''Martini estaria contente com o caminho iniciado por Bergoglio''

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28 Outubro 2014

A última entrevista de Carlo Maria Martini, conhecida como o seu "testamento" e publicada pelo Corriere della Sera no dia seguinte à sua morte, ficou famosa pela frase: "A Igreja ficou 200 anos para trás. Como ela não se sacode?". "Na verdade, ele disse '200, se não 300'", explica o padre Georg Sporschill, o coirmão jesuíta que fez a entrevista e que também o entrevistou nos famosos Diálogos noturnos em Jerusalém.

A reportagem é de Stefano Pasta, publicada na revista Famiglia Cristiana, 26-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

"Eu me lembro – diz o padre Georg – da lucidez, mas também da decepção e da dor com as quais ele proferiu essas palavras. Hoje, não sei se ele as repetiria, mas seguramente estaria contente com o caminho que, com capacidade de surpreender, a Igreja começou. Francisco cumpriu o desejo de Martini no seu leito de morte."

A referência é ao recente Sínodo extraordinário sobre a família: "O primeiro sucesso é o método e a coragem para enfrentar certos temas de modo transparente. O papa disse que não serve o julgamento sobre as famílias necessitadas, mas o acompanhamento concreto. Pois bem, essa era a forma da ação pastoral de Martini, um estilo que dá credibilidade".

A ocasião para lembrar o cardeal é a apresentação na paróquia de São João de Latrão, em Milão, do livro Chi salva una vitasalva il mondo intero, do padre Stefano Stimamiglio, jornalista paulino da revista Credere, que conta a vida de Sporschill.

Na apresentação, o diretor do Corriere della Sera, Ferruccio De Bortoli, entrevista esse religioso austríaco do qual Martini foi tão amigo.

Eles se conheceram em 1982, em Viena, mas se visitaram principalmente nos anos da permanência do cardeal em Jerusalém (2002-2008) e em encontros posteriores em Gallarate. O último, no dia 8 de agosto de 2012, quando foi recolhido o "testamento", 23 dias antes da sua morte.

Há um traço que liga os dois amigos também a outro jesuíta, Bergoglio, e é fundamentalmente um sonho: "O de uma Igreja pobre e próxima dos pobres. Ou, melhor, pobre por ser próxima dos pobres. E o de uma Igreja corajosa, que não teme entrar nas tantas misérias espirituais dos homens de todos os tempos, as famosas periferias existenciais".

Essa amizade espiritual com quem sofre foi vivida pelos três coirmãos de modos diferentes, mas os uniu profundamente. O padre Sporschill, de sua parte, viveu-a na Romênia que saía do regime de Ceausescu em 1991, "tentando fazer alguma coisa" com os 20 mil jovens que viviam nas sarjetas de Bucareste e combatiam a fome cheirando verniz e cola. Ele tinha ido por seis meses e ficou por 20 anos. Agora, ao invés, está ao lado dos 800 mil membros da comunidade Rom que se estabeleceram na Transilvânia, também na Romênia, que vivem em condições de extrema pobreza nos barracos de madeira.

"Martini – conta o padre Georg – fez a escolha de uma Igreja pobre, em toda a sua ação. Quando iniciou a Cátedra dos Não Crentes, alguns pensaram que era um modo para convertê-los. Mas ele queria ser instruído pela sua perspectiva, uma sadia pobreza evangélica do ponto de vista intelectual. É a mesma atitude escolhida pelo papa para o Sínodo, em que prevaleceu a humildade de entender, sentando-se ao lado daqueles que sofrem."

O jesuíta austríaco, de fato, vê em Francisco a união entre discernimento e misericórdia, entre a dimensão intelectual e a da oração, que justamente caracterizava Martini.

O padre Stefano Stimamiglio também reitera a predileção pelo método indutivo: primeiro, olhar para a realidade, amá-la, entendê-la, fazer-lhe as perguntas certas. A partir daí, criticamente, tentar aplicar as regras gerais. Não o contrário, não receitas feitas e acabadas a serem aplicadas às situações concretas, ao custo de forçar estas últimas.

"Essa era uma das características de Martini – diz o padre Georg – que fascinava os jovens. Ele dizia que a Igreja não deve ensinar, mas escutar, escutar, escutar. Ele acrescentava que deveria pedir desculpas porque, muito frequentemente, especialmente em relação aos jovens, ele dera respostas a perguntas que não lhe haviam sido feitas, por exemplo, sobre o tema da sexualidade."

Pressionado pelas perguntas do diretor do Corriere, Sporschill confirma que se vê nas teses que causaram a Martini até julgamentos afiados. Muitas daquelas ideias foram expressadas justamente nos Diálogos noturnos em Jerusalém. Por exemplo, as críticas à Humanae vitae, de Paulo VI, também conhecida como a "encíclica da pílula", ou a abertura aos padres casados.

"Na Romênia – diz o padre Georg –, os padres uniatas, que fazem parte da Igreja Católica, podem se casar. Eu também acredito que o celibato deve ser uma escolha, e não imposto".

Mas depois acrescenta: "Eu acredito que hoje o verdadeiro problema dos sacerdotes, ao invés, é optar por estar no meio das pessoas, no hospital de campanha de que fala Francisco".

E à pergunta de quem é um bom cristão, ele respondeu: "Nesta noite, quando eu entrei nesta igreja, vi um pároco beijar um jovem na cabeça. Pois bem, essa é a atitude do bom cristão".

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