Por: André | 27 Abril 2013
As Avós da Praça de Maio, através de Estela de Carlotto, pediram a Francisco para que contribuísse com a recuperação dos netos desaparecidos, abrindo os arquivos do Vaticano e da Igreja na Argentina que podem trazer dados nesse sentido e para o esclarecimento dos desaparecimentos forçados. O Papa disse: “contem comigo; estou à disposição de vocês”.
A reportagem é de Washington Uranga e publicada no jornal Página/12, 26-04-2013. A tradução é do Cepat.
A conversa, rápida e simples, que aconteceu no marco da audiência geral das quartas-feiras em Roma, esteve acompanhada da carta circunstanciada que as Avós entregaram a Francisco e que seguramente merecerá, nos próximos dias, uma resposta formal da Santa Sé. Talvez nessa resposta possa se avaliar melhor qual é a disposição da Igreja, agora em seu máximo nível institucional, para contribuir de maneira decidida para o esclarecimento dos trágicos acontecimentos que ocorreram na Argentina durante a ditadura militar. Se, efetivamente, o pedido se concretizar, o que se fizer não servirá – sem dúvida – para apagar as cumplicidades institucionais já demonstradas entre a hierarquia da Igreja católica (a local e a vaticana) e os personagens da ditadura, mas estará indicando que há uma mudança de rumo, uma modificação na atitude da hierarquia eclesiástica sobre o tema.
O ânimo que reinava nesta quinta-feira na delegação das Avós em Roma era de otimismo moderado. Acreditam que se abriu uma porta que pode ajudar no esclarecimento de alguns fatos e, talvez, na recuperação da identidade, que ainda permanece oculta, de filhos de desaparecidos.
Estela de Carlotto, que pouco depois de Bergoglio assumir como papa trouxe à tona – à luz dos antecedentes – seu ceticismo acerca da possibilidade da predisposição eclesiástica, agora olha, também ela, o futuro com maior otimismo. A carta das Avós faz pedidos muito concretos e se baseia na informação segura sobre a existência de informações que estão nas mãos da hierarquia eclesiástica e que nunca foram entregues à Justiça. Mas, além disso, o que se reclama é uma atitude pastoral pela qual o Papa convide os bispos argentinos e os fiéis católicos para fornecerem todos os dados em seu poder. E o fazem argumentando que “é um dever cristão dar informações sobre o paradeiro das crianças desaparecidas na Argentina”. Situam-se no terreno próprio da Igreja para fazer a sua demanda.
Francisco iniciou seu pontificado oferecendo gestos que tentam modificar, pela menos uma parte, as práticas e também a imagem da Igreja católica. Até agora, alguns desses gestos começaram a se traduzir em fatos. Os primeiros foram de ordem intraeclesial. Ensaiar uma forma nova de colegialidade no governo da Igreja nomeando uma comissão internacional de cardeais; pronunciar-se claramente contra os pedófilos e os que os protegem. Foram passos no sentido de acompanhar com fatos os gestos e o discurso.
A isso é preciso acrescentar também que há apenas alguns dias, Francisco, pessoalmente, decidiu que se retome a causa da canonização (processo para a santificação) do bispo mártir salvadorenho Oscar Arnulfo Romero, assassinado pelo Exército de El Salvador, em 24 de março de 1980. O processo esteve travado até agora e por mais de 20 anos por decisão direta de João Paulo II e Bento XVI. Romero era um bispo considerado por muitos como muito próximo da “teologia da libertação” e, portanto, sua eventual canonização poderia, segundo os mais conservadores, ser um “mau sinal” para a Igreja.
Até o momento, nada está dito sobre a atitude que Francisco tomará em relação ao pedido formulado a ele pelas Avós. Houve o gesto. Em primeiro lugar, aceitar rapidamente receber a delegação a partir do pedido feito mediante os bons ofícios do embaixador argentino na Santa Sé, Juan Pablo Cafiero. Bergoglio não é um improvisado na política dos gestos. Por isso, é importante advertir que deu prioridade à delegação argentina, que tenha demonstrado a maior cordialidade com as Avós e que buscou inclusive “cumplicidades” na breve conversa aludindo a encontros anteriores e reconhecendo pessoalmente a cada um dos visitantes. Também a Juan Cabandié. Os gestos são mensagens. Importantes em si mesmos, embora requeiram sempre a posterior confirmação e ratificação nos fatos.
Na quinta-feira, abriu-se uma nova porta para o esclarecimento dos crimes do terrorismo de Estado na Argentina. A Igreja, agora através de sua máxima autoridade universal, tem a possibilidade de produzir ações que mostrem seu compromisso com os direitos humanos, a justiça e a democracia. Francisco, que é um esportista, sabe que a bola está com ele. Só cabe esperar.