15 Outubro 2012
O Concílio também era "coisa" do povo comum, porque, como ele dissera solenemente, "a Igreja é de todos e especialmente é a Igreja dos pobres".
A opinião é do jornalista e ex-deputado italiano Ettore Masina, em artigo publicado na revista Jesus, de outubro de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Últimos dias de setembro e primeiros dias de outubro de 1962. O meu diário está repleto de registros de chegadas em Roma dos Padres do Concílio. São como peças de um mosaico que vai compondo o rosto emocionado de uma Igreja chamada a se abrir ao futuro. Mas eis que, de repente, esse fluxo muda de direção.
No meu diário, eu encontro escrito: "Amanhã, partida de madrugada, da estação vaticana... depois de uma pausa de 95 anos". Quem vai partir é o Papa João XXIII, a quase um século de distância da última viagem ferroviária de um pontífice.
Em 1857, Pio IX havia atravessado algumas regiões do seu reino. Naquele 4 de outubro de 1962, Roncalli volta a Marche e a Umbria. Loreto e Assis são as metas da sua viagem. O Papa João XXIII quer ir pedir a bênção de Nossa Senhora e de Francisco para o Concílio.
Dos dias da assembleia mundial dos bispos, eu vejo que muitos se lembram sobretudo daquelas solenes liturgias e dos debates teológicos. No entanto, enquanto as celebrações sobre o Concílio vão recompondo memórias objetivamente mais importantes, me volto com doçura para os dias "menores" dessa história e, por exemplo, justamente àquela viagem. Dela eu tenho recordações confusas e comovedoras. No trem do papa, viajava uma equipe da Rai, enquanto nós, jornalistas da imprensa, éramos obrigados a uma gincana automobilística que não tinha nada de sagrado.
Corríamos perdendo o fôlego por estradas que muitas vezes eram distantes da linha ferroviária, chegávamos a estações em que o trem ainda não havia chegado ou já havia partido. Não existia, naquela época, o computador; tínhamos que telefonar os nossos textos para os datilógrafos dos jornais, e a recepção era péssima. E mesmo assim eu me sentia contente no meio daquela imensa multidão que lotava as estações e as estradas.
João XXIII já estava doente, mas permanecia quase ininterruptamente na janela. Eu sentia confusamente que ele estava concedendo uma audiência coletiva que permaneceria nos corações. As mais altas autoridades do Estado se inclinavam diante dele, mas a atenção das pessoas estava totalmente voltada àquele que era chamado de "o papa bom".
Por mais bobo que possa parecer, eu penso que o trem também era sentido pelas pessoas como algo familiar. Quem gritava a sua alegria era a Itália que, 20 anos antes, havia visto partir de trem os seus filhos para ir à guerra, os emigrantes encerrados nos primeiros assaltos da nostalgia, os esposos vivendo a sonhada viagem de lua-de-mel...
E eu também penso que o trem, em alguma medida, também havia se tornado Igreja, diálogo, adestramento. Certamente muitos dos homens e mulheres que agora estavam "como árvores plantadas ao longo dos rios" não haviam compreendido o que era o Concílio e talvez temiam que fosse "coisa de senhores".
Naquele dia, pensaram, estou certo disso, que o velho papa havia vindo para tranquilizá-los, que o Concílio era "coisa" também deles, porque, como ele dissera solenemente, "a Igreja é de todos e especialmente é a Igreja dos pobres".
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Papa João XXIII, o trem e o Concílio como ''coisa de todos'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU