25 Agosto 2014
Há mais de três anos, muito do que o mundo viu, leu e aprendeu sobre o Oriente Médio foi produzido pelas mais novas mãos do jornalismo. Não são recrutas, no verdadeiro sentido da palavra; poucos têm o aval dos meios de comunicação estabelecidos. Muitos foram enviados para a região com orçamentos e apoio básicos – e até mesmo em se tratando de treinamento.
A reportagem é de Martin Chulov, publicada pelo jornal The Guardian, 21-08-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Mas da Tunísia à Síria, incluindo todas as paradas entre um lugar e outro, repórteres freelancers e fotojornalistas vêm reportando a história com uma determinação que a antiga mídia dificilmente conseguiria igualar, mesmo durante aquela época dourada de quando meios de comunicação poderiam se dar ao luxo de manter correspondentes e escritórios ao redor do mundo.
A Líbia foi como um ímã para muitos freelancers quando irrompeu a insurreição em fevereiro de 2011. Alguns cobriram a situação no vizinho Egito, outros se atraíram pelo jornalismo ao querer testemunhar o fim do Estado de Gaddafi.
Na medida em que a batalha do leste da Líbia acontecia nos arredores da cidade de Ajdabiya, os freelancers superavam, às vezes, em número os rebeldes contrários a Gaddafi na linha de frente.
Ambos os grupos – com muito poucos jornalistas empregados – saíam em busca de segurança quando as forças do regime avançavam. James Foley estava entre estes que buscavam abrigo.
James Foley, ex-repórter do jornal militar americano Stars and Stripes, era um exemplo típico desta nova tendência de profissionais. Ele chegou com um sentido de propósito e oportunidade e, às vezes, de imunidade aos perigos. Havia muitos compradores potenciais para as fotos que tirava da linha de frente, e não faltavam outros jovens jornalistas com a mesma mentalidade desejando estar fazendo a mesma função.
Em 2011, Foley foi capturado na Líbia junto de dois outros freelancers. Um amigo que viajava junto deles, o fotógrafo sul-africano Anton Hammerl, foi morto. Na mesma época, quatro jornalistas do The New York Times foram cercados por tropas de Gaddafi, capturados e levados para Tripoli. Foley foi solto após 44 dias e, em seguida, voltou a trabalhar como repórter.
Para as empresas de comunicação, a Líbia era um mercado para compradores. Muitos repórteres freelancers trabalhavam sem nenhum plano de saúde, sem ter suas despesas pagas ou mesmo os gastos com avião de volta para suas casas.
A Líbia, porém, logo provou ser tão potente e imprevisível quanto qualquer outra guerra. A narrativa do “bom garoto / mau garoto” que estava clara no início transformou-se rapidamente para uma narrativa de incerteza. Decisões difíceis e importantes precisaram ser tomadas sobre em quem confiar e quando largar tudo e correr.
Para muitos freelancers, a segurança em números oferecia a melhor estratégia. Foley construiu fortes laços de amizade com muitos colegas que encontrou ao longo do caminho, alguns dos quais seriam seus colegas na Síria – ou mesmo dividiriam a mesma cela que ele quando presos.
Depois da queda de Tripoli e da morte de Gaddafi dois meses mais tarde, a Líbia rapidamente se tornou pouco interessante do ponto de vista noticioso. Nessa época, a nova guerra na Síria era o assunto dominante. Ela logo se transformou no conflito mais perigoso a se cobrir em todo mundo. E muitos daqueles que começaram a trabalhar como repórteres no norte da África rapidamente foram para os campos de morte das localidades de Aleppo, Idlib, Homs e Hama.
Mas o fato de que a guerra síria era muito mais importante não significou qualquer mudança na forma como a cobertura era financiada. Os meios de comunicação que queriam histórias e imagens do momento estavam voluntariamente aceitando o trabalho feito nas linhas de frente na Síria.
Foley novamente estava aqui, junto de Manu Brabo, que tinha sido capturado com ele na Líbia e que iria receber um prêmio Pulitzer como fotógrafo contratado pela Associated Press por seu trabalho neste país.
Em todo esse período, eles e outros freelancers estavam usando nada mais do que a sua inteligência para sobreviverem num ambiente cada vez mais hostil.
De julho de 2012 a meados de 2013, os riscos assumidos por muitos repórteres – incluindo profissionais contratados com apoio institucional – ofuscavam, cada vez mais, os prêmios e recompensas. Na ocasião, trabalhar no norte da Síria tinha era quase impossível por causa da ameaça de sequestros. Cada viagem que se fazia ao longo da fronteira envolvia um risco real de não se fazê-la de volta.
A sorte de James Foley acabou em novembro de 2012. Foi apreendido próximo da cidade síria de Binnish, junto de outro fotógrafo com quem havia entrado no país. Ambos estavam no último dia de uma viagem de duas semanas através de regiões perigosas que eles conheciam bem.
Incialmente Foley foi capturado por um caudilho local que, mais tarde, se juntou ao grupo Estado Islâmico, levando consigo o seu valioso achado.
No ano que se seguiu, pelo menos outros 11 jornalistas foram capturados na Síria, incluindo muitos repórteres contratados. Mesmo assim, as demandas pelo trabalho de freelancers continuaram, com poucos meios de comunicação preparados para garantir que algum trabalhador não contratado trabalhasse dentro do país.
Desmontado, este jornalismo revestido criou oportunidades para aqueles que se arriscam, mas permitiu também que os meios de comunicação se escondam por detrás de frases prontas como um meio de abdicar de suas responsabilidades.
Rádios, redes de televisão e meios impressos continuam a terceirizar as coberturas que fazem a repórteres que, frequentemente, trabalham sem proteção básica.
O preço desta negligência tem sido pago nas masmorras do norte da Síria. O que acontece no Oriente Médio tem sido uma das histórias mais importantes de nosso tempo, sendo cada ato tão significativo em termos globais quanto o fim da guerra fria. Muitos meios de comunicação vêm cobrindo estes acontecimentos através da exploração.