pensar quem seríamos. Os pastores da noite escura, que do maio da sua angústia são chamados para ver a salvação? Ou os Magos do Oriente que sabem ler os sinais dos tempos e caminham longas distâncias e longos tempos para fazer a experiência do encontro com o Senhor? Oxalá não sejamos Herodes, que contempla de longe o presépio, mas não vai ao seu encontro, apenas quer fazer morrer quem procura esse caminho de vida.

 

 

Natal é dia de celebrar a alegria da companhia certa de um Deus que sempre esteve conosco e que sempre quis estreitar os laços com a nossa humanidade, a ponto de revelar-se em um rosto visível, o rosto de seu Filho, disposto a entregar a vida para que pudéssemos conhecê-lo e para que pudéssemos, um dia, viver eternamente ao seu lado. Essa é a luz do Natal, que nos ilumina, nos anima a seguir em frente, e nos traz a paz e o consolo tão sonhados. Mas, em um tempo como o nosso, em que a fé tem sido tão desvalorizada pelos outros e, pior, tem sido vivida de maneira tão superficial por alguns de nós mesmos, as grandes celebrações da nossa liturgia sempre serão muito oportunas para identificar de que modo podemos nos converter e procurar uma vida mais coerente com o mistério que celebramos. Porque o memorial da nossa liturgia nos faz viver aquele momento sublime. Não numa simples recordação, num aniversário, numa comemoração de mais um ano que se passa – afinal, que seria mais um ano em 2021 passados? - mas é aquele mesmo Natal que, no Mistério Litúrgico, acontece, no presente. E quem de nós não gostaria de encontrar um novo caminho para viver se tivesse a oportunidade de, como um daqueles anônimos pastores, receber um convite tão exclusivo e pessoal?

 

Eis, portanto, o convite. Que o Natal possa fazer brotar no seu coração esse caminho novo, cheio de surpresas e desafios, mas cheio da alegria de um Deus que é conosco.

 

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