27 Julho 2015
As línguas às vezes falam por alusão, às vezes sabem ser impiedosas como a realidade. O hebraico, por exemplo, conhece um particípio passivo (e como poderia ser de outra forma) para indicar uma condição que, em italiano, não tem como se expressar: a do progenitor que perdeu um filho. Mãe ou pai que seja, muda apenas um frágil sufixo. Mas é uma palavra terrível, que, quando você a encontra, você se aterroriza com a dor absurda que relata, além do fato de que, em italiano, ela não existe.
O relato é da escritora e tradutora italiana Elena Loewenthal, estudiosa do judaísmo, publicado no jornal La Stampa, 18-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E agora, ei-la diante dos meus olhos, essa palavra, com uma voz e um rosto muito diferentes de como eu os imaginava, com um sorriso doce que é a primeira coisa que aparece dela, na porta de casa. Rachel Fraenkel sepultou o seu Naftali no dia 1º de julho de um ano atrás. Ele tinha 16 anos. Na realidade, ela o perdera no dia 12 de junho anterior, quando se perderam os rastros de Naftali, Yilad Shaar e Eyal Yifrach nos arredores da parada de ônibus de Alon Shvut. Os corpos dos três rapazes foram encontrados no dia 30 de junho, perto de Hebron.
Rachel é uma professora de Talmude com uma licenciatura em biologia, além de ser uma grande especialista em lei hebraica. Ela traz consigo aquela mansidão que vem de uma força extraordinária, a mesma que ela colocou dentro da voz quando, no funeral do filho, fez um gesto realmente surpreendente, recitando publicamente o Kaddish, a oração pelos defuntos, que no fundo é um hino exaltado e desesperado à onipotência (e à incognoscibilidade) divina, e entrando com a própria dor naquele território litúrgico judaico exclusivamente masculino.
"Eu disse o Kaddish também pelo aniversário de Naftali", diz, com olhar firme. A um ano de distância, a família vive na mesma casa de Nof Hayalon, não muito longe de Jerusalém, em um caos magmático de livros, pratos, brinquedos, sapatos de criança. Há também dois porquinhos da Índia em uma grande gaiola que está na sala de estar. Ao lado da porta de entrada, uma pilha de bicicletas de diferentes tamanhos e estados de conservação. É aquela desordem tipicamente israelense, onde há crianças que brincam, vivem e falam.
"São seis agora. Menino, menina, menina, menina, menina, menino." Dos 25 aos 5 anos. Todos com a marca de família: olhos brilhantes, uma pitada de melancolia no olhar, cabelos abundantes, pele clara. O menor toma um sorvete de morango e sorri escondendo o rosto contra o pescoço de sua mãe, que está sentada.
"O que mais me ajudou nesses meses? Muitas coisas. O coração das pessoas que vieram me encontrar, abrindo-o para mim. A comunidade aqui ao nosso redor. E depois? A família, a família, a família. Os filhos são uma bênção do céu. É isso mesmo."
As fotografias
Rachel se debruça sobre uma caixa. Dentro, há uma pilha de fotografias. Ela pega uma e a mostra. "Naftali. Mas aqui ele está um pouco menor de como ele estava quando deixou de existir." A voz não muda. Há nela uma calma surpreendente, que não vem só daquela fé que guia toda a família em cada momento do dia. É algo diferente, que vai além da fé e é difícil de decifrar: eu penso em como tremeria a minha mão se eu tivesse que mostrar a fotografia daquele filho.
"Mas as pessoas são pessoas normais, mesmo quando se tornam 'estrelas'. A família: o meu mundo é esse. Essa é a vida. O judaísmo é a cultura da vida, e talvez também por isso nos sentimos próximos da Itália daqui: porque somos pequenos e porque admiramos e apreciamos a vida. Nesses meses, meu marido e eu aprendemos a abrir espaço para o riso e para o pranto nos nossos corações. A não rejeitar nem um nem outro."
Rachel não sabe o que é a solidão. Mas a impressão que dá é a de uma pessoa capaz de suportar até mesmo a solidão e, mais do que nunca, aquela inevitável que vem de uma dor indescritível como a dela. Que a transformou, ou talvez não: tirou para fora aquilo que já existia.
Como em 2014, quando participou de uma manifestação em memória de Yitzhak Rabin "alternativa" à secular e progressista. No fundo, essa mulher representa o rosto humanista mais autêntico do judaísmo religioso, com a sua história milenar que começa com o rabino Hillel e chega até Martin Buber.
O mundo não se sustenta só sobre o princípio da justiça, também é preciso a piedade, que, aliás, é a capacidade de se colocar no lugar dos outros, de reconhecer o outro além de mim.
Uma semana depois do funeral de Naftali e dos seus dois amigos (eles estão enterrados juntos, em Modiin), Rachel pediu para ir encontrar a família do adolescente palestino morto em Jerusalém. Ainda não lhe abriram a porta, mas ela não perdeu a esperança de encontrá-los, mais cedo ou mais tarde. Desde então, ela se tornou, em Israel e além – em breve virá para a Itália, diz – uma figura pública, uma voz importante.
"Não, solidão nunca. Os colegas de Naftali, por exemplo, sempre estiveram muito, muito perto. Solidão nunca, porque muitos vieram nos ver, nos dar uma palavra de conforto, nos fazer sentir a sua proximidade, mesmo que viessem de longe. E, depois, nesta casa, quando você tem a tentação de enfiar a cabeça debaixo das cobertas e desaparecer por um instante, logo tem uma criança que sobe na cama e, com as mãozinhas, levanta o cobertor, para colocar o seu rostinho junto com o seu."
Os outros filhos
Eu atravesso a sala de estar com o olhar: dois rostinhos estão nos olhando do terceiro degrau da escada que leva ao andar de cima. Uma menina de quase 12 anos (em breve fará a maioridade religiosa, me contra Rachel) está varrendo apática mas judiciosamente. Uma um pouco menor espreita dentro do forno. O menor quase acabou de deixar a marca do seu sorvete na camisa da mamãe.
Abre-se a porta de trás, na caótica cozinha, e lá chega um rapaz com uma enorme challah, o pão festivo em forma de guirlanda: está para "entrar" o Sábado, é hora de arrumar a casa para acolher a festa.
Para Rachel, é um Sábado como todos os outros, feito de repouso e de vozes que se elevam todas juntas para cantar. Para mim, seguramente será um pouco diferente de todos os outros, agora que eu a encontrei.