Laudato Si’. Uma “Contemplatio” inspiradora

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25 Junho 2015

"Afirmação da encíclica sobre a vida como uma teia de existência multidimensional inter-relacionada articula e eleva as diversas cosmologias místicas da sustentabilidade dos indígenas e das comunidades da Ásia, da África e da América Latina rurais", escreve Jojo M. Fung, membro da região que compreende a Companhia de Jesus na Malásia e em Singapura, professor assistente de Teologia Sistemática na Loyola School of Theology nas Filipinas, em artigo publicado por America, 18-06-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Eis o artigo.

As reflexões pessoais do Papa Francisco em Laudato Si’ servem como uma contemplatio, uma “admiração contemplativa das criaturas” (n. 125). Esta contemplação abre em nós um desejo crescente de saborear a presença mística de Deus. O amor de Deus é experimentado como uma atividade inundadora e sustentadora na criação, onde os pobres de hoje e amanhã se esforçam por encontrar um lugar na nossa casa comum.

O quadro filosófico-teológico e moral de Laudato Si’ faz os fiéis cristãos e de outras religiões (re-) valorizarem as tradições religiosas particulares. Este enquadramento postula que a criação pertence “à ordem do amor” (n. 77), enquanto a terra é um dado, um dom de Deus para todos (n. 67, 93). O anthropos é criado à imagem e semelhança de Deus (n. 65), que goza de relações “intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra” (n. 66). Mas esta harmonia é rompida pelo pecado que gera a exploração desenfreada da natureza. No entanto, a criação como um todo continua “[aberta] à transcendência de Deus, dentro da qual se desenvolve” (n. 79) e a humanidade é chamada a ser cocriadora (colaboradora) da criação (n. 80) e restaurar a harmonia. Estes cocriadores devem moralmente se certificar de que “a terra é, essencialmente, uma herança comum, cujos frutos devem beneficiar a todos” (n. 93).

Afirmação da encíclica sobre a vida como uma teia de existência multidimensional inter-relacionada (nn. 70, 138, 141, 240) articula e eleva (nn. 143-144) as diversas cosmologias místicas da sustentabilidade dos indígenas (n. 146) e das comunidades da Ásia, da África e da América Latina rurais. Essas comunidades afirmam que “há um mistério a contemplar numa folha, numa vereda, no orvalho, no rosto do pobre” (n. 233), pois “em cada criatura, habita o seu Espírito vivificante” (n. 88). A sua cosmologia mística impele-nos a contemplar as verdades inspiradoras da encíclica de que “o universo desenvolve-se em Deus, que o preenche completamente” (n. 233), de modo que “Deus é para ele todas as coisas” (n. 234) com uma teleologia de que a “criação propende para a divinização” e para uma “unificação com o próprio Criador” final (n. 236).

O chamado para uma ecologia integral (nn. 138-162, 230, 255) é desafiador. A ecologia integral abraça a vida econômica, social, cultural e cotidiana, exige uma opção preferencial pelos pobres (n. 158) de hoje e do futuro (n. 162), um compromisso perene para tanto com a solidariedade intra- e intergeracional (n. 162) quanto com o diálogo para a realização humana. A ecologia integral e o desenvolvimento sustentável e equitativo (n. 192) são realizáveis somente com uma conversão (n. 218) em direção a “um estilo de vida profético e contemplativo” de que “quanto menos, tanto mais” (n. 222). Este estilo de vida equilibrado valoriza uma “capacidade de admiração” e uma “paz interior das pessoas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com o bem comum” (n. 225).

A encíclica oferece uma visão que vale a pena destacar: educar a geração de hoje e de amanhã (n. 159-162) para superar o paradigma tecnocrático reducionista (nn. 106-108), o relativismo prático generalizado (n. 123) que perpetua uma esquizofrenia permanente (n. 118) em uma sociedade pós-moderna. Esta ecoeducação exige a) “crítica dos ‘mitos’ da modernidade baseados na razão instrumental”; b) a recuperação dos “distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus”; c) o desenvolvimento de uma ética da ecologia que seja capaz de ajudar as pessoas a “efetivamente a crescer na solidariedade, na responsabilidade e no cuidado assente na compaixão” (n. 210).

Além disso, a “cidadania ecológica” imaginada pela “responsabilidade ambiental” (n. 211) exige práticas ecologicamente sensíveis causadas por “virtudes” e “bons hábitos”, variando desde “evitar o uso de plástico e papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, [até] tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias…” (n. 211).

Esta encíclica oferece a todos “um lugar sagrado” para a contemplação e um “lugar seguro” para o diálogo entre ciência, tecnologia, política, economia, culturas e religiões a fim de assegurar o despertar “duma nova reverência face à vida, pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida” (n. 207).

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