20 Fevereiro 2024
"Se convocar juntos padres e leigos para apoiarem um bispo na direção de uma diocese católica significa uma fuga para frente pessoal e solitária "que não leva a nada de bom", então é preciso realmente concordar com Bismarck: os bispos católicos são meros funcionários do sumo pontífice romano", escreve o teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 18-02-2024.
Eis o artigo.
Há poucos dias o bispo de Essen, Franz-Josef Overbeck, anunciou a criação na diocese de um "gemeinsamer Rat" composto por padres e leigos - como concretização na Igreja local dos processos sinodais em curso em nível nacional e global.
Muito rapidamente, no site alemão da revista Communio, Jan-Heiner Tück, professor de teologia dogmática na Faculdade Católica de Teologia da Universidade de Viena, interveio para estigmatizar a escolha do bispo. Fazendo quatro críticas básicas.
1) O Conselho de Essen foi estabelecido antes do final do Sínodo da Igreja Católica sobre a sinodalidade; ironicamente, Tück se pergunta se Overbeck, com essa decisão, não “quer entrar para a história como o pioneiro da Igreja dos Conselhos na Alemanha”.
2) Dadas as repetidas advertências que Roma tem feito em relação ao Caminho Sinodal Alemão, especialmente no que diz respeito ao estabelecimento de um Conselho Sinodal nacional, o comportamento do bispo de Essen seria veladamente hostil para com a Cúria Romana.
3) O teólogo alemão observa então que já existem conselhos presbiteral e diocesano e que, portanto, a criação de um terceiro conselho apenas sobrecarregaria as estruturas da diocese. Além disso, observa que o vigário geral faria sim parte do “gemeinsamer Rat”, mas sem direito de voto.
4) Por fim, Tück olha para o sucessor de Overbeck, perguntando-se se ele necessariamente terá que continuar na linha de seu antecessor, e manter o pacote do "gemeinsamer Rat" - ou, poderá recorrer à sua liberdade episcopal e optar por outro estilo de orientação da diocese.
A primeira crítica é sem subsistência, por um lado, e desrespeitosa, pelo outro. A quarta diz essencialmente respeito a qualquer sucessão episcopal numa diocese - há bispos, mesmo da nossa casa, que por exemplo criaram instituições muito dispendiosas e depois deixaram a gestão e as dívidas aos seus sucessores (que tiveram bem pouca liberdade no assunto... ). Nesse caso, a observação do teólogo é, no mínimo, tão tendenciosa quanto a decisão de Overbeck seria aos seus olhos. E, em todo caso, é muito mais simples dissolver um conselho como o desejado por Overbeck do que uma entidade com personalidade jurídica como uma universidade diocesana.
A terceira crítica é formalmente lícita, mas ao mesmo tempo centra-se no próprio problema para o qual o bispo de Essen procura uma solução: padres e leigos numa diocese nunca trabalham, pensam e instruem juntos processos de tomada de decisão. Esse modelo não funcionou até hoje, propô-lo novamente significa encalhar inexoravelmente o pensamento teológico e as práticas pastorais nas águas rasas do Código de Direito Canônico. No que diz respeito à participação sem direito de voto do vigário geral no “gemeinsamer Rat”, não há nenhuma ofensa a ponto de preocupar um teólogo: de fato, tendo em conta a função própria do vigário geral, se ele votasse seria como se o bispo votasse duas vezes.
A segunda crítica, isto é, que um bispo deve esperar Roma e não pode licitamente fazer nada até que uma palavra chegue de lá, contradiz o conjunto do processo sinodal global e esquece que o bispo tem uma liberdade de jurisdição no governo da sua Igreja local.
Se convocar juntos padres e leigos para apoiarem um bispo na direção de uma diocese católica significa uma fuga para frente pessoal e solitária "que não leva a nada de bom", então é preciso realmente concordar com Bismarck: os bispos católicos são meros funcionários do sumo pontífice romano. Não propriamente uma bela imagem do ministério episcopal numa Igreja Católica que, segundo o sumo pontífice, quer/deve ser sinodal.
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Tück, o teólogo preocupado com a sinodalidade. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU