Desafios do ano eleitoral para o campo socioambiental. Análise de Marcio Santilli

Manifestante em protesto do MST, durante o 7 de setembro (Foto: Matheus Teixeira | MST)

05 Janeiro 2022

 

Além de combater o diversionismo, o movimento socioambiental precisa articular as principais demandas relativas ao enfrentamento da crise climática, à reconstrução das políticas públicas desse campo, à urgência do combate à fome, ao desemprego e à estagnação econômica do país, afirma Marcio Santilli, sócio-fundador do ISA, em artigo publicado por Instituto Socioambiental - ISA, 04-01-2022.

 

Eis o artigo.

 

2022 começou. O sofrimento do povo se agrava. Em outubro, será o momento de ele acertar as contas consigo mesmo. A campanha eleitoral já tinha sido deflagrada, no ano passado, pelo presidente Jair Bolsonaro, apavorado com a queda de popularidade e com os altos índices de rejeição, pois a maioria da nação não vê a hora de virar a página dessa história.

 

Apesar da fome que oprime mais de 20 milhões de brasileiros, da crise econômica e fiscal, assim como da precarização dos serviços públicos essenciais, só Deus saberá dizer o custo integral da disputa pelo poder.

 

O orçamento federal de 2022 reserva 5,7 bilhões de reais para o Fundo Eleitoral, a ser rachado entre os partidos na proporção da sua representação, e mais 16 bilhões para emendas do orçamento paralelo, que certamente irão favorecer governistas que já exercem mandatos federais. Fora os ilícitos que deverão ocorrer com outros recursos públicos e privados.

 

Com crises econômica, sanitária e climática, falência das políticas públicas e isolamento internacional do país, a prioridade máxima será livrá-lo do próprio Bolsonaro, condição indispensável para reunir credibilidade e os apoios necessários para tirá-lo do fundo do poço. A reconstrução do Brasil não será uma obra fácil e dependerá de um pacto que ainda não está dado.

 

Para os atores políticos e sociais em geral, o que está dado é um jogo em dois tempos: o da disputa propriamente dita, que será marcada, inevitavelmente, pelo imediatismo eleitoral e, na sequência, o da articulação da saída do poço. Os movimentos socioambientais, que alcançaram grande protagonismo político no enfrentamento ao atual governo, devem definir e adequar as suas estratégias ao ritmo real do jogo.

 

Retórica conservadora

 

A natureza dessa campanha eleitoral é ingrata. É o desmonte do bloco governamental de extrema direita que dá o tom da retórica predominante. Os demais candidatos disputam, sobretudo, os votos dos decepcionados com Bolsonaro. A crise econômica e social será o tema principal, mas haverá um turbilhão de fakes diversionistas para tentar confundir as pessoas e deslegitimar o processo eleitoral.

 

Além de combater o diversionismo, o movimento socioambiental precisa articular as principais demandas relativas ao enfrentamento da crise climática, à reconstrução das políticas públicas desse campo, à urgência do combate à fome, ao desemprego e à estagnação econômica do país.

 

Alguns exemplos são as energias limpas, o acesso à terra e à produção de alimentos para quem precisa, as tecnologias sociais, mutirões de enfrentamento de carências básicas e situações emergenciais, reflorestamento em escala, estímulo à economia comunitária e ao pagamento por serviços socioambientais.

 

Os movimentos poderão orientar suas agendas próprias de mobilização para evidenciar as suas prioridades e abrir espaços para os candidatos que as acolham e se disponham a traduzi-las em ações concretas. Assim como poderão construir convergências com outros atores e campos políticos, que proponham agendas correlatas.

 

No entanto, as lideranças do movimento socioambiental precisarão de paciência para tolerar a retórica conservadora e diversionista que será intensa, sobretudo até o primeiro turno de votação. Paciência para mostrar a quem se dispuser, que essa agenda não interessa apenas aos setores mais atuantes nela, mas à toda sociedade, assim como à toda humanidade, porque as consequências da crise climática não escolhem suas vítimas.

 

Momento da reconstrução

 

Bolsonaro chegou da praia, onde passou o Natal, dizendo que “o Brasil está quebrado e que ele não consegue fazer nada”. Deveria renunciar ao cargo, mas, ao invés, disse também que “vão ter que me aguentar até o final de 2022, podem ter certeza disso”. Ele confessa que deixará o país sem rumo, por mais um ano, no meio dessa múltipla crise, e que andam baixas as suas expectativas reeleitorais.

 

Depois das eleições, a conversa será outra. Os eleitos terão que descer do palanque, unir o país e convocar pessoas e instituições que possam contribuir para a sua saída do fundo do poço. Será o momento em que a pertinência das propostas poderá se sobrepor à retórica belicosa que nos governa e que promete se arrastar até o fim. Propostas que precisam ser construídas desde já, apesar das contendas eleitorais.

 

O movimento socioambiental cresceu, ganhou visibilidade e aliados em outros setores da sociedade. Precisa ter maturidade para perceber os movimentos das ondas e fazer a sua parte, considerando as melhores opções diante da natureza de cada momento e confiando na essencialidade da sua agenda para enfrentar os grandes desafios do nosso tempo.

 

 

 

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