29º Domingo do Tempo Comum – Ano C - Deus escuta o clamor de quem sofre e age com justiça

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Por: MpvM | 14 Outubro 2022

 "No contexto atual ... milhões de pessoas não têm os direitos humanos assegurados na sua íntegra, sofrem demoras e não são ouvidas. Há situações extremas, desumanidades e violências, e estão gritando noite e dia por justiça, por dignidade humana e não são atendidas, são ignoradas pelos que detêm o conhecimento e o poder de agir em favor da justiça e da humanidade. E, na maioria das vezes, quando é feito algo, é o mínimo dos mínimos, para apenas tentar livrar-se do grito dos oprimidos e violentados em seus direitos humanos.

 

Jesus leva os discípulos, e nós hoje, a refletirmos: quem é Deus? E quem somos nós? Deus age totalmente diferente do juiz injusto. Deus acolhe, escuta todos os clamores daqueles e daquelas que confiam nele, e faz justiça aos seus escolhidos e escolhidas, mesmo que possa demorar um pouco. O evangelho de hoje nos interpela a confiarmos plenamente na sua misericórdia e amor, porque nosso Deus é Justo e, na sua Sabedoria, age depressa a seu tempo e graça."

 

A reflexão é de Maria Josete Rech, iens, religiosa da Congregação das Irmãs Escolares de Nossa Senhora - IENS. Ela possui graduação em Teologia (1995), mestrado em Teologia Bíblica (2016) pela Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul - PUCRS e especialização em assessoria bíblica (2011) pela Escola Superior de Teologia - EST, São Leopoldo. Atualmente atua como agente de pastoral em Santo Antônio da Patrulha, na Diocese de Osório/RS.

 

 

Leituras do Dia

 

1ª Leitura - Ex 17,8-13
Salmo - Sl 120,1-2.3-4.5-6.7-8 (R. Cf. 2)
2ª Leitura - 2Tm 3,14 - 4,2
Evangelho - Lc 18,1-8

 

 

Irmãs e Irmãos, na fé em Cristo, estamos no 29º Domingo do Tempo Comum. É dentro deste contexto eclesial que quero partilhar alguns pontos refletidos da liturgia da Palavra deste domingo.

 

A primeira leitura (Êxodo 17, 8-13) nos relata uma situação de “combate” entre o povo Amalecita e o povo de Israel. O texto se situa num período em que o povo Israelita estava na luta pela terra. O profeta Moisés, que liderava o movimento de libertação, desde a escravidão do Egito, agora, já com idade avançada, não tinha condições de ir para a luta, e convida Arão e Hur para rezar com ele para o povo que estava na luta. Eles vão para o alto de uma colina rezar, enquanto o povo lutava contra os Amalecitas. O relato diz que, enquanto Moisés ficava com as mãos e braços erguidos, o povo de Israel superava o combate com os Amalecitas e, quando abaixava seus braços, os Amalecitas venciam. Arão e Hur tiveram que ajudar Moisés a permanecer com as mãos para o alto, orando. E assim não se cansou e permaneceu firme até o pôr do sol, ou seja, até terminar o combate dos Israelitas com os Amalecitas.

 

O que esse texto/fato narrado quer dizer para nós, hoje? O texto diz que enquanto Moisés e os seus colegas permaneciam de braços e mãos elevadas ao céu, isto é, em oração e prece, o povo que estava lutando superava o combate. Vejam, podemos observar que tanto a oração quanto a luta diária pelo bem comum são inseparáveis. A oração, seja ela pessoal ou comunitária, é tão necessária quanto as lutas e trabalhos diários de nossas vidas. A Palavra está nos desafiando a integrar a vida de oração com a vida de trabalho diário. Somos convidadas/os a unirmos forças para a busca do Bem Comum, no caso, pela terra que é um Bem da humanidade. Nessas ajudas mútuas pela oração e ação, enfrentaremos os diferentes combates do dia a dia, neste mundo onde muitos lutam para sobreviver. Cada qual precisa exercer bem a missão que lhe é confiada, e que se dá e se realiza em unidade e na entre-ajuda, pois precisamos umas das outras e uns dos outros para conquistar e realizar o projeto de vida e esperança para todos.

 

O Salmo 120 (121), que vem como resposta da primeira leitura do Êxodo, confirma que a presença de Deus, Senhor do Universo, é ativa, vigilante e está sempre a guardar ou a cuidar do seu povo. E na experiência com esse Deus que não cochila e nem dorme é que vem o nosso socorro. O salmista confessa que a ação de Deus, que fez o céu e a terra, pode ser comparado a uma “sombra protetora”, que nos acompanha sempre e em quem podemos confiar plenamente. O poder de Deus ou a força da Sabedoria Divina nos guarda e nos protege de todos os males.

 

É nestas perspectivas que convido a refletir comigo o Evangelho (Lucas 18,1-8), onde escutamos Lucas narrando uma parábola que Jesus conta para seus discípulos e discípulas. A parábola é de uma viúva e de um juiz. Jesus começa a parábola dizendo que uma viúva, por muito tempo, pedia ao juiz para que fizesse justiça em relação aos seus adversários. E o juiz, por sua vez, sempre recusou e demorou muito tempo para atender o pedido dela. E somente vai atendê-la quando pensou consigo: sou um homem que não temo a Deus e nem respeito qualquer pessoa, contudo, já que essa viúva está me fastiando, vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha me agredir. E Jesus convidou os discípulos para escutarem o que o juiz disse: “Escutai o que diz esse juiz injusto. E interrogou: Deus não faria justiça a seus eleitos e eleitas que clamam a ele dia e noite, mesmo que os faça esperar? E conclui afirmando: Deus lhes fará justiça muito em breve. E voltou a questioná-los: Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?

 

O que esse Evangelho de Jesus, narrado por São Lucas, quer nos dizer? Ou, o que essa parábola diz para nós hoje?

 

Vejam, as comunidade cristãs pelos anos 90 d.C., período em que foi escrito esse evangelho, possivelmente estavam tendo algumas dificuldades de se manter firmes na fé em Jesus Cristo. Nesta época, as mulheres ainda eram consideradas propriedade dos homens. E quando a mulher ficava viúva, na maioria das vezes, perdia tudo e muitas vezes eram roubadas e sofriam violências de todo tipo. As viúvas não tinham direitos assegurados pela lei civil e religiosa. Dependiam da ajuda de familiares e outras pessoas de boa vontade. Jesus, na parábola, toma como exemplo a Viúva, alguém que está clamando por justiça a um juiz contra seus adversários. E esse juiz é injusto, porque não escuta o pedido da mulher viúva, demora para fazer justiça e mais, só vai agir porque quer livrar-se dela e porque está com medo de que ela venha a agredi-lo.

 

No contexto atual em que vivemos, em nossa sociedade, penso não ser difícil de entender essa realidade, pois vivemos situações bem semelhantes. Milhões de pessoas não têm os direitos humanos assegurados na sua íntegra, sofrem demoras e não são ouvidas. Há situações extremas, desumanidades e violências, e estão gritando noite e dia por justiça, por dignidade humana e não são atendidas, são ignoradas pelos que detêm o conhecimento e o poder de agir em favor da justiça e da humanidade. E, na maioria das vezes, quando é feito algo, é o mínimo dos mínimos, para apenas tentar livrar-se do grito dos oprimidos e violentados em seus direitos humanos.

 

Continuando com a parábola, Jesus chama os discípulos para escutarem o que diz o juiz injusto (v.6). Quando está fazendo isto está convidando para observarmos que a atitude do juiz é péssima, porque “não teme a Deus e não respeita homem ou pessoa alguma; não exerce sua função com dignidade e integridade, enfim, é injusto. E Jesus, para continuar sua parábola, faz duas perguntas: E Deus não faria justiça aos seus escolhidos e suas escolhidas, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? (v 7). Com essas perguntas Jesus leva os discípulos e nós hoje a refletirmos: quem é Deus? E quem somos nós? Deus age de modo totalmente diferente do juiz injusto. Deus acolhe, escuta todos os clamores daqueles e daquelas que confiam nele, e faz justiça aos seus escolhidos e escolhidas, mesmo que possa demorar um pouco. O evangelho de hoje nos interpela a confiarmos plenamente na sua misericórdia e amor, porque nosso Deus é Justo e, na sua Sabedoria, age depressa a seu tempo e graça. E nos deixa com uma interrogação: quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?

 

E é por isso que S. Paulo, na 2ª carta a Timóteo 3,14-4,2, insiste para que Timóteo, seu colaborador na missão de testemunhar o Evangelho de JC, permaneça constante e firme no que aprendeu e aceitou como verdade. Esta ‘verdade’ de que Paulo fala é o Evangelho, a Palavra viva de Deus que recebeu por fé em Jesus Cristo. A escuta ativa da Palavra de Deus nos comunica a Sabedoria Divina e nos conduz à Salvação pela fé em Jesus Cristo. Paulo, um exemplo de missionário de Jesus, vai orientar Timóteo, e a nós hoje, que a Palavra de Deus nos ensina, nos corrige e nos educa na justiça. Pela escuta contínua da Palavra de Deus e do grito do povo de Deus, nos tornamos discípulas missionárias e discípulos missionários, qualificados e qualificadas com todo o conhecimento e paciência, para toda a Boa Obra.

 

Irmãs e irmãos na fé, peçamos a graça de vivermos perseverantes na fé em Jesus Cristo, no Deus Justo, e que age sempre na misericórdia para conosco, hoje e sempre. A Liturgia da Palavra, sobretudo, o Evangelho deste domingo, nos impulsionam a vivermos na fé. A fé vem da escuta, e a escuta centra-se na Palavra de Deus (cf. Rm 10,17). E, imbuídos do espírito de Deus, testemunharemos o Batismo em Jesus e seremos sempre mais enviadas e enviados a anunciar a justiça divina frente a tantas injustiças humanas, causadas pela ganância e pelo ódio e tantos outros males que atingem e afligem toda a humanidade. A exemplo da viúva, busquemos sempre pelos direitos humanos e de todo o ser humano na face da terra. Há necessidades humanas que são inegociáveis e vitais para a vida e a esperança de todo ser humano e do ser humano todo. Busquemos o Deus justo, que escuta nossas angústias e clamores, e faz justiça a seu tempo. Prossigamos confiantes, pois a justiça Divina nunca falha, é misericordiosa e infinita. Rezemos com o salmista: o Deus, que fez o céu e a terra, não dorme e nem cochila, e sim nos guarda desde agora e para sempre.

 

Referências

Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2003.
Bíblia Sagrada. Edição Pastoral, 1990.
Guia para o mês missionário extraordinário – Outubro 2019: Batizados e enviados: a Igreja de Cristo em missão no mundo. Edição CNBB, 2019.
PAGOLA. J. Antônio. É bom crer em Jesus. Petrópolis RJ: Vozes, 2016.

 

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