O período histórico do Papa João XXIII

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15 Outubro 2012

O período do Papa João XXIII se desdobra em uma fase da história italiana e internacional repleta de eventos, mudanças sociais e verdadeiras subversões. O crescimento do PIB entre 1958 e 1963 havia sido de mais de 6% ao ano. De um lado, desaba o peso da agricultura; de outro, aumenta a contribuição da indústria.

A reportagem é de Salvatore Vento, publicada no jornal Conquiste del Lavoro, 07-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A elite política daqueles anos, a maioria de origem católica democrata-cristã, se pronuncia a favor do planejamento econômico, ou seja, da intervenção do Estado para alcançar objetivos de reequilíbrio econômico, territorial e social. O "Esquema Vanoni" de desenvolvimento do emprego e da renda vai nessa direção.

São diversos os momentos de reflexão cultural que têm consequências sobre as escolhas do governo, como o Congresso de San Pellegrino com as aprofundadas conferências do economista Pasquale Saraceno e do sociólogo Aquiles Ardigò.

No lado secular republicano, a "Notas adicional" de Ugo La Malfa propõe uma "política dos rendimentos", concertada com as partes sociais. No fim de 1963, forma-se a primeira centro-esquerda orgânica com Aldo Moro como presidente do Conselho, e Pietro Nenni como vice-presidente. A hierarquia vaticana se opõe às novidades; nessa oposição, distinguiram-se, dentre outros, o cardeal Giuseppe Siri (presidente da Conferência dos Bispos Italianos - CEI) e o cardeal Alfredo Ottaviani (secretário do Santo Ofício), que lançam repetidas "sagradas advertências" contra os "comunistas de sacristia" que seriam os democrata-cristãos favoráveis ao diálogo com os socialistas. É por isso que Aldo Moro reiterou em todos os seus discursos a autonomia dos católicos envolvidos na política.

Enquanto isso, a televisão (gerida por muitos anos por Ettore Bernabei) começa a entrar nas casas dos italianos: o programa Carosello e o programa de variedades Canzonissima do sábado à noite marcam os tempos das famílias. Note-se que, em 1961, 77% da população com mais de seis anos têm apenas a formação elementar, os graduados são 1,3%, e os pós-graduados, 4,3%.

O cinema também capta as transformações da sociedade italiana; basta pensar em La dolce vita, de Federico Fellini, que reflete sobre os vícios de personagens de uma certa burguesia em uma Roma decadente; ou, por outro lado, Rocco e i suoi fratelli, de Luchino Visconti, sobre o drama da imigração de uma família do sul a Milão. Divorzio all'italiana, de Pietro Germi, ao contrário, se debruça sobre o atraso da legislação sobre a família (o "crime de honra", como alternativa ao divórcio).

Semanários como Il Mondo, de Mario Pannunzio, de área liberal progressista, sempre minoritária na Itália, no entanto, desempenham, com os seus congressos, um papel ativo de laicização da política. É o período do início do consumo de massa centrados nos eletrodomésticos, na televisão, nas motos para os jovens e o popular Fiat 500; as pessoas pagam no crediário, nos bares das cidades do interior se difundem os jukeboxes, a canção vencedora no Festival de Sanremo no dia seguinte é cantada por todos.

Em nível internacional, a construção do Muro de Berlim sanciona fisicamente a dramática divisão da Alemanha (e do mundo), enquanto no Congresso de Bad Godesberg os social-democratas alemães abandonavam o marxismo e proclamavam que o socialismo democrático na Europa tem suas raízes na ética cristã, no humanismo e na filosofia clássica.

Mas será principalmente o XX Congresso do PCUS, durante o qual Nikita Kruschev apresenta o relatório secretos sobre os crimes de Stalin, que irá abrir uma nova fase de reflexão nos partidos comunistas da Europa ocidental. Nos Estados Unidos, vemos o breve mas intenso período da presidência de John Kennedy (1960-1963), cuja política definida como "nova fronteira" estava despertando esperanças entre os democratas e os jovens de todo o mundo.

Mas em outubro de 1962 a crise dos mísseis em Cuba fez precipitar a situação internacional com o risco de uma nova guerra. O Papa João XXIII, que havia passado 20 anos como delegado apostólico no exterior e havia vivido a tragédia das duas guerras mundiais, era sensível às questões internacionais e ao ecumenismo, amadurecendo uma moderna e profética visão sobre a mundialidade.

Contra a ideologia da "guerra fria" e o equilíbrio do terror entre blocos ideológicos contrapostos, ele deseja transformar a "Igreja ocidental" em "Igreja universal". Nos primeiros tempos, as relações com a estrutura de poder do Vaticano, como escreve o historiador Guido Verucci, devem subjazer a tradições intervencionistas consolidadas na política nacional. No dia 4 de abril de 1959, dez anos após o decreto de excomunhão dos comunistas, o Santo Ofício renova a condenação, estendendo-a aos socialistas e aos social-democratas. Ainda no dia 20 de maio de 1961, na encíclica Mater et Magistra, era reiterada a inadmissibilidade de que os católicos aderissem ao "socialismo moderado".

O cardeal Ottaviani se lança contra a visita a Moscou do presidente católico da República italiana, Giovanni Gronchi. Uma intervenção que, para a hierarquia vaticana, se estende a toda atividade de pensamento aberta à compreensão da modernidade: a proibição da conferência de um doutorado honoris causa em ciências políticas pela Universidade Católica de Milão a Jacques Maritain; a proibição de fazer circular as Experiências pastorais do Pe. Milani; o afastamento da diocese de Florença do Pe. Ernesto Balducci; a dura advertência contra as obras de Teilhard de Chardin.

O Papa João XXIII tem sensibilidades diferentes, logo se apresenta como o bom pastor que tem a tarefa de pregar o Evangelho a toda a "família humana". Não é teólogo, não pretende elaborar novos dogmas ou restaurar os mesmos de sempre, mas quer prosseguir com determinação rumo a uma renovação pastoral e moral, porque o cristianismo é essencialmente vida verdadeira, vivida nas circunstâncias históricas em que somos chamados a viver.

Com a encíclica Pacem in Terris, redigida poucos meses antes de sua morte e dirigida a todas as pessoas de boa vontade, ele envia uma mensagem profundamente humana e universal. Ele vê os sinais dos tempos em três fenômenos que caracterizam a era moderna: ascensão econômico-social das classes trabalhadoras, ingresso da mulher na vida pública, independência dos povos ex-coloniais.

Para o papa, que distingue entre o erro e o errante, não podem ser identificadas as falsas doutrinas filosóficas com movimentos históricos com finalidades socioeconômicas e políticas, pois, enquanto as doutrinas permanecem, os movimentos estão sujeitos a mudanças.

O cardeal Martini lembra aqueles anos do Concílio como os melhores da sua vida, porque, finalmente, abriam-se as portas e as janelas, circulava o ar puro, olhava-se para o diálogo com tantas outras realidades, a Igreja parecia capaz de enfrentar o mundo moderno. Um secular, sindicalista e intelectual como Vittorio Foa escreve que a linguagem do Papa João XXIII teve influência política, justamente porque não era política, mas sim pastoral e espiritual.

Na noite da sua morte, continua Foa, foi-me impossível não me unir a todos os outros romanos em silêncio na rua que levava a São Pedro. Se certamente não podemos subestimar a importância dos documentos dos pontífices e da hierarquia eclesiástica em geral, consultáveis em todos os momentos como fonte histórica, ao mesmo tempo, devemos avaliar o seu testemunho de vida e a relação que conseguem estabelecer com a comunidade dos fiéis.

As palavras ouvidas na Praça de São Pedro na abertura do Concílio, ouvindo-as ainda hoje, a 50 anos de distância, nos enchem o coração: "Caros filhinhos, eu ouço as suas vozes. A minha pessoa não conta nada, é um irmão que fala com vocês. Voltando para casa, encontrarão as crianças. Façam uma carícia em seus filhos e digam: essa é a carícia do papa".

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