23 Setembro 2011
Alguns poucos diamantes de uma mina do Mato Grosso, com algumas impurezas microscópicas que talvez diminuam o seu valor para os gemólogos, se converteram em autênticas pedras preciosas para uma equipe de cientistas que souberam ler neles informações trazidas das profundezas da Terra. São diamantes pouco comuns, formados a quase 700 quilômetros de profundidade, em vez dos habituais 200 quilômetros. Mas, para os pesquisadores, o que é chamativo é que estas pedras da mina de Juína mostram que o ciclo do carbono (a interação que normalmente se dá entre a atmosfera, os oceanos e a crosta terrestre) se estende muito mais do que se pensava, atingindo o manto inferior do planeta. Não se deve esquecer que os diamantes são uma determinada cristalização de átomos de carbono que se forma em condições químico-físicas precisas de altas pressões e temperaturas.
A reportagem é de Alicia Rivera e está publicada no jornal espanhol El País, 21-09-2011. A tradução é do Cepat.
Os cientistas sabem como é formada a Terra em seu interior, sobretudo, com técnicas de sismologia, decifrando a propagação das ondas sísmicas em diferentes materiais e camadas do interior do Planeta. Mas as amostras diretas do subsolo procedem de apenas poucos quilômetros de profundidade, extraídas dos poços de prospecção geológica. Os diamantes superprofundos são, portanto, testemunhas excepcionais do que acontece na Terra no manto inferior, camada que se estende dos cerca de 10 quilômetros sob a superfície até cerca de 2.900 quilômetros.
Michael Walter (Universidade de Bristol, Reino Unido) e seus colegas do Brasil [Débora Passos de Araújo, cientista da Universidade de Brasília] e dos Estados Unidos, examinaram milhares de diamantes de Juína e encontraram seis com características excepcionais pelas inclusões, ou impurezas, que tinham. Estes minerais encontrados nas gemas são indicadores para poder reconstruir sua história. “As inclusões nos diamantes são fantásticas para estudar a parte inacessível das profundezas da Terra, algo como estudar insetos extintos e conservados em âmbar”, disse Walter.
A origem dos diamantes de Juína remonta ao material orgânico e mineral acumulado no solo oceânico que se fundiu ate o manto superior terrestre pela dinâmica das placas tectônicas. A proporção de isótopos de carbono em quatro dos diamantes analisados aponta para essa origem na crosta oceânica. Mas as inclusões das pedras são testemunhas de minerais que se formam quando os basaltos se fundem e cristalizam em condições extremas de pressão e temperatura do manto inferior (mais de 660 quilômetros), e não a 200 quilômetros de profundidade como a maioria dos diamantes. Essas impurezas analisadas pelos pesquisadores são granitos minerais que medem de um a dois centésimos de milímetro.
Depois de se terem formado no manto inferior, com as inclusões, mecanismos geológicos como as colunas emergentes do manto inferior para o superior transportariam aqueles diamantes, que subiriam finalmente até o subsolo do Brasil nas rochas vulcânicas chamadas kimberlitas, das quais se obtêm estas gemas. Apesar de sua origem profunda, as pedras de Juína são comparativamente jovens, já que se formaram há apenas cerca de 100 milhões de anos, ao passo que a maioria dos diamantes de alta qualidade tem entre um bilhão e três bilhões de anos, e têm uma origem mais superficial, explica o The New York Times.
Em resumo, o carbono do material orgânico depositado no fundo oceânico começou uma longa viagem rumo ao manto terrestre e voltou a subir em forma de diamantes. Isto estende consideravelmente o ciclo do carbono. “A pesquisa mostra o alcance do ciclo do carbono em escala de todo o planeta, conectando processos químicos e biológicos que ocorrem na superfície e nos oceanos com o interior da Terra”, assinala Nick Wiggintong, da revista Science, na qual Walter e seus colegas apresentaram sua pesquisa dos diamantes superprofundos de Juína. “Os resultados dão uma perspectiva mais ampla do planeta Terra como um sistema integrado, dinâmico”, acrescenta.
Já se conheciam estudos sismológicos que indicavam que o ciclo do carbono chegaria ao manto superior terrestre, até cerca de 400 quilômetros de profundidade, onde grandes placas da crosta oceânica, com sedimentos ricos em carbono, se fundiriam e se misturariam com rochas fundidas do manto. Também havia alguns estudos sismológicos e geoquímicos que apontavam para maiores profundidades, até o manto inferior, mas obter amostras em forma de rocha é muito difícil e os diamantes de Juína são uma prova direta.
“O manto terrestre é o maior depósito de carbono do planeta e sabemos muito pouco sobre ele”, assinala Walter. Dado que o ciclo do carbono é um dos pesadelos dos cientistas do clima por sua complexidade e suas implicações nas concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa, cabe pensar se os diamantes superprofundos do Brasil têm também implicações sobre o aquecimento global. “Isto não vai influir no clima de amanhã, mas o que os nossos resultados nos estão dizendo é que o carbono da superfície terrestre pode penetrar até o manto inferior, o que pode ser um sumidouro de carbono a longo prazo”, responde Walter.