Por: André | 23 Julho 2015
O que acontece entre os muros do Vaticano não é um emagrecimento da cúria, mas o seu contrário: novos organismos vem se somar aos já existentes.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa, 21-07-2015. A tradução é de André Langer.
O último organizado a ser criado foi mais uma secretaria, em 27 de junho, a da Comunicação, à qual deverão confluir o Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, a Sala de Imprensa da Santa Sé, o serviço internet vaticano, a Rádio Vaticano, o Centro Televisivo Vaticano, o jornal L’Osservatore Romano, a gráfica, o serviço fotográfico e a Librerie Editrice Vaticana.
O Papa Francisco nomeou para prefeito da nova secretaria um dos seus colaboradores e confidentes mais próximos, dom Dario Edoardo Viganò, que continua a ser, ao mesmo tempo, o diretor da TV do Vaticano.
A primeira declaração pública de Viganò no quadro da suas novas funções apareceu no L’Osservatore Romano de 15 de julho, na qual fez um panegírico da “oralidade” comunicativa de Jorge Mario Bergoglio, tomando como exemplo um discurso do Papa feito no Paraguai.
Mas, neste ritmo, a tão anunciada reforma da cúria ainda está por vir.
Homens novos colocados nos lugar certo – como Pietro Parolin, na Secretaria de Estado, ou George Pell, na Secretaria para a Economia – foram visto muito poucos até agora.
Ao contrário, personagens medíocres que são não apenas confirmados, mas diretamente promovidos – como é o caso de Giuseppe Versaldi na Congregação para a Educação Católica –, continuamos a ver com frequência.
Mas, sobretudo, permanecem longe de um esclarecimento as competências de congregações chaves como a Doutrina da Fé e dos Bispos.
Os cardeais que respectivamente as dirigem, Gerhard L. Müller e Marc Ouellet, encontram-se de alguma maneira privados de seu poder ou dispensados daquelas que são também, até agora, suas competências.
No que diz respeito aos documentos que são a base do atual pontificado – desde a Evangelii Gaudium à Laudato si’ – o peso da Congregação para a Doutrina da Fé é claramente inferior ao que tinha com os Papas anteriores.
Em relação à Congregação para os Bispos – que faz a seleção dos candidatos que vão dirigir as dioceses e na qual Francisco colocou como secretário outro prelado muito fiel a ele, o brasileiro Ilson de Jesus Montanari –, com o atual Papa acontece muitas vezes que é ele sozinho quem escolhe um novo bispo, descartando totalmente a congregação com seus procedimentos e ignorando deliberadamente as orientações e as expectativas dos episcopados locais. Um exemplo clamoroso desta autocracia papal foi a nomeação do novo arcebispo de Chicago, na pessoa de Blase Cupich.
Estes são os fatos, ao passo que a discussão sobre como inovar na escolha dos sucessores dos Apóstolos, isto é, da classe dirigente da Igreja Católica, é quase inexistente.
O texto abaixo tem por objetivo precisamente romper este silêncio, detalhando 12 critérios para a seleção dos futuros bispos.
O seu autor, Paul A. McGavin, padre australiano e capelão da Universidade de Camberra, é teólogo. No passado, fez estudos em economia.
Também sobre este tema escreveu há cinco meses uma carta aberta ao Papa Francisco.
No presente texto, ele entra ainda mais nos detalhes.
Doze critérios para a seleção dos bispos, de Paul A. McGavin
Se olharmos simplesmente para o modo como habitualmente são visualizadas as responsabilidades de um bispo, a primeira coisa que observamos é que se trata de um “ofício” que é muito exigente e diverso. O segundo ponto é que é difícil encontrar candidatos aptos para o cargo. O que significa que devemos, talvez, nos contentar com os que estão disponíveis, em vez de procurar quem corresponde ao que desejaríamos. Podemos nos consolar dizendo que “Deus nunca nos deixará desprovidos”, mas isto pode ser um falso consolo, porque muitos leitores poderiam se ver confrontados com uma experiência prolongada da providência divina, na ausência da providência episcopal.
Contrariamente à crença católica oficial, a ordenação não transforma um homem. Este que a recebe, tem acesso à autoridade e à graça do sacramento da Ordem. Mas a concretização dessas depende em grande medida das qualidades humanas que estão presentes naquele que é ordenado. Os critérios de seleção devem concentrar-se fundamentalmente nas qualidades humanas e sobre o modo como a graça pode se manifestar nas qualidades humanas.
É nesta perspectiva que são propostos os seguintes critérios de seleção:
1. É necessário escolher um homem viril, um homem que tenha confiança em si mesmo e esteja bem seguro de sua masculinidade; um homem que tenha um estilo de vida concreto no físico e que seja forte tanto do ponto de vista físico como mental. É preciso buscar o tipo de homem que os jovens e os homens admirem e que as mulheres respeitem. É preciso buscar um homem que seja capaz de atrair os jovens ao seu redor, encorajando-os a explorar e desenvolver uma vocação para o ministério sagrado, e que seja um homem que saiba estabelecer com os seus padres e diáconos relações de apoio mútuo, de confiança, de visão e de estímulo. Um homem que os leigos que estão dentro da Igreja e os homens que estão fora da Igreja vejam como alguém muito coerente.
2. A coerência é de suma importância. O bispo é um homem que, com prudência, diz em que ele acredita e coloca em prática o que ele diz? É um homem que se associa somente com aqueles que compartilham suas simpatias e antipatias, ou é um homem que se compromete com firmeza com pessoas que são diferentes dele? É um homem que segue a corrente ou alguém que vai na contra corrente? É um homem do qual se pode estar seguro de que agirá com total coerência? É um homem para quem os princípios contam mais que suas simpatias e antipatias?
3. Os princípios são de suma importância. O bispo é um homem que insistirá para que os processos sejam justos e que a justiça seja correta? É um homem que se esforçará para agir canonicamente, em vez de arbitrariamente? Um homem que tratará todo o mundo, homens e mulheres, da mesma maneira, quer sejam simpáticos ou não? É um homem que faz o que é justo diante de Deus, ou o tipo de homem que, quando o jogo fica difícil, faz o que pode para escapar?
4. O temor de Deus é de suma importância. São João nos ensina que “o amor perfeito expulsa o medo” (1 Jo 4,18). Há poucas pessoas que sejam perfeitas no amor; e um vivo temor de Deus nos impede de fazer o que o amor perfeito não faria e nos impulsiona a fazer o que o amor perfeito faria. Um homem não é ordenado bispo para si mesmo, mas para Deus e para a sua Igreja. A autoridade e a graça, ou as Ordens sagradas, são tão grandes que, para ser digno, seu destinatário deve se deixar intimidar pela confiança, pelo compromisso de que é objeto. Ele é responsável diante de Deus pela transmissão da herança da Igreja, o Evangelho de Jesus Cristo. É responsável perante Deus por sua capacidade de supervisionar e colaborar com seu clero. É responsável perante Deus pelo exercício de sua paternidade no meio do povo de Deus que é confiado à sua guarda. Discernir o justo temor em um homem é de fundamental importância, porque só o homem que teme a Deus será um instrumento da ação de Deus em sua Igreja.
5. A inclusividade é de suma importância. Como padre e pastor, o bispo trabalhou para edificar uma comunidade na qual as pessoas mais diversas encontram espaço e acolhida? Ou como padre educador ocupou-se dos alunos mais cheios de promessa, mas também dos menos cheios de promessa? Demonstrou ser um homem de aguda capacidade de escuta, de tal forma que sente profundamente o que se diz a ele? É o tipo de homem de quem as pessoas dizem: “Ele realmente me escutou, sinto que ele realmente me entende?” Ou é o tipo de homem que age em função de suas próprias ideias pré-concebidas, o tipo de homem que tem uma epistemologia restrita, o tipo de homem que vê as coisas de forma parcial, preto no branco?
6. A oração é de suma importância. Naturalmente, um bispo está ligado à celebração regular da santa Eucaristia e da recitação do ofício divino. Mas o que é ainda mais importante é o escutar, na medida em que a oração não é uma “performance”, mas escuta, escuta de Deus: “O que queres que eu faça?”; “Meu Deus, o que tu farias nestas circunstâncias?”; “Aqueles que eu escuto, o que me revelam, meu Deus, do que tu dizes e fazes e queres que eu diga e faça?”; “Por favor, Deus, silencia meus falatórios, e ajuda-me de forma mais clara a perceber a ação da tua mão em tudo o que está diante de mim!” É de fundamental importância discernir se nos encontramos diante de um homem que pratica a presença de Deus ou pratica a presença de sua própria presença.
7. A humildade é de suma importância. Com frequência, as pessoas interpretam mal a humildade e discernem-na erroneamente. A verdadeira humildade é fundamentalmente objetividade: quem sou eu diante de Deus? Quem sou eu em relação com os outros, homens, mulheres e crianças? Quais são os dons que eu tenho, e quais são os meus limites? Onde e como devo inclinar-me para os outros? Onde e como devo seguir os conselhos dos outros? A humildade é robusta, não é afeminada. Na seleção episcopal, o discernimento da humildade é fundamental; caso contrário, a Igreja terá como bispo um homem que é autoritário e que abusa de sua posição, sente-se ameaçado pelos outros, rebaixa os outros e acredita que é o que não é.
8. O amor da beleza é de suma importância. As pessoas podem estremecer diante do pensamento de um bispo esteta, mas quando um bispo dá mostras de gostos pouco refinados, a Igreja sofre consideravelmente. O dano que foi causado à vida católica por uma liturgia minimalista foi muito grande, e a diminuição do justo culto de Deus, em razão de liturgias minimalistas, insípidas e centradas na pessoa, é dolorosa. Os estragos causados por uma música horrível e por artes visuais e plásticas insípidas foram enormes. As vestimentas e as túnicas sacerdotais degradam muitas vezes a dignidade do cargo. Todos estes argumentos devem ser julgados no contexto cultural. Escrevo a partir da Austrália, onde experimentamos verões muito calorosos, minha roupa de verão pode ser uma camiseta branca com calças curtas de cor escura e calçados pretos bem lustrados: um “look” que está bem longe das roupas surradas e das cores extravagantes que com frequência se veem nos padres. Das coisas grandes às coisas pequenas, dos aspectos de uma cerimônia elevada às questões banais, um adequado sentido de discernimento estético é importante. As pessoas têm necessidade de serem edificadas em todos os campos: da roupa cotidiana e do cuidado do aspecto à apresentação formal sem nunca ser asfixiante; da liturgia diária à liturgia mais solene; do canto gregoriano ao estimulante esplendor musical. É muito importante que um bispo seja um homem que compreende a beleza, ama a beleza e comunica a beleza de Deus, desde as coisas simples e humildes até as coisas excelsas.
9. O exercício intelectual é de suma importância. Temos um caso interessante com o nosso atual Papa, que em sentido estrito não é um intelectual, mas que tem uma mente teológica aberta à pesquisa, e desafia poderosamente a Igreja nas áreas em que imperava um pensamento convencional em vez de uma busca atenta e da defesa da fé. Além disso, vivemos em um mundo complexo e multiforme que no encontro requer uma compreensão profunda e um pensamento rigoroso. Minha preferência é para candidatos episcopais que tenham obtido boas licenciaturas em universidades públicas qualificadas, ou dispõem de qualificações profissionais sólidas. Com muita frequência, atualmente, os bispos falam sentenciosamente sobre questões que não compreendem e nas quais os leigos seriam mais competentes, ou reproduzem opiniões vindas de burocratas eclesiásticos que não deveriam ter triunfado no mundo. Evidentemente, uma sólida formação em Teologia, Filosofia e Direito Canônico é fundamental. Mas, muitas vezes, os estudos eclesiásticos superiores produzem apenas o que eu chamo de “mentalidade de nota de rodapé”, e não nutrem as mentes com capacidades críticas e analíticas. Um candidato ao episcopado deve ser um homem que demonstra capacidade de enxergar além de todas as obsessões do mundo e da Igreja; um homem que saiba destrinchar as crises e seja capaz de valorizar e elaborar, de maneira crítica, planos para realizar melhorias e conservar a herança apostólica. Não é que cada bispo deva ser um grande intelectual, entendendo que um corpo episcopal sem grandes intelectuais será absolutamente fraco. Mas, todo candidato ao episcopado deve ter uma mente forte e rigorosa e a capacidade de colocar em prática o que tem na cabeça.
10. A capacidade de aplicação prática é de importância crucial. O “ofício” de um bispo é mais do que o homem pode fazer sozinho, o que significa que um bispo deve ser ajudado em sua tarefa. Esta ajuda vem, em primeiro, lugar dos seus colaboradores mais próximos, seus padres e diáconos. Na maioria dos casos, atualmente, há burocracias eclesiásticas diocesanas que, em sua maioria, são pletóricas e mais civis do que eclesiásticas. Um candidato ao episcopado deve demonstrar competência na gestão dessas burocracias, mais que permitir a essas burocracias que administrem por ele, como acontece com frequência. A administração da Igreja deve ser eclesial em seu funcionamento, e isto deve ir de alto a baixo. Nenhum bispo deve se contentar em ser um CEO, mas – na medida em que agir como administrador delegado – deveria manifestar uma capacidade de colaboração, de “trabalhar com” mais do que “trabalhar acima de” os diversos organismos eclesiásticos. Não apenas a cúria diocesana, mas também a coordenação diocesana de educação, os serviços diocesanos encarregados da saúde e do bem-estar, em síntese, toda a gama de serviços diocesanos devem ser renovados constantemente, de tal forma que funcionem de forma verdadeiramente eclesial e evangélica. Caso não mostrar capacidade de mobilizar os demais para que atuem de forma colaborativa, caso não se fizer acompanhar pelos que estão comprometidos nestas missões, não será eficaz como bispo.
11. Decidir o que não fazer é de crucial importância. Existe um tipo de homem que pensa que pode fazer tudo e administrar tudo e, pelo contrário, acaba não fazendo nada. Há um tipo de homem que trabalha incansavelmente e que realiza pouco, é ineficiente e ineficaz, porque não sabe distinguir entre o que pode fazer e o que não pode fazer. Existe o homem que não faz nenhum exercício físico regular, nenhuma recreação regular, nenhuma atividade cultural regular, nenhuma leitura edificante regular: o tipo de homem que é somente um aborrecido burro de carga. Esses homens, quando se tornam bispos, não cultivam os jovens para o ministério sagrado, não encorajam ou não desenvolvem ou não utilizam corretamente o seu clero. Simplesmente, não encontram o tempo para se comportar como pais em Deus com seus padres. Para esses homens é melhor não ser bispo.
12. “Sejam imitadores, como eu o sou de Cristo” (1 Cor 11,1). Estas fortes palavras são do apóstolo São Paulo. Ao longo das décadas, são palavras que não pude aplicar com facilidade a algum bispo que conheci em diferentes graus. Com muita frequência, encontram-se homens que fazem o que gostam de fazer, e que favorecem apenas àqueles que são úteis para fazer as “suas coisas”. Uma profunda e arraigada semelhança com Cristo é difícil de encontrar, e é difícil encontrá-la mesmo entre homens que também seriam guerreiros de Cristo. Raramente encontram-se entre aqueles que são socialmente “exitosos”, que são apreciados porque são “inofensivos”. As cartas paulinas apresentam um homem que em muitos aspectos foi uma personalidade áspera, mas com tal semelhança com Cristo que não se pode não amar uma pessoa assim. Nós temos uma desesperada necessidade de bispos que manifestem tal semelhança com Cristo que induzam a amá-los e amá-los apesar das pontas ásperas que poderíamos ver em um ou em outro. Nós temos necessidade de homens que possamos imitar, porque seu modo de pensar, rezar e agir nos fazem ver o Cristo que pensa, reza, age e ama no meio de nós. Nós temos necessidade de homens com um profundo amor.
Tudo isso é difícil de discernir. Mas são estes discernimentos que são necessários no processo de seleção dos candidatos ao episcopado.
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Caçadores de talentos para os futuros bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU