O que diz o Papa Francisco na "Amoris laetitia" sobre a cultura atual?

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14 Abril 2016

A exortação pós-sinodal do papa é observada principalmente em referência ao problema dos divorciados em segunda união ou ao modo pelo qual são consideradas as relações homossexuais. Mas, no documento, também se encontram muitas afirmações relacionadas com a cultura e a sociedade, que permitem uma interpretação específica do texto.

A reportagem é de Josef Jung, publicada no sítio Hinsehen.net, 10-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Alguns vão avaliar o documento pós-sinodal como "pessimismo cultural". Na verdade, o Papa Francisco se mostra contrário a alguns aspectos sociais e culturais de hoje, mas parece elogiar outros.

Muito raramente ele chega à tese tão difundida no Ocidente de uma era secular. Há apenas uma frase em que ele denuncia com clareza: "Hoje, a secularização ofuscou o valor de uma união para toda a vida e debilitou a riqueza da dedicação matrimonial" (n. 162). Fundamentalmente, ele parece estar interessado em fenômenos específicos atribuíveis a várias categorias.

O papa e a geração 1968

Nos primeiros capítulos do documento, o papa fala de "mudanças antropológico-culturais" (n. 32) que caracterizam a era atual. Uma mudança cultural é geralmente relacionada com o chamado "movimento de 1968", que é considerado, de acordo com a posição sociopolítica, de forma positiva ou negativa.

Francisco também vê um aspecto pessimista dessa mudança, já que fala de uma "decadência cultural" (n. 39). Portanto, ele parece ter uma atitude desfavorável em relação a essa mudança.

Porém, a quais fenômenos o papa se refere especificamente quando fala de "decadência"? Para o pontífice, inserem-se aí "sintomas da 'cultura do provisório' (...), rapidez com que as pessoas passam de uma relação afetiva para outra (...), o medo que desperta a perspectiva de um compromisso permanente (...), a obsessão pelo tempo livre (...), as relações que medem custos e benefícios (...), o que acontece com os objetos e o meio ambiente (...), o narcisismo" (n. 39).

O papa vê uma forte concentração sobre si que desperta um clima hostil à natalidade e à família: "Impressiona ver que as rupturas ocorrem, frequentemente, entre adultos já de meia-idade que buscam uma espécie de 'autonomia' e rejeitam o ideal de envelhecer juntos cuidando-se e apoiando-se" (n. 39).

"Correndo o risco de simplificar, poderemos dizer que vivemos em uma cultura que impele os jovens a não formarem uma família, porque nos privam de possibilidades para o futuro. Mas essa mesma cultura apresenta a outros tantas opções que também eles são dissuadidos de formar uma família" (n. 40).

"A própria queda demográfica, causada por uma mentalidade antinatalista e promovida pelas políticas mundiais de saúde reprodutiva, não só determina uma situação em que a sucessão das gerações deixa de estar garantida, mas se corre o risco de levar, com o tempo, a um empobrecimento econômico e a uma perda de esperança no futuro" (n. 42).

O papa e o movimento de emancipação

Mas quem pensa que o papa critica fundamentalmente todas as conquistas modernas ou a mudança das últimas décadas se equivoca, porque ele se expressa muito claramente sobre o tema da emancipação: "Alguns consideram que muitos dos problemas atuais ocorreram a partir da emancipação da mulher. Mas esse argumento não é válido, 'é falso, não é verdade! Trata-se de uma forma de machismo'" (n. 54).

O papa ressalta com palavras claras "a idêntica dignidade entre o homem e a mulher" e considera adequada a crítica apenas a algumas "formas de feminismo", mas sem dizer concretamente a que formas ele se refere.

O papa e o gênero

Para o papa, causa uma certa hostilidade a "teoria de gênero", por ele definida como ideologia: "Essa ideologia leva a projetos educativos e diretrizes legislativas que promovem uma identidade pessoal e uma intimidade afetiva radicalmente desvinculadas da diversidade biológica entre homem e mulher. A identidade humana é determinada por uma opção individualista, que também muda com o tempo" (n. 56).

De acordo com o papa, o "sexo biológico (sex) e função sociocultural do sexo (gender) podem-se distinguir, mas não separar", e convida: "Não caiamos no pecado de pretender substituir-nos ao Criador. Somos criaturas, não somos onipotentes" (n. 56).

O papa e os desafios do tempo atual

Em síntese, podemos dizer que o papa expressa uma crítica à época atual e vê determinados problemas nelas, mas tem um modo de escrever claramente alinhado com os tempos, de modo que a reprovação de "pessimismo cultural" não faz justiça a todo o documento pós-sinodal.

Para o papa, trata-se da evangelização de todos os âmbitos da vida, incluindo também a cultura: "Assim se destaca vigorosamente o dinamismo contracorrente do amor, capaz de enfrentar qualquer coisa que o possa ameaçar" (n. 111).