A crise energética brasileira: o desmonte do setor no contexto do Novo Regime Climático

Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

28 Setembro 2021

 

Aumento das contas de luz em todo o Brasil. Pior seca em 91 anos, que reduziu a níveis críticos os reservatórios das hidrelétricas do Centro-Oeste e do Sul, fonte de 70% da energia hidráulica do país. A crise elétrica só se agrava e as soluções não são simples nem fáceis de serem postas em prática.

 

A reportagem é de André Cardoso, estagiário e aluno do curso de Jornalismo da Unisinos.

 

Essa situação, que se agravou nos últimos anos, é um processo de acúmulo de décadas de retrocesso no setor energético e de políticas liberais de privatização, segundo Roberto Pereira D’Araújo, engenheiro e diretor do ILUMINA, Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético, em palestra ministrada no Instituto Humanitas Unisinos – IHU na última quinta-feira, 23-09-2021. No evento virtual, transmitido pela página eletrônica do IHU e pelo Canal do IHU no YouTube, D’Araújo discutiu a “A (não) gestão da energia no Brasil. Privatização, crise e revisão da matriz energética”.

 

Para ele, a privatização, apontada por especialistas como um dos principais problemas que acometem o setor, não é propriamente uma coisa negativa, mas sim a forma como é feita no Brasil. “Não há nenhuma intenção de demonizar a privatização. Há uma intenção de demonizar a privatização que se faz no Brasil. O Brasil não sabe privatizar. O que está errado é vender e não exigir nada de novo, nada de investimento”, argumenta.

 

As soluções para a crise elétrica são, para Roberto, a ampliação do sistema de energia solar e eólica no país. “O Brasil é um país abençoado, porque no Nordeste tem um vento constante, na mesma direção, o tempo inteiro. Poucos países têm isso. Temos potencial eólico enorme no Nordeste e no Sul. Na Lagoa dos Patos, poderíamos instalar várias usinas eólicas. Precisamos desenvolver isso”, sugere.

 

O engenheiro também demonstrou preocupação com o futuro do país no setor elétrico pelos desmontes feitos com mais frequência. “Estamos continuamente caminhando para o desmonte de instituições que construíram o que temos. O Estado constrói e entrega a bilheteria para o setor privado. Estamos tangenciando dilemas planetários. Estamos no olho de toda humanidade, e precisamos mudar muita coisa. Não basta não privatizar”, diz.

 

 

Anos de desmonte

 

O doutor em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology, Ildo Sauer, cita, em entrevista ao IHU, as reformas liberais dos anos 1990, tentadas no governo Collor e concretizadas por FHC, como precursores dessa crise. “No Brasil, o setor elétrico brasileiro foi reformado no governo FHC, que prometia tarifas mais baixas e qualidade de energia. Mas esse modelo culminou no racionamento em 2001, na explosão tarifária e na incapacidade de expandir a oferta, abortando no Brasil a onda de crescimento econômico iniciada no final dos anos 1990, em grade parte induzida pela China”.

 

Para Sauer, é possível o país escapar do racionamento, mas não do alto custo econômico do atual modelo. “Se conseguirmos civilizar a conduta do governo e superar a pandemia, o problema da energia continuará porque o sobrepreço e o sobrecusto já estão colocados, diminuindo a competitividade. De maneira que o problema energético continua sempre o mesmo desde a liberalização. O problema não está na natureza, na hidrologia; o problema está no modelo energético adotado e na política”, assegura.

 

Mudanças climáticas

 

Mas, muito mais que o desmonte do setor no Brasil, há outro fator que contribui para a crise elétrica: as mudanças climáticas. E elas ainda não foram avaliadas corretamente aqui, conforme analisa o mestre em Física e ex-diretor do Greenpeace no Brasil, Roberto Kishinami, também em entrevista concedida ao IHU neste ano. “A mudança global do clima ainda não foi avaliada devidamente no Brasil, não só pelos impactos no setor energético, mas sobre toda a economia. A geração de energia tem alternativas sustentáveis e baratas, desde que equacionadas corretamente”.

 

A longo prazo, para Kishinami, o ideal é investir em energia eólica e solar fotovoltaica para expandir o sistema elétrico. E, antes de tudo, reduzir as emissões de gases de efeito estufa, incluindo as do setor energético, e adaptar toda a infraestrutura e a economia para os seus impactos. “O mundo vive hoje uma transição energética, que é identificada em quatro Ds: descarbonização, descentralização, digitalização e democratização. Outros Ds podem ser acrescentados, mas por ora basta ver que o Brasil tem vantagens com relação ao resto do mundo por contar com fontes renováveis em abundância”, finaliza.

 

A próxima edição do IHU ideias será na quinta-feira, 30-09-2021, das 17h30min às 19h, com o tema “Duas formações da história literária do Brasil. Das ideias fora do lugar ao perspectivismo ameríndio”. A palestra virtual será ministrada pelo doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Luís Augusto Fischer.

 

 

 

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