"Meu sonho é conjugar islã e modernidade’, afirma líder tunisiano

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31 Mai 2011

Há 16 anos Rachid Ghanouchi foi expulso da Espanha quando participava, em Córdoba, de um congresso sobre "O islã diante do desafio da modernidade": pelo visto foi considerado suspeito de ideologia extremista. É provável que dentro de pouco tempo retorne e tenha direito inclusive à sala VIP do aeroporto, uma vez que já seja ministro no primeiro governo democrático da Tunísia.

Ghanouchi, de 69 anos, é o líder do movimento islâmico tunisiano En Nahda (Renascimento) que ele fundou, com outro nome, há 30 anos e cujas atividades lhe valeram duas condenações a prisão e a trabalhos forçados – a primeira em 1981 e a segunda em 1987 – e uma permanência de mais de três anos na prisão.

Formado em teologia na Universidade de Túnis, e em filosofia em Damasco, Ghanouchi também estudou na Sorbonne (Paris), mas como outros tantos opositores muçulmanos escolheu Londres, em 1991, para colocar-se a salvo da ditadura de Ben Ali derrubado em janeiro passado pela primeira das revoluções árabes. É considerado afim à Irmandade Muçulmana egípcia, com quem mantém estreitos laços.

Após 20 anos de exílio, retornou à Tunísia no dia 20 de janeiro, onde foi acolhido por mais de 3.000 militantes. Foi o exilado que teve a acolhida mais calorosa. Talvez por isso muitos temem que seja também aquele que terá mais votos nas eleições democráticas, da Assembleia Constituinte, fixadas para o dia 24 de julho. Suas palavras revelam o pensamento dos islâmicos que, junto com outras correntes políticas, foram para as ruas do mundo árabe para acabar com a autocracia.

A entrevista é de Ignacio Cembrero e está publicada no jornal espanhol El País, 29-05-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Saiu-se com a sua e finalmente haverá eleições dentro de menos de dois meses, segundo decisão do Governo desta semana.

Telefonei ao primeiro ministro e lhe pedi que respeitasse a data com a qual havia se comprometido. A transição democrática é um período propenso aos distúrbios. Começou há quatro meses e meio e caso a situação se arrastar por mais tempo, pode piorar. A segurança deixa a desejar. Sei que é difícil organizar as eleições em menos de dois meses sem contar, além disso, com o Ministério do Interior, mas não é impossível.

Que resultado espera conseguir na estreia democrática?

Somos o maior partido e seremos o mais votado. Confio em obter 30% dos votos. Não ganharemos só ali onde se acredita que estamos melhor implantados, no interior do país, onde começou a revolução, mas no litoral. Em Sfax, a segunda maior cidade, houve 25.000 pessoas no meu primeiro comício. Vamos colher os frutos de nossa longa e abnegada luta contra a ditadura. Somos as primeiras vítimas da repressão. Apresento-lhe um dado entre muitos outros: nas duas últimas décadas tivemos 30.000 presos. Neste país pequeno com famílias grandes não há nenhuma família que não tenha sofrido a repressão, de longe ou de perto. Não há família que não saiba que fomos as principais vítimas da importunação do regime.

Nas únicas eleições nas quais puderam concorrer, em 1989, tiveram apenas 17% em média e 30% na capital. Vão subir tanto assim?

Manipularam a eleição e todo o mundo reconhece isso hoje. Obtivemos mais de 60%. Algum dia se saberá com precisão porque o Ministério do Interior ainda guarda em seus arquivos a verdadeira contagem.

Entrarão no Governo caso vencerem? Com que intenções?

Claro que sim. Seria nossa primeira prioridade: ganhar a guerra contra a corrupção. A Administração, o país em geral, está doente de corrupção. É uma mácula que prejudica o desenvolvimento. Nosso principal problema socioeconômico é o desemprego, com mais de 700.000 pessoas, muitas delas aposentadas, em um país com uma população ativa que mal ultrapassa os três milhões. Para estimular o crescimento e criar emprego é preciso acabar com a corrupção. Nossa segunda prioridade é fomentar o desenvolvimento das zonas mais desamparadas do interior do país. É preciso acabar com os desequilíbrios regionais. Caso contrário, a revolução continuará.

O que significará esse programa anticorrupção para o investidor estrangeiro?

São bem-vindos e poderão fazer negócios com maior segurança jurídica. Já não terão que subornar ninguém para se instalar na Tunísia. As "comissões" para a família presidencial acabarão. Dito isto, a corrupção não é uma exclusividade do mundo árabe. Por culpa de outra modalidade de corrupção o capitalismo esteve a ponto de se afundar há dois ou três anos e ainda não saiu de todo da crise.

Que papel atribui ao islã na Tunísia do futuro?

A corrupção se combate com uma imprensa livre, uma justiça independente, mas também com a religião. É preciso utilizar a religião para lutar contra a corrupção e fomentar o trabalho bem feito. Ser honrado e trabalhar bem são deveres religiosos de primordial importância. Como se consegue que o povo o interiorize? Com educação, apoiando-se também nas mesquitas e com governantes que sejam exemplares. Ben Ali e sua família eram corruptos. Davam um péssimo exemplo que facilitou a propagação da corrupção para todos os níveis da sociedade.

A Assembleia Constituinte que sairá das urnas decidirá sobre o regime a ser implantado na Tunísia: presidencialista ou parlamentar. Deseja ser presidente?

Creio que os tunisianos estão escaldados com o presidencialismo e preferem um sistema parlamentar. É a melhor solução. Caso não for assim, me dou por satisfeito, na minha idade, com que a Tunísia seja uma democracia. Mas o partido apresentará um candidato à presidência.

Até que ponto a nova Constituição da Tunísia e as leis devem inspirar-se na sharia (corpo de direito islâmico)?

Até mesmo alguns acadêmicos muçulmanos se equivocam com relação à sharia. Não é um código que estipula castigos. É antes uma maneira de prevenir o crime. Os criminosos devem ser considerados, excetuando os casos patológicos, como vítimas da sociedade que devem ser ajudadas a se reinserirem. A atual Constituição estipula que o Estado tunisiano é islâmico. Basta manter esse primeiro artigo.

Há algum modelo? E um exemplo que reprovem?

A Turquia governada pelo Partido da Justiça e do Desenvolvimento nos inspira em muitos aspectos. Viajo com certa frequência para a Turquia desde 1995. Aprendi deles e eles também algo de mim. Você sabe que sou mais lido na Turquia, onde meus livros foram traduzidos, do que na Tunísia? Meu sonho é converter a Tunísia em um modelo que conjugue islã e modernidade. O exemplo a não seguir é o da Argélia com todos os erros que ali foram cometidos ao longo dos últimos 20 anos.

Quer dizer, o extremismo que assolou o país nos anos 1990 e causou cerca de 200.000 mortos?

Lutamos contra o extremismo. É uma doença que todas as civilizações padeceram em algum momento, inclusive a nossa. Nasceu nas prisões do Egito e se desenvolveu em um entorno insano. A imagem do islã foi muito prejudicada. Equipara-se a nossa religião com a antidemocracia, a violência, o terrorismo. Somos considerados inimigos da arte, da beleza, dos direitos da mulher. Falso.

Seus detratores dizem que usa uma dupla linguagem, que não acreditam no que diz.

Me combatem com métodos obscuros. Não utilizam argumentos, mas difundem suspeitas. Nisso se assemelham a Ben Ali. Ele empregou a polícia. Agora os nossos adversários utilizam os meios de comunicação. Peço-lhes apenas uma coisa, se não acreditam em nosso discurso: que nos julguem pelos fatos. Somos um movimento não violento e apoiamos a paridade de homens e mulheres nas listas de candidatos às eleições.

É preciso acreditar também que irão respeitar o Código do Estatuto Pessoal que consagra uma quase igualdade entre homens em mulheres na Tunísia desde 1956?

Sim. Veja, tenho quatro filhas. Todas estudaram muitos anos, no Québec, em Cambridge, na Universidade de Londres. São profissionais que trabalham e pesquisam em centros de prestígio. Uma delas, a Soymaya, colabora com regularidade com o jornal The Guardian. Assim as eduquei. O que mais tenho que demonstrar?

O "estatuto pessoal" proíbe a poligamia na Tunísia, ao passo que a lei islâmica permite que um homem possa tomar até quatro mulheres. Como resolve essa contradição?

A Tunísia é um país golpeado pelo desemprego e com salários baixos. Por si só já é difícil, para um homem, dispor de recursos para fundar um lar com uma só mulher. Assim que, esqueçamos as outras mulheres.

Segue havendo torturas nas delegacias? O que fazer com todos os policiais que cometeram exações?

A tortura já não é sistemática, embora os maus costumes não acabem de um dia para o outro. Durante a revolução pedimos aos nossos militares que não caíssem na vingança pessoal, que não aproveitassem a desordem para ajustar contas. Agora preconizamos que perdoem os seus verdugos, mas se optarem por denunciá-los e fazê-los sentar no banco dos réus também o aprovamos. Estão no seu direito. Desejo uma solução global a la África do Sul onde os verdugos pedem perdão às vítimas e estas o concedem. Também desejo para elas que recebam uma compensação pecuniária.

Segue havendo um problema de segurança na Tunísia como repete o Governo?

Sim, mas em parte causado pela polícia. Antes reprimia brutalmente nas ruas sem respeitar a lei, a la Rambo. Agora se exige dela que sua atuação seja proporcional. Sua primeira reação foi negar-se a colaborar: se não me deixam fazer o meu trabalho como sei fazê-lo, façam-no vocês com baderneiros e violentos. Agora, graças ao trabalho do Ministério do Interior, reconsideraram essa posição e mantêm a ordem com mesura.

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