A MPB em debate. Entrevista especial com Santuza Cambraia Naves

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27 Agosto 2007

“Discute-se muito a Música Popular Brasileira ainda hoje porque ela continua forte, criativa, chamando a atenção, tanto interna quanto externamente.” Essa é a opinião de Santuza Cambraia Naves, organizadora do livro “MPB em discussão – Entrevistas” (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006), que foi entrevistada, por e-mail, pela IHU On-Line. Santuza, juntamente com os professores Frederico Oliveira Coelho e Tatiana Bacal, reuniu nesta obra entrevistas com grandes nomes da Música Popular Brasileira, tais como Carlos Lyra, João Donato e Chico Buarque, realizadas durante um projeto acadêmico intitulado “Da bossa nova à tropicália”. Nesta entrevista, Santuza fala do projeto nacional-popular e de sua contribuição para a MPB. Além disso, ela analisa o que seria a música popular brasileira de hoje.

Socióloga, Santuza Cambraia Naves é mestre em Antropologia Social pela UFRJ e doutora em Sociologia pelo Iuperj - Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Atualmente, integra o quadro de professores da PUC-Rio e da Universidade Cândido Mendes. É autora de Do samba-canção à Tropicália (Rio de Janeiro: Relume Dumará / FAPERJ, 2003); Da bossa nova à tropicália (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001); e O violão azul: modernismo e música popular (Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Por que a Música Popular Brasileira é, ainda, discutível?

Santuza Cambraia Naves -
Discute-se muito a Música Popular Brasileira ainda hoje porque ela continua forte, criativa, chamando a atenção, tanto internamente quanto externamente. O cenário musical está hoje muito diversificado e descentralizado. Assim, há fenômenos musicais importantes no Nordeste, Rio de Janeiro, São Paulo e em outras regiões brasileiras.

IHU On-Line - A MPB, na década de 1960, orientava os intelectuais e jovens contra a cultura estadunidense que se inseria no Brasil. Frente a esse avanço, atualmente, da cultura estrangeira dentro da cultura brasileira, o que podemos chamar de MPB?

Santuza Cambraia Naves -
A sigla MPB hoje não tem o mesmo significado de quando foi criada, na década de 1960. Naquela época, a Música Popular Brasileira fundamentava-se no projeto nacional-popular (1) e tinha um teor muito crítico com relação à cultura estadunidense e sua entrada no Brasil. Houve, no entanto, uma ressignificação do termo ao longo dos anos, e gêneros antes rejeitados pelos músicos que postulavam a brasilidade, como o rock, passaram a ser considerados como integrantes da MPB. A partir dos anos 1980 passou-se a falar, inclusive, em “rock brasileiro”.

IHU On-Line - O Brasil é vasto de cultura. No Rio Grande do Sul, há artistas que não precisam sair do estado para serem populares e sobreviverem da música. Em Recife, temos o movimento manguebeat que é conhecido no país, mas é muito mais forte regionalmente. No entanto, temos uma indústria fonográfica fortíssima focada em poucos artistas. Afinal, hoje, o que é Música Popular Brasileira, em sua opinião?

Santuza Cambraia Naves - O panorama musical hoje no Brasil está muito diversificado. Assim, como você disse, tanto há estilos e gêneros musicais que operam em regiões específicas, como o Manguebeat (2), em Recife, e o hip-hop em certas regiões de São Paulo, entre outros, quanto musicalidades que se criam dentro do cenário mais pop, em termos principalmente de investimento e divulgação para um público caracterizado como “consumidor da cultura de massa”. Mas, como afirmei anteriormente, a noção de “Música Popular Brasileira”, hoje em dia, tornou-se mais inclusiva, passando a incorporar as musicalidades de linhagem pop, de Lulu Santos (3) a Sandy & Junior (4).

IHU On-Line - Custou muito ao Brasil olhar teoricamente para a MPB da década de 1960 como um produto cultural? Por quê?

Santuza Cambraia Naves – Não custou, não. Acredito que vários intelectuais associados à “alta cultura” e à academia passaram a valorizar as criações musicais dos anos 1960 no Brasil. É por este motivo que poetas importantes tornaram-se letristas, fazendo parcerias com músicos ligados à MPB, como é o caso de Vinicius de Moraes (5).

IHU On-Line - Como você analisa a passagem da Bossa Nova ao Tropicalismo?

Santuza Cambraia Naves - O tropicalismo recusou as experiências musicais anteriores que se configuraram como MPB e valorizaram a bossa nova em sua fase heróica, representada pelas experimentações musicais de Tom Jobim (6), Newton Mendonça (7) e, principalmente, João Gilberto (8). Paradoxalmente, entretanto, ao mesmo tempo em que incorporaram a bossa nova, retomaram também a tradição musical rejeitada por ela, associada ao kitsch e considerada melodramática, como a representada pelos cantores da Rádio Nacional (9).

IHU On-Line - Como você analisa a MPB como música engajada?

Santuza Cambraia Naves - O engajamento da MPB não foi necessariamente político-partidário, mas cultural, no sentido de costurar musicalmente o Brasil e comentá-lo. Alguns músicos da MPB, como Chico Buarque (10), criaram perfis de intelectuais, na medida em que suas canções não só comentavam o mundo ao redor como resultavam de um procedimento crítico no próprio processo de composição. As chamadas canções de protesto, estas sim engajadas politicamente, não foram tão representativas, se consideramos a produção musical como um todo na década de 1960.

IHU On-Line - A sigla MPB foi mudando de significado ao longo dos anos, mas você acredita que a motivação que a criou na década de 1960 continua viva?

Santuza Cambraia Naves - Não. A motivação nacional-popular que criou a MPB nos anos 1960 não faz mais sentido no mundo atual. Perspectivas nacionalistas não se sustentam mais no Brasil, cujos movimentos políticos representativos de esquerda valorizam as comunidades, principalmente as periféricas, em vez de se voltarem para o Brasil enquanto estado-nação. A idéia de popular também foi substituída pela noção de minorias (étnicas e sexuais, entre outras).

Notas:
(1) A realização processual da cidadania brasileira – o “projeto nacional popular” – tem suas raízes no século XIX, mas ganhou consistência nos anos 1950 e 1960. Tal projeto foi abortado durante a ditadura militar, mas voltou nos anos 1970 na luta de quatro movimentos: os movimentos estudantis, a reflexão dos intelectuais, as organizações sindicais no ABC paulista e a prática libertadora das comunidades eclesiais e das Pastorais Sociais.

(2) Manguebeat é um movimento musical surgido no Brasil na década de 1990, em Recife, que mistura ritmos regionais com rock, hip-hop e música eletrônica. Esse estilo tem como ícone o músico Chico Science, ex-vocalista, já falecido, da banda Chico Science e Nação Zumbi, idealizador do rótulo mangue e principal divulgador das idéias, ritmos e contestações do Manguebeat. Outro grande responsável pelo crescimento desse movimento foi Fred 04, vocalista da banda Mundo Livre S/A e autor do primeiro manifesto do Mangue de 1992, intitulado Caranguejos com cérebro.

(3) Lulu Santos é considerado um dos maiores e mais controvertidos ícones do Rock no Brasil.

 

 

 

 

(4) Sandy & Junior é uma dupla de cantores de música pop. Em 2006, gravaram o décimo quinto álbum e atingiram a marca de quinze milhões de discos vendidos no Brasil.

 

 

 

(5) Vinicius de Moraes foi um poeta essencialmente lírico. Notabilizou-se pelos seus sonetos, forma poética que se tornou quase associada ao seu nome.

 

(6) Tom Jobim um compositor, maestro, pianista, cantor, arranjador e violonista. É considerado um dos maiores expoentes da música brasileira e um dos criadores do movimento da Bossa Nova.

 

(7) Newton Ferreira de Mendonça foi um pianista, compositor, violinista e gaitista. Em 1942, conheceu Antônio Carlos Jobim, com quem compôs várias canções que viriam a se tornar clássicos da bossa nova.


(8) João Gilberto é um músico brasileiro, considerado o criador do ritmo “bossa nova”. João Gilberto como personalidade tem, há muito, a reputação de excêntrico, recluso e perfeccionista. Continua a fazer (raras) apresentações, com enorme sucesso no Brasil e no exterior.

 

 

(9) Em 14 de setembro de 1936, foi inaugurada a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, privada, que foi encampada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas em 8 de março de 1940, transformando-se na rádio oficial do Brasil. Em 1941, a Rádio Nacional apresentou a primeira radionovela do país. Dos anos 1930 até o final dos anos 1950, o rádio possuía um enorme "glamour" no Brasil. Ser artista ou cantor de rádio era um desejo acalentado por milhares de pessoas que se tornou um marco na história do rádio brasileiro. Inicialmente um empresa, especialmente os jovens.

(10) Chico Buarque é um músico, cantor, compositor, teatrólogo e escritor. No início da carreira, conheceu Elis Regina, que havia ganhado o Festival de Música Popular Brasileira de 1965 com a canção “Arrastão”, mas a cantora acabou desistindo de gravá-lo devido à impaciência com a timidez do compositor. Chico Buarque se revelou ao público brasileiro quando ganhou o mesmo Festival, no ano seguinte (1966) com “A banda”, interpretada por Nara Leão.

 

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