Por: Cesar Sanson | 30 Julho 2014
"Está claro que Felipão precisa se reinventar. Estudar mais o futebol, ir além do discurso motivacional que deu muito certo por um tempo, mas que hoje se mostra insuficiente para formar uma nova equipe vencedora. Deixar pra trás as táticas medievais que encantam o torcedor mais fanático, mas que perderam o espaço em um futebol que exige cada vez mais variedades técnicas e táticas". O comentário é de Fabio Chiorino em artigo publicado no blog Esporte Fino, 29-07-2014.
Eis o artigo.
Por duas semanas, o Scolarismo esteve internado na UTI. Nessa terça-feira fria em São Paulo, voltou a abrir os olhos. O Grêmio anunciou o retorno de Luiz Felipe Scolari ao comando técnico do clube, após 18 anos de separação. Por alguns segundos, o semblante de todos os outros torcedores (e até mesmo o de alguns gremistas) se enche de incredulidade. Felipão? Aquele que apanhou de 7 da Alemanha? O treinador defasado? Os anos 90 estão de volta? Como assim?
O sebastianismo talvez explique a nova aposta, mas existem outros fatores a serem considerados. A justa crítica em relação à inoperância de Felipão demonstrada na Copa do Mundo deve ser acompanhada de uma análise geral do futebol brasileiro. Afinal, Felipão é o espelho, mas não o retrato completo dessa obsolescência. Sim, Felipão e a Seleção brasileira pararam no tempo. Algo muito diferente do que se vê no futebol praticado por aqui? A pergunta retórica indica que existe a chance de o treinador voltar a ter algum sucesso, mesmo que não duradouro. A oportunidade está justamente em voltar a treinar um time brasileiro de grande expressão. E mais: em um clube onde tem histórico e reconhecimento garantidos.
Após uma conquista épica da Copa do Brasil pelo modesto Criciúma, Felipão foi contratado pelo Grêmio, em 1993, e foi um dos grandes responsáveis pela fase mais vitoriosa da história do clube (algo que voltou a acontecer a partir de 1997 pelo Palmeiras). Pelo tricolor gaúcho, foram três Campeonatos Gaúchos, uma Copa do Brasil, uma Libertadores, uma Recopa e um Campeonato Brasileiro. E foi nesse intervalo que ganhou o status de rei do mata-mata, copeiro e outras alcunhas que o levaram para a conquista do pentacampeonato da Seleção brasileira.
Mas de 2002 pra cá, sobrou um ou outro lampejo daquele treinador que conseguiu conquistar algo muito raro no futebol: tornar-se ídolo de uma torcida. Teve um trabalho bastante honesto por Portugal, culminando em um vice da Eurocopa e um quarto lugar na Copa de 2006, mas fracassou no Chelsea e se aventurou no Uzbequistão, o que provavelmente lhe garantiu uma aposentadoria eterna. No retorno ao Palmeiras, a inesperada conquista da Copa do Brasil em 2012 foi ofuscada pela campanha risível que levou o clube paulista ao seu segundo rebaixamento.
Está claro que Felipão precisa se reinventar. Estudar mais o futebol, ir além do discurso motivacional que deu muito certo por um tempo, mas que hoje se mostra insuficiente para formar uma nova equipe vencedora. Deixar pra trás as táticas medievais que encantam o torcedor mais fanático, mas que perderam o espaço em um futebol que exige cada vez mais variedades técnicas e táticas. Engessar a perna de um jogador sadio, jogar sete bolas no meio do campo para paralisar o jogo, mandar o time sodomizar o adversário dentro de campo. Tudo isso fará sempre parte do folclore que, de alguma forma, ajudou a consolidá-lo como um dos maiores técnicos da história do futebol brasileiro.
A magia de Felipão há tempos não surte efeito, mas ainda é prematuro anunciar a sua aposentadoria. Até porque é uma decisão que cabe exclusivamente a ele, ou, no máximo, aos clubes que abrem suas portas para o treinador. Ele poderia esperar um tempo, buscar uma reciclagem, deixar a pressão da Copa se esvair aos poucos. Mas optou por assumir o desafio, um risco que talvez nem ele próprio seja capaz de calcular no momento. Pode-se dizer tudo de Felipão, menos que lhe falta coragem. Estará em suas mãos (e em seu místico bigode) talvez a última chance de finalizar sua biografia com louvor. Nem que, para isso, passe todos os próximos dias resmungando pelos cantos. Porque assim é Felipão. E é assim que muitos o adotaram como a maior esperança.
Foto: Rafael Ribeiro.