Um novo ciclo de lutas. Artigo de Raúl Zibechi

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Por: André | 27 Outubro 2015

“A estrondosa queda dos preços das matérias-primas encerra um ciclo econômico, mas também político. A ilusão de que se tratasse de uma queda momentânea vai cedendo diante da convicção de que os baixos preços podem arrastar-se por um bom tempo, até 20 anos”, escreve Raúl Zibechi, em artigo publicado por La Jornada, 02-10-2015. A tradução é de André Langer.

E acrescenta: “Os sujeitos da derrota do extrativismo serão os povos e comunidades organizados em movimentos. Os governos e os partidos estão mais preocupados em manter seus privilégios do que em encarar a batalha contra o modelo. Os fatos dizem que o novo ciclo de lutas que irá derrubar o modelo está sendo protagonizado pelos camponeses e as comunidades indígenas, seguidos pelos pobres das periferias urbanas, os jovens e as mulheres dos setores populares”.

Eis o artigo.

A estrondosa queda dos preços das matérias-primas encerra um ciclo econômico, mas também político. A ilusão de que se tratasse de uma queda momentânea vai cedendo diante da convicção de que os baixos preços podem arrastar-se por um bom tempo, até 20 anos, segundo alguns especialistas citados por Bloomberg.

As razões desta queda são discutíveis. Há quem atribua a queda dos preços do petróleo a uma manobra dos Estados Unidos com vistas a atingir Rússia, Venezuela e Irã, ao passo que outros acreditam que é impulsionada pela monarquia saudita para inviabilizar a extração do fracking naquele país, que ameaça deslocá-la como maior produtora global. A menor demanda da China é a explicação mais plausível para a queda de outras mercadorias, sem descartar a marca da especulação financeira em todas as commodities.

O certo é que o índice de preços das commodities elaborado por Bloomberg, que inclui ouro, petróleo e soja, caiu pela metade desde o seu máximo histórico do primeiro semestre de 2011. A multinacional Glencore-Xstrata, que controla a maior parte da produção de minérios e de grãos do mundo, registra perdas na Bolsa de Londres superiores a 30% nas últimas semanas, totalizando uma queda de 74% em 2015. Outras multinacionais do setor enfrentam situações similares.

Na América Latina, esta mudança de ciclo antecipa graves problemas e algumas oportunidades. Todos os países enfrentam dificuldades fiscais e comerciais que os levam a reduzir os orçamentos do Estado e o gasto público. Em alguns países, como o Equador, contempla-se uma redução de 5% do gasto, e o orçamento do próximo ano será calculado com base no preço do petróleo em 40 dólares.

Como assinala o economista equatoriano Carlos Larrea em recente entrevista, tudo isto está bem, mas o problema é que é insuficiente. Isto seria uma ótima estratégia se tivéssemos uma recuperação dos preços do petróleo logo, mas se isso não acontecer, o que é bastante provável, esta estratégia não funciona.

O novo ciclo econômico já está afetando as políticas sociais que foram possíveis graças ao superávit proporcionado pelos altos preços das exportações. Em vários países, como o próprio Equador, já houve redução no funcionalismo público. No Brasil, aplica-se um ajuste fiscal que, na opinião do economista Eduardo Fagnani na revista IHU On-line de setembro, está provocando um grave retrocesso social.

Na opinião de muitos economistas, a melhor política social é o emprego. No Brasil, o salário mínimo cresceu 70% acima da inflação na última década e o desemprego chegou a mínimos 4,8% em dezembro de 2014. Mas hoje já está em 7,5% (8,6 milhões de desempregados) e estima-se que terminará o ano em 9% ou 10%. Nos outros países, os índices sociais começam a recuar, ainda que de forma lenta, com aumentos nos níveis do desemprego e da pobreza.

Estes são, muito sumariamente, alguns dos problemas derivados da mudança no ciclo econômico que se aprofundarão caso, como tudo indica, a Reserva Federal dos Estados Unidos elevar as taxas de juro nos próximos meses. Estamos diante de uma crise que pode tomar duas direções: ajustes fiscais ou questionamento do modelo extrativista.

No primeiro caso, os governos sofrerão uma forte diminuição de suas bases de apoio, já que boa parte dos setores populares que os levaram ao governo começará a desertar. Alguns podem tentar retomar a mobilização para pressionar por suas demandas, mas outros podem apostar em partidos conservadores e de direita. Algo assim parece estar acontecendo no Brasil, onde o ajuste imposto pelo Governo Dilma Rousseff provocou uma acentuada queda de sua popularidade, que caiu para 7% do eleitorado.

Semelhante situação não pode ser resolvida no médio prazo, mas com uma vitória eleitoral da direita, que também pode conseguir o afastamento da presidenta pela via parlamentar.

Estamos diante da oportunidade de sair do modelo atual, ou seja, um crescimento baseado na exportação de commodities. Para isso, é imprescindível romper com a política de inclusão via consumo, para encarar reformas estruturais que até agora não foram realizadas ou foram realizadas muito timidamente: as reformas tributária, agrária, urbana, da saúde e do sistema político, esta última ainda pendente no Brasil.

Mas a saída do modelo extrativista apresenta, nesta conjuntura, dois grandes desafios.

O primeiro, é o fato de que o cenário mundial caminha na direção contrária. Por um lado, as classes dominantes parecem estar empurrando as sociedades de volta para o século XIX, através da desmodernização e da desdemocratização, como aponta Aníbal Quijano, através do capital financeiro que está promovendo uma forte reconcentração do poder global. Por outro lado, as potências emergentes como China apostam no mesmo modelo extrativista que o império.

O segundo desafio é decorrente do primeiro: não há saída do modelo sem crise política. Sair do modelo significa derrotar o capital financeiro que o sustenta e as elites locais que o implementam. Será um conjunto de duras batalhas, como demonstra o caso do Peru, onde se houve estes dias um novo massacre contra comunidades que resistem à mineração, na região andina de Apurímac.

Os sujeitos da derrota do extrativismo serão os povos e comunidades organizados em movimentos. Os governos e os partidos estão mais preocupados em manter seus privilégios do que em encarar a batalha contra o modelo. Os fatos dizem que o novo ciclo de lutas que irá derrubar o modelo está sendo protagonizado pelos camponeses e as comunidades indígenas, seguidos pelos pobres das periferias urbanas, os jovens e as mulheres dos setores populares.

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