Os intelectuais e a paixão pela catástrofe. Artigo de Slavoj Zizek

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02 Abril 2012

Publicamos aqui a introdução ao novo livro do filósofo esloveno Slavoj Zizek, intitulado Gli intelletuali e la passione per la catastrofe. O trecho foi publicado no jornal La Repubblica, 31-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Dizem que, na China, se você realmente odeia alguém, você o amaldiçoa assim: "Que você viva em tempos interessantes!". Historicamente, os "tempos interessantes" foram períodos de irrequietação, de guerra e lutas pelo poder que trouxeram sofrimentos a milhões de inocentes.

Hoje, estamos claramente nos aproximando de uma nova época de tempos interessantes. Depois de décadas de Estado social, em que os cortes financeiros eram limitados a breves períodos e eram sustentados pela promessa de que as coisas logo voltariam ao normal, estamos entrando em um novo período em que a crise econômica se tornou permanente, é agora um simples modo de vida.

Essas mudanças não podem senão despedaçar a cômoda posição subjetiva dos intelectuais radicais, bem representada por um dos seus exercícios mentais preferidos ao longo de todo o século XX: o impulso a "catastrofizar" a situação. Seja qual fosse a situação presente, ela devia ser declarada "catastrófica", e quanto mais as coisas pareciam positivas, mais nos comprazia esse exercício. Assim, independentemente das nossas diferenças "puramente ônticas", todos fazemos parte da mesma catástrofe ontológica.

Heidegger acusou a nossa época de ser a do "perigo" do niilismo consumado. Adorno e Horkheimer viram nela o ápice da "dialética do iluminismo" no "mundo administrado". Giorgio Agamben chegou até a definir os campos de concentração do século XX como a "verdade" de todo projeto político ocidental. Era como se a frase irônica de Churchill – a democracia é o pior sistema político possível, se excluirmos todos os outros – fosse repetida de forma séria: a "sociedade administrada" do Ocidente é pura barbárie escondida sob as vestes de civilização, o extremo limite da alienação, a desintegração do indivíduo autônomo, e assim por diante. E, entretanto, a partir do momento em que todas as outras estruturas sociopolíticas são piores, no fim das contas não nos resta outra alternativa senão apoiá-la...

Somos, portanto, tentados a propor uma interpretação radical dessa síndrome: talvez o que esses infelizes intelectuais não conseguem suportar é o fato de levar uma vida fundamentalmente feliz, segura e cômoda e, assim, para justificar a sua vocação mais elevada, são forçados a construir um cenário de catástrofe radical.

Sob tratamento psicanalítico, aprende-se a ser claro sobre os próprios desejos: eu quero verdadeiramente aquilo que penso querer? Tomemos o caso proverbial de um marido envolvido em uma paixão relacional extraconjugal, que sonha com o dia em que sua esposa desapareça e assim ele estará livre para viver com a amante. Quando isso finalmente acontece, o seu mundo inteiro entra em colapso, e ele descobre que, no fim das contas, ele não quer verdadeiramente a amante.

Como diz o velho ditado: só há uma coisa pior do que não ter o que se quer: é chegar a tê-lo. Os acadêmicos de esquerda estão se aproximando hoje de um desses momentos de verdade: queriam uma mudança de verdade, agora vocês a têm!

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