10 Março 2011
"Para que haja um encontro com a verdade do desejo, é necessário equivocar-se, fracassar, perder-se. Quem jamais se perdeu não sabe o que é reencontrar-se... Eis porque Lacan dizia contar só com eles, com os jovens, e sobre eles punha a sua esperança para o porvir da psicanálise."
A análise é do psicanalista italiano Massimo Recalcati, professor da Università degli Studi di Pavia, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 09-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O problema que diferencia o nosso tempo consiste em como conseguir preservar a função educativa própria do laço familiar diante de uma crise sempre mais radical e generalizada do discurso educativo.
Como pode haver educação – e, portanto, formação – se o imperativo que orienta o discurso social é entoado perversamente como um "por que não?", que torna insensata toda experiência do limite? Como se pode introduzir a função virtuosa do limite – função que confere um sentido possível à renúncia e que torna possível a união de Lei e desejo – se tudo tende a impelir para a apologia cínica do consumo e da satisfação sem adiamentos? Como o laço familiar pode não ceder de sua função educativa, do seu ser o lugar eletivo da transmissão do desejo e da subjetivação, se o discurso social dominante exalta o desvio da castração como eixo da nova moral hiper-hedonista? Como é possível sustentar a função formadora da renúncia e do limite quando a ausência ou o declínio das referências normativas ao Ideal acabam por tornar a renúncia ao gozo pulsional imediato sempre mais insensata?
A dificuldade em que todo discurso educativo versa é dupla: por um lado, é a dificuldade de assumir com responsabilidade a diferença geracional introduzindo o poder simbólico da interdição. Por outro, é a dificuldade de transmitir o desejo de uma geração à outra; é a dificuldade em dar testemunho do que significa desejar.
As tarefas da função paterna
A ausência de conflitualidade como fator imprescindível da formação é um dos maiores sintomas do laço familiar e do laço social hipermoderno. O novo desconforto da juventude não é mais marcado por Édipo, não se produz do conflito entre as gerações, da tragédia da usurpação, do caráter transgressivo do desejo que infringe a Lei. O incômodo da juventude produzido pelo pelo discurso do capitalista é uma dificuldade ligada a um efeito de obstrução e de intoxicação gerado pelo excesso de gozo e pelo declínio da função simbólica da castração.
A clínica dos chamados novos sintomas mostra bem como o problema do atual desconforto da juventude não é tanto o do conflito entre o programa da pulsão e o da Civilização, entre a imaginação do desejo e o peso opressivo da realidade, entre as razões dos filhos e as dos pais, mas sim de como ter acesso à experiência do desejo.
Essa dificuldade de acesso ao desejo certamente tem a ver, como vimos, com a hegemonia sem oposição do discurso do capitalista e com a evaporação do pai que dela aflora. Mas também tem muito a ver com uma ausência de adultos, com uma queda da diferença geracional e da responsabilidade que ela comporta.
Uma jovem paciente minha contava todo o seu desconforto (e o seu gozo inconsciente) em ter que sustentar o pai que, tendo se separado da mãe quando ela tinha apenas dois anos, exige ser consolado todas as vezes que as suas histórias de amor acabam em nada. Uma outra jovem paciente bulímica que roubava nos supermercados me falava da dificuldade de encontrar uma barreira simbólica suficientemente sólida capaz de frear a sua corrida desastrosa do gozo. O seu problema não era o de alcançar o gozo da transgressão pela via do desvio clandestino da Lei, mas sim como pode despertar a Lei paterna do seu sono desconsiderado, como poder ser vista roubando por alguém que assumiria, finalmente, a responsabilidade de frear o seu desvio pulsional.
A crise atual da operatividade da ordem simbólica coincide com a crise do poder de interdição, mas também com a dificuldade da transmissão do desejo de uma geração à outra, coincide com a capacidade dos adultos de fornecer um testemunho sobre como se pode existir sem querer se suicidar ou enlouquecer, sobre a capacidade de tornar essa existência digna de ser vivida. É a dupla tarefa da função paterna. Ser chamado a introduzir um "Não!" que seja verdadeiramente um "Não!" (um paciente toxicômano meu se lamentava de nunca ter encontrado um "Não!" desse tipo) e, ao mesmo tempo, saber encarnar um desejo vital e capaz de realização. Por que essa dupla tarefa é hoje tão difícil de ser sustentada?
O dom de uma geração à outra
Detenhamo-nos em pelo menos duas grandes novas angústias dos pais de hoje. A primeira é relativa à exigência de se sentirem amados pelos seus filhos. Essa exigência é inédita e inverte a dialética do reconhecimento: não são mais os filhos que exigem ser reconhecidos pelos seus pais, mas são os genitores que exigem ser reconhecidos pelos seus filhos. Desse modo, a dissimetria geracional é invertida. Para se tornarem amáveis, é necessário dizer sempre "Sim!", eliminar o desconforto do conflito, delegar suas próprias responsabilidades educativas, avalizar o caráter pseudodemocrático do diálogo. Desse modo, produz-se uma conspiração patogênica entre esse "Sim!" perpétuo e o "Por que não?" perverso que inspira o discurso social dominante.
A clínica psicanalítica mostra que, sem a experiência do limite, a própria experiência do desejo é fatalmente aspirada para um gozo de morte. Já repetimos isso mais de uma vez. É indispensável que alguém – para além das diferenças de gênero e também para além do laço de sangue, porque, como o último Lacan costumava repetir frequentemente, "qualquer coisa" pode pôr em exercício a função paterna – assuma o peso do ato de introduzir a castração simbólica.
Considerando, porém, que, nesse ato de interdição, já está em jogo um movimento de doação. Porque a Lei que o pai encarna, sem pensar jamais em exauri-la na sua pessoa, não se manifesta de fato como uma negação repressiva pura, mas sim como aquilo que sabe tornar possível o desejo. É o problema da transmissão: uma geração deve doar à outra, junto com o senso do limite, a possibilidade do porvir, o desejo como fé no porvir.
A segunda grande angústia dos pais de hoje está ligada ao princípio de rendimento. O mau êxito, o insucesso, o fracasso dos próprios filhos são sempre menos tolerados. Diante do obstáculo, a família hipermoderna se mobiliza, mais ou menos compactamente, para removê-lo sem dar o tempo certo para que o filho faça experiência dele. As expectativas narcísicas dos pais recusam se medir com esse limite, atribuindo aos filhos projetos de realização obrigatória.
Mas, como escreveu Sartre, se os pais têm projetos para os seus filhos, os filhos terão inevitavelmente destinos... e quase nunca felizes. Ter um filho sem defeitos, capaz de rendimento, reflete as angústias narcísicas dos pais. O fracasso da transmissão pode estar ligado a uma exigência de clonagem, de identificação com o próprio descendente, de repetição do próprio destino. Era isso que ocorria na época edípica do desconforto da juventude.
Mas pode acontecer também que isso se produza como efeito de uma ausência de atos simbólicos, como ocorre no tempo hipermoderno. Nesse caso, não teremos a investidura fálica, a clonagem, o caráter sagrado da identificação – "Torne-se como eu!" – mas sim uma exigência superegoica de eficiência. Não conta tanto a clonagem, mas sim a necessidade de ocultar toda imperfeição. Os pais de hoje estão aterrorizados pela possibilidade de que a imperfeição possa perturbar a aparição do seu filho como ideal. É um novo mito da nossa civilização: dar aos filhos tudo para poderem ser amados; cultivar o seu ser como capaz de rendimento para esconjurar a experiência do fracasso.
Segue-se disso que os nossos jovens não suportam mais o fracasso, porque quem não o suporta são principalmente os seus pais. O princípio de rendimento hipermoderno é um princípio de afirmação do eu. Mas estamos certos de que o sucesso do eu é acompanhado pela satisfação?
Elogio do fracasso
A psicanálise não tece, de fato, o elogio do rendimento. O trabalho da análise é antagônico ao narcisismo da aparição, àquele sucesso do eu que deslumbra e captura os jovens de hoje. A experiência da análise visa, ao contrário, a descascar o invólucro narcísico da imagem para pôr o sujeito diante da verdade do seu próprio desejo. Tudo na experiência analítica visa a reduzir os falsos prestígios do eu, como dizia Lacan. A psicanálise não sustenta o culto hipermoderno do rendimento, mas tece o elogio do fracasso. Ela recolhe os restos, os resíduos, as vidas de descarte; trabalha sobre as causas e sobre as vidas perdidas. Para ser psicanalista, é preciso amar as causas perdidas...
Mas o que significa tecer um elogio do fracasso? O fracasso não é só insucesso, derrota, desorientação. Ou melhor, é tudo isso: insucesso, derrota e desorientação, mas é também o seu reverso. O fracasso, segundo Lacan, é próprio do funcionamento do inconsciente. A sua definição de ato falho é totalmente um programa: um ato falho é o único ato que resulta possível. Por quê? Porque é um ato falho para o eu, mas teve efeito para o sujeito do inconsciente. O mesmo ocorre em uma distração ou em um lapso.
O fracasso é uma oscilação salutar da eficiência do rendimento. E, nesse sentido, a juventude é o tempo do fracasso ou, melhor, é o tempo em que o fracasso deveria ser permitido. É aquele tempo que exige o tempo do fracasso, do erro, da errância, da perda, da derrota, do repensamento, da dúvida, da indecisão, das decisões equivocadas, dos entusiasmos que se dissolvem e se convertem em desilusões... da traição e do enamoramento...
Perder-se é necessário
Os jovens são expostos ao fracasso porque a via autêntica da formação é a via do fracasso. Ensinava-o Hegel e ensinavam-no os textos bíblicos, antes da psicanálise. É o irmão mais jovem que, na célebre parábola evangélica, pede ao pai a sua parte da herança antecipadamente, para dissipá-la no gozo mais obtuso. A formação é errância, descontinuidade, encontro, ruptura do familismo. No caminho de uma vida, existe sempre uma queda do cavalo, um encontro com o chão, um face a face com a ponta dura do real.
Nesse sentido, os jovens são mais expostos à doença do inconsciente. Para que haja um encontro com a verdade do desejo, é necessário equivocar-se, fracassar, perder-se. Quem jamais se perdeu não sabe o que é reencontrar-se... Eis porque Lacan dizia contar só com eles, com os jovens, e sobre eles punha a sua esperança para o porvir da psicanálise. Os jovens sabem se perder como ninguém mais... Sabem se perder e se encontrar... Mas é fundamental a presença dos adultos para que isso ocorra. São necessários uma casa, um laço, uma pertença, para que a errância dê os seus frutos. É necessário que os pais saibam tolerar as angústias dessas idas e vindas.
O nosso elogio do fracasso subverte drasticamente a ilusão do discurso do capitalista: "o fracassado é o objeto", afirma Lacan. Isso significa que o objeto não se apresenta como aquilo que pode preencher a "falta de ser" que habita o sujeito, mas sim que o encontro com o objeto é estruturalmente marcado por uma condição falimentar. O objeto é sempre fracassado, é sempre insatisfatório, é sempre um vazio, uma lacuna. A pulsão não se fecha sobre ele, mas deve dar a volta nele.
O objeto é fracassado porque jamais é alcançado, porque se alcança só a sua sombra. É esse o fundamento da teoria lacaniana da inexistência da relação sexual. O ser humano é condenado a enfrentar o sexo sem possuir a chave para decifrar o seu mistério. Se, no mundo animal, essa chave está inscrita biologicamente, determinada geneticamente, válida universalmente, para o ser humano não há nenhuma natureza que a regule.
Uma nova forma de escravidão
O que é o desconforto da juventude na civilização dominada pelo discurso do capitalista e pela sua "liberdade imaginária", pela liberdade do gozo que, na realidade é uma manifestação do Superego, ou seja, da instância que nega toda forma possível de liberdade, que nos torna escravos? Essa liberdade não é o fermento do desejo, para usar uma imagem evangélica, mas sim uma nova forma de escravidão que rejeita toda forma de responsabilidade.
O discurso da psicanálise é antagônico ao do capitalista, porque a psicanálise denuncia o objeto como fracassado, enquanto o discurso do capitalista sustenta o seu poder fetichístico, idolátrico, embora, astutamente, desfrute a sua inconsistência. Inclinar-se para o lado do fracasso do objeto, do fracasso da relação sexual, do fracasso próprio do sujeito do inconsciente, é a única possibilidade para tentar fazer com que surja novamente o desejo e a sua Lei.