Por: Jonas | 15 Mai 2013
“Otto [Maduro] (foto) foi um escritor exigente consigo mesmo. Podia ser intenso e incisivo na crítica e no debate, mas nunca agredia ou menosprezava seus colegas e estudantes”, escreve o teólogo Carmelo Alvarez, em artigo publicado pela Agência Latino-Americana e Caribenha de Comunicação - ALC, 13-05-2013. A tradução é do Cepat.
Nota da IHU On-Line: Otto Maduro, (1945-2013) faleceu no dia 10 de maio de 2013. Filósofo e sociólogo da religião, ele era venezuelano e desde 1992, professor na Drew University, Madison, Nova Jersey, EUA.
Eis o artigo.
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Fonte: http://goo.gl/AJbys |
Ao receber a notícia da ressurreição do bom amigo Otto Maduro, é necessário fazer uma descrição para evocar uma amizade valiosa. Sim, Otto era um mestre da amizade. Preciso reiterar. Porque, entre outras coisas, Otto nunca esqueceu a data de meu aniversário. Ele me provocava uma grande alegria e, por sua vez, um espanto repleto de profunda gratuidade.
Precisamos recordar o amigo conversador. Por anos, compartilhamos, nas tantas tarefas e em tantos lugares do mundo, especialmente, na América Latina e no Caribe. Inclusive, participando das conferências internacionais sobre sociologia da religião, campo no qual o doutor Otto Maduro é reconhecido como autoridade mundial. Sempre reservávamos um tempo para a conversa. Ele se interessava em saber a respeito de minha família, sobre o que cada um fazia. Minhas filhas Margarita e Nina eram assunto de conversa. E, imediatamente, seu Mateo querido, filho adorado por Otto. Nancy, sua esposa, e minha Raquel eram incluídas na conversa, sempre salpicada de anedotas, momentos gratos... arrebatamentos de alegria e devoção.
Gostaria de ressaltar três dimensões de Otto, que se complementam em sua dimensão pessoal e em seu trabalho acadêmico. Porque Otto era um intelectual orgânico que buscava dar consistência à teoria e assíduo na verdadeira práxis do amor. Por isso, seus estudantes eram sujeitos valiosos em suas mãos de artífice intelectual. Falava deles como tesouros valiosos, e sua razão de ser como professor e amigo. Realmente, venerava-os. O interesse pelo crescimento intelectual de seus estudantes era sua prioridade. E o respeito a seus colegas era o pilar de sua vida e pensamento. Otto amava o que fazia e odiava a mediocridade e a irresponsabilidade.
Dentro da grande produção intelectual, como escritor, quero destacar dois livros muito importantes de Otto Maduro. Em primeiro lugar, seu livro pioneiro, e leitura obrigatória para quem se interessa pelo tema da sociologia da religião: Religião e luta de classes (Petrópolis: Vozes, 1981). Esta é uma contribuição definitiva ao tema, fruto de sérias e profundas pesquisas. O trabalho foi escrito entre a indignação e a convicção. Explico-me. Expõe problemas imperativos, fruto de pesquisas detalhadas diante de textos cruciais e encarados com muita seriedade. Porém, igualmente, nega-se a dar uma palavra conclusiva. Sente-se ainda “no caminho”, buscando e aprofundando uma verdade que deve ser constatada na realidade cotidiana da injustiça social e na busca da justiça.
O outro livro é Mapas para a festa: reflexões latino-americanas sobre a crise e o conhecimento (Petrópolis: Vozes, 1994), que é um interessante percurso pelo tema do conhecimento, como busca para entender a realidade, nossa própria identidade e os desafios do mundo em crise. São “mapas” que buscam conhecer a partir do viver, com as implicações de dor e sofrimento a serem superados em festas que celebrem a vida e a afirmem. Através do livro todo, subjaz aquela reiterada afirmação de outro eminente teólogo da libertação e irmão de alma, Hugo Assmann: É mais importante reformular e refinar as perguntas do que buscar respostas simples e fáceis. Otto foi um escritor exigente consigo mesmo. Podia ser intenso e incisivo na crítica e no debate, mas nunca agredia ou menosprezava seus colegas e estudantes.
Otto foi ampliando seu horizonte de conhecimentos e de relacionamentos, abrindo-se para experiências desconhecidas, especialmente nas comunidades de fé pentecostal, com as quais compartilhou e as quais pesquisou com seriedade e honestidade intelectual. Inclusive, tornou-se membro da Sociedade de Estudos Pentecostais, na qual militou por 30 anos. Nela demonstrou uma abertura ecumênica que, segundo suas próprias palavras, “acrescentou bênção a minha vida espiritual”.
Otto demonstrou, além disso, uma grande capacidade administrativa e de condução acadêmica, tanto na Escola de Teologia da Universidade de Drew, como diretor do programa de doutorado em religião e sociedade, como na direção do Programa Hispânico de Verão.
Gostaria de relatar uma anedota que diz muito sobre Otto Maduro. Estávamos numa importante reunião ecumênica e dois colegas se alteraram numa discussão acalorada, em que um deles se sentiu profundamente ofendido e ferido. No último dia da reunião, foi programada uma eucaristia ecumênica. No momento de partilhar abertamente nossos anseios e visões, Otto expressou que não participaria da eucaristia enquanto esse colega ofendido não recebesse uma desculpa pública do ofensor. O bispo celebrante apressou que fosse reparada a ofensa antes de prosseguir. Uma vez reconciliadas as partes, Otto expressou: “agora, sim, participo com alegria, porque meus amigos estão reconciliados”. E partimos para o ato eucarístico.
Essa é a qualidade humana e cristã de Otto Maduro!
Otto, obrigado pelas anedotas, piadas, alegrias e sofrimentos que compartilhou conosco. Com você a amizade foi um inesquecível dom de graça e generosidade. Já perdemos o seu sorriso, mas, a recordação do amigo leal, sincero, transparente e carinhoso, fica inapagável.
Um grande abraço, grande irmão!