07 Março 2016
Há 7 anos, o sacerdote jesuíta Javier Giraldo denunciou o ex-tenente-coronel Néstor Duque diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA pela suposta participação em vários crimes, enquanto era o comandante do batalhão Bejarano Muñoz, da Sétima Brigada do Exército com sede em Carepa.
A reportagem foi publicada por Apostolado Social da Conferência dos Provinciais Jesuítas da América Latina (CPAL), 04-03-2016.
O padre, assim como os defensores de direitos humanos Elkin Ramírez e Miguel Afanador, o tinham acusado inclusive por ter participado na tortura de dois camponeses dessa região, que aconteceu em 22 de dezembro de 2004. O militar não apenas negou os fatos, mas denunciou o Padre por injuria, calúnia e falsa denuncia.
Sete anos depois, a promotoria encerrou a investigação e deu razão ao padre. Histórias como essa, são frequentes desde há 25 anos, quando o padre Giraldo decidiu começar denunciar diante de todas as instâncias judiciais nacionais e internacionais, os excessos das forças militares, assim como as irregularidades dos grupos armados ilegais, principalmente os paramilitares.
Em 1965, quando Javier Giraldo apenas iniciava sua carreira, teve um encontro que definiu seu caminho na vida. Certa manhã, enquanto cumpria com os deveres de voluntário em um hospital de caridade de Medellín, escutou uma agitação que chamou sua atenção. Ao sair para o corredor enxergou um tumulto entorno do padre Camilo Torres.
Médicos, enfermeiras e pacientes queriam cumprimentá-lo, pedir sua benção. Javier se aproximou para escutar o discurso. “As palavras de Camilo tocaram minha alma”, conta hoje, 46 anos despois, enquanto se prepara para celebrar uma missa em comemoração da morte do padre, na capela da Universidade Nacional, onde foi capelão em 1959. A postura de Torres diante da injustiça e seu compromisso por gerar uma verdadeira mudança em nossa sociedade, tornaram o padre Giraldo em um dos seus partidários.
A partir daquele encontro distante, o padre Giraldo soube que sua vida estaria dedicada a defender os oprimidos. Como todos os Colombianos da época, viveu a incerteza de não saber o que tinha acontecido quando Torres desapareceu da cena pública, em dezembro de 1965; até quando foi sabido, em janeiro do ano seguinte, que tinha ingressado no ELN. Em 16 de fevereiro desse mesmo ano, morreu no primeiro combate que teve. Desde então, Javier entendeu que ia continuar a obra de Camilo, embora, por um caminho diferente ao das armas. Seguiria os passos dos padres de Golconda, de monsenhor Valencia Cano e tantos outros engajados com a Teologia da Libertação.
Desde inícios dos anos 1980, quando a diabólica parceria entre grupos paramilitares e o narcotráfico iniciou no Magdalena Medio, com a anuência de a alguns membros das Forças Armadas, o qual disparou o extermínio contra a Unión Patriotica, o padre Javier Giraldo começou agir. Já tendo sido ordenado como sacerdote jesuíta, com estudos em sociologia, literatura, filosofia e teologia, foi nomeado para a direção do Centro de Investigación y Educación Popular CINEP (Centro de Pesquisa e Educação Popular), fundado pela companhia de Jesus.
O padre Giraldo criou um banco de dados para documentar os crimes contra camponeses, defensores de Direitos Humanos e contra centenas de militantes da UP. Para enriquecer as pesquisas, reuniu histórias de testemunhas, familiares e vizinhos das vítimas, relatos das primeiras chacinas, como a acontecida em Mapiripán, em Meta, e os assassinatos em série em Barrancabermeja.
Os processos de muitos casos que não chegaram à justiça, permaneceram custodiados no Centro de Investigación y Educación Popular (Cinep). Os testemunhos e as denuncias que foram coletadas pelos sacerdotes mesmos em campo, permitiram ao padre Giraldo enxergar em primeira mão a relação que começava a ser gestada entre as forças do Estado e os paramilitares.
O jeito de pesquisar do padre gerou controvérsia no interior do Cinep e oposição entre aqueles que consideravam que esse trabalho deveria estar cingido apenas aos requerimentos judiciais. Portanto, Giraldo decidiu se afastar e fundar uma nova Organização Não Governamental, que nasceu sobe o nome de Comisión Intercongregacional de Justicia y Paz - CIJP (Comissão Intercongregacional de Justiça e Paz), que reunia os representantes de sessenta congregações católicas do país, para lutar pelos Direitos Humanos.
Giraldo foi secretário geral até 1998. O trabalho da CIJP consistiu em atuar como funcionários judiciais alternativos, que chegavam às regiões do país onde as chacinas e os deslocamentos aconteciam, para registrar detalhadamente a situação e ajudar as vitimas.
Um dos primeiros casos que documentou foi Carmen de Chucurí, em Santander. Reuniu as histórias das centenas de camponeses que tiveram que abandonar suas terras após a chegada de grupos paramilitares. Comprovou a cumplicidade de membros da força pública e denunciou aquilo. Descobriu então que as instituições pesquisadoras, a Direção de Instrução Criminal, a Procuradoria e depois a Promotoria Geral, se aproveitavam dos testemunhos coletados pela Comissão para identificar os sobreviventes e acusá-los, enquanto os verdugos continuavam a estar incólumes; uma situação que ele viu repetidamente em diferentes regiões do país. O comandante das Forças militares o demandou por injuria e calunia. Ninguém nem nada deteve seu trabalho.
Giraldo e sua comissão também reconstruíram a chacina de Trujillo, no Valle, em 1986, na qual identificaram, muito antes de que a justiça o reconhecera, a estreita relação entre paramilitares, homens do F-2 e o batalhão Palacé, de Buga. O paramilitar Daniel Arcila relatou as atrocidades, no entanto, mais uma vez, a balança da justiça se inclinou para o lado dos verdugos, pois o relato foi invalidado ao qualificarem o testemunha de louco.
Quando a Comissão de Justiça e Paz conseguiu autorização para realizar novos exames psiquiátricos e contraverter esta condição, Arcila tinha sido esquartejado pelos mesmos assassinos. Em 1995, quando, no governo de Ernesto Samper, foi criada uma Comissão da Verdade para reconstruir os fatos acontecidos em Trujillo, as denuncias do Padre Giraldo foram ratificadas e constituíram a base do primeiro relatório da Comissão Nacional de Reparação e Reconciliação, publicada em 2008.
Tempo depois, as pesquisas encaminharam o padre para o Meta, em 1996. Junto com sua equipe de trabalho de campo documentou os casos de mais de mil pessoas, muitas delas militantes da UP, que foram vitimas da violência paramilitar exercida pelo grupo de Víctor Carranza. Os esforços do Comitê Cívico do Meta, acabaram em sentença absolutória, por tanto os do padre Giraldo, resultaram inúteis.
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Colômbia. O polêmico Padre Javier Giraldo e a luta pelos Direitos Humanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU