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25 Fevereiro 2015

Há também uma religião – o cristianismo – que está complicando o conflito entre Rússia e Ucrânia, já bem duro por causas geopolíticas e econômicas. Para entender o aspecto "religioso" desse bloqueio, é preciso começar de 988, quando o príncipe Vladimir de Kiev foi convertido por missionários provenientes de Constantinopla. E, depois dele, todas as suas pessoas foram forçadas a se tornarem cristãs, seguindo o rito bizantino.

A reportagem é de Luigi Sandri, publicada no jornal Trentino, 23-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Em meados do século XIII, quando os tártaros saquearam Kiev, o bispo metropolita da cidade fugiu para a Rússia e, mantendo sempre o seu título, fixou a sua sede em várias cidades e, finalmente, em Moscou, fundada apenas em 1147. Quatro séculos depois, o grão-duque moscovita se tornaria czar (imperador), e o metropolita, patriarca.

Não só: depois do trauma de 1453 – quando os turcos otomanos conquistaram Constantinopla (a Segunda Roma) e puseram fim ao Império Romano do Oriente –, a Igreja Russa se imporia como a ponta de lança da Ortodoxia, e Moscou se consideraria como a invencível "Terceira Roma".

Em 1595-1596, a maioria dos bispos ucranianos, formalmente ligados a Moscou e a Constantinopla, reconheceram o papado, afirmando que, na realidade, nunca tinham se separado dele. Moscou considerou essa escolha uma alta traição; entre ortodoxos e greco-católicos (ucranianos de rito bizantino, chamados de "uniatas" pelos ortodoxos), eclodiram violentos confrontos.

Saltemos alguns séculos: em 1946, em Lviv, um Sínodo – ilegalmente convocado e manipulado pelo Kremlin – proclamou dissolvida a união dos greco-católicos com Roma. Eles foram colocados fora da lei, e os seus bens, confiscados pelo Estado soviético, ou dados para a Igreja Ortodoxa.

Na Ucrânia, formalmente, permanecem apenas duas Igrejas: a latina (uma minoria) e a ortodoxa (a maioria). Os "uniatas" vivem como clandestinos ou são presos.

Mas, quando se dissolveria a União Soviética (1990-1991), na Ucrânia independente, os greco-católicos reencontraram a liberdade, e a Igreja Ortodoxa se dividiu em três partes: uma, a mais difundida, ligada a Moscou, e outras duas independentes, mas não reconhecidas pelas outras Igrejas Ortodoxas.

Agora, nos fatos dos últimos meses, os "uniatas" defenderam o novo governo de Kiev, que se opõe às reivindicações das regiões ucranianas orientais que querem maior autonomia de Kiev, e algumas, a independência ou a passagem para a Rússia, assim como fez a Crimeia; enquanto a Igreja Ortodoxa Ucraniana, ligada a Moscou, vai levando como pode.

Grande parte dos soldados de ambos os frontes são cristãos: católicos, "uniatas" e latinos, e ortodoxos, ucranianos e russos. Por isso, em relação a esse conflito, no dia 4 de fevereiro, o papa exclamou: "Essa é uma guerra entre cristãos! Pensem nesse escândalo".

E, na sexta-feira passada, Francisco lamentou os contrastes entre católicos ucranianos de vários ritos (os latinos, especialmente de origem polonesa, e os "uniatas", fervorosos nacionalistas).

Sendo essa a situação, a história vai dizer se, no conflito em curso, os cristãos russos e ucranianos estarão, ou não, à altura do Evangelho.