Maciel, uma mancha no papado de João Paulo II

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Por: André | 23 Abril 2014

Reconhece-se que o Papa João Paulo II ajudou para que o comunismo viesse abaixo, que inspirou uma nova geração de católicos durante um papado de giros mundiais e que explicou o ensinamento eclesiástico em temas polêmicos, enquanto o cristianismo chegava ao seu terceiro milênio. Mas o escândalo dos abusos sexuais que ulcerou o seu mandato continua a ser uma mancha no seu legado.

 
Fonte: http://hrld.us/1jxpHi9  

 A reportagem é de Nicole Winfield e publicada no jornal El Nuevo Herald, 21-04-2014. A tradução é de André Langer.

João Paulo II e seus colaboradores mais próximos não assumiram a gravidade do problema dos abusos, senão apenas quase no final do seu papado de 26 anos, embora desde a década de 1980, os bispos dos Estados Unidos tenham pedido à Santa Sé uma forma mais rápida para lidar com os padres pederastas.

Acredita-se que o que João Paulo II viveu na Polônia – sob um governo comunista e nazista, onde padres inocentes muitas vezes eram desacreditados com acusações infundadas – influiu na sua defesa do clero. A saída de clérigos depois da turbulenta década de 1960 também o fez tratar de manter os sacerdotes que ainda tinha.

O Papa Francisco herdou o fracasso mais notório de João Paulo II no tema do abuso sexual: a ordem dos Legionários de Cristo, que o papa polonês e seus principais colaboradores apresentaram como modelo.

Francisco, que canonizará o Papa João Paulo II no dia 27 de abril, deve decidir se avaliza um projeto de três anos para reformar a ordem, imposto depois que os Legionários admitiram que seu falecido fundador abusou sexualmente de vários seminaristas e que teve três filhos.

No entanto, o reconhecimento feito pelos Legionários de Cristo em 2009 sobre a vida dupla do padre Marcial Maciel não foi notícia para o Vaticano.

Documentos dos arquivos da então Sagrada Congregação para os Religiosos mostraram como uma sucessão de papas – inclusive João XXIII, que também será canonizado no próximo domingo – simplesmente ignorou informações confiáveis de que Maciel era um caloteiro, usuário de drogas, pederasta e uma fraude religiosa.

Em 1948, sete anos depois que Maciel fundou a ordem, a Santa Sé teve documentos de enviados vaticanos e bispos do México e da Espanha que questionavam a legitimidade da ordem de Maciel, destacando a questionável fundação legal da sua ordem e alertando sobre o seu comportamento “totalitário” e as violações espirituais aos seus jovens seminaristas.

Os documentos mostram que a Santa Sé estava inteirada do uso de drogas por parte de Maciel, dos seus abusos sexuais e de irregularidades financeiras desde 1956, quando ordenou uma investigação inicial e o suspendeu por dois anos para curar-se de uma dependência de heroína.

No entanto, durante décadas e graças à habilidade de Maciel de manter silenciados os seus próprios sacerdotes, sua habilidade em colocar os legionários confiáveis em postos chaves no Vaticano e seu cuidadoso cultivo de relações com os cardeais vaticanos, bispos mexicanos e católicos poderosos e endinheirados, Roma preferiu virar para o outro lado.

João Paulo II, que em 1994 disse que Maciel era “um eficaz guia para os jovens”, não estava sozinho em sua ingenuidade.

Seus principais assessores foram também alguns dos mais ferozes defensores do líder legionário, convencidos de que as acusações contra ele eram “calúnias” arremessadas contra o maior dos santos. Além disso, viram-se influenciados por numerosos testemunhos de bispos e outros sobre a grandeza de Maciel, como assinalam documentos dos arquivos vaticanos que foram filtrados e disponibilizados na internet em 2012 por vítimas mexicanas.

Dois anos depois que o Vaticano sentenciasse Maciel a uma vida de pena e oração por abusar sexualmente de seus seminaristas, o cardeal Angelo Sodano, mão direita do papa, continuava reconhecendo ainda em 2008 o espírito de Maciel e sua “humildade”, e renunciou depois que o Vaticano finalmente o confrontou com as acusações.

O cardeal Franc Rodé, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, disse nesse mesmo ano a sacerdotes legionários que ele absolvia Maciel e reconheceu os “bons frutos” que os Legionários de Cristo deram à Igreja.

“A fruta é boa. A fruta é extraordinariamente boa. É excelente”, disse Rodé de acordo com um discurso de novembro de 2008 que foi divulgado no portal da internet do jornal mexicano El Zócalo. “Então, podemos dizer que a árvore é má? Do ponto de vista lógico, diria que não. Absolvo o padre Maciel. Não o julgo”.

A fraude de Maciel, um dos maiores escândalos da Igreja católica no século XX, faz surgir perguntas incômodas para o Vaticano de hoje sobre quantas pessoas foram ingênuas por tanto tempo.

Também faz duvidar sobre como a própria estrutura da Igreja, com seus valores e suas prioridades, permitiu que uma ordem, como um culto, crescesse dentro dela. Também traz a pergunta de até onde vai a responsabilidade pelo dano feito.

Finalmente, há a questão de se a ordem realmente está purgada dos abusos que permitiram que gerações de sacerdotes se submetessem a uma obediência cega a um falso profeta.

Em 2013, em seu livro Vivi com um santo, o cardeal polonês Stanislaw Dziwisz, colaborador de João Paulo II durante muito tempo, disse que o papa “não soube absolutamente nada” sobre a conduta de Maciel.

“Para ele, Maciel era o fundador de uma grande ordem religiosa, e nada mais. Ninguém lhe disse nada, nem sequer sobre os rumores que havia ao seu redor”, escreveu Dziwisz, um dos principais defensores da sua pronta canonização.

Culpou a “estrutura extremamente burocrática” do Vaticano por evitar que esta informação chegasse a João Paulo II e negou que o pontífice não reagisse logo ao escândalo de abusos.

Mas Juan Vaca não concorda.

Vaca foi superior dos Legionários de Cristo nos Estados Unidos de 1971 a 1976, quando saiu da ordem e incardinou-se na diocese de Rockville Center, Nova York. Em 1979, um ano depois que João Paulo II foi eleito papa, o bispo de Vaca enviou à Congregação Religiosa documento escandaloso onde ele mesmo e outros ex-sacerdotes legionários detalhavam o abuso sexual que eles e outros 19 prelados e seminaristas suportaram nas mãos de Maciel.

Depois, ele e meia dúzia de ex-legionários apresentaram um caso canônico contra Maciel no Vaticano, em 1998. Passaram-se oito anos, e a morte de João Paulo II, para que o Papa Bento XVI punisse Maciel.

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