“Participar na vida e na liderança da Igreja é um direito e não um favor concedido às mulheres”, afirma Ir. Liliana Franco

Mulher amazônica dentro da Assembleia Sinodal. | Foto: REPAM

09 Outubro 2020

Este Outubro marca o aniversário de um ano da Assembleia do Sínodo para a Amazônia, na qual as mulheres desempenharam um papel muito importante. Para refletir sobre a contribuição das mulheres no Sínodo para a Amazônia e os desafios atuais, Ameríndia e a Articulação Continental das Comunidades Eclesiais de Base na América Latina e Caribe, organizaram este 8 de Outubro um webinar, que teve a participação de três das 35 mulheres presentes na sala sinodal, Liliana Franco, presidenta da CLAR, Moema Miranda, antropóloga, e Tania Ávila Meneses, teóloga indígena.

 

O encontro virtual, moderado por Socorro Martinez Maqueo, partiu de uma análise do mais significativo na contribuição das mulheres na Assembleia Sinodal, bem como das dificuldades e mudanças de fundo. Nesta perspectiva, todas elas sublinharam que as mulheres presentes na sala sinodal o fizeram como portadoras de uma história e de uma voz, o que recolheu o protagonismo notável que as mulheres tiveram no processo de escuta no território amazônico.

 

A reportagem é de Luis Miguel Modino

 

As mulheres presentes na sala sinodal vieram de espaços muito diferentes; foi um grupo plural, nas palavras de Liliana Franco, que destacou a força das palavras das mulheres na Assembleia Sinodal, palavras proféticas. De acordo com a presidenta da CLAR, "a sinodalidade é um processo até podermos gerar esse “nós” eclesial, e isso também supõe que ressoa a escuta da voz das mulheres". A partir daí, afirmou que "participar é um direito e não um favor que é concedido à mulher, poder participar na vida e na liderança da Igreja é um direito, é um caminho sinodal".

 

Liliana Franco defendeu a necessidade de abandonar esquemas e estilos clericais e procurar novas relacionalidades. Além disso, recordou a presença de mulheres nas periferias, sendo as vozes que com mais força convidaram a remar com o Papa Francisco na transformação da nossa Igreja. A religiosa colombiana insistiu que, na Assembleia Sinodal, "a palavra das mulheres foi sempre uma palavra habitada", e que "este grupo de 35 mulheres estava empenhado em abrir horizontes, e não permitiu que o medo as paralisasse, não permitiram que o peso do institucional encurralasse o Espírito".

 

Liliana Franco. (Foto: Religión Digital)

 

Neste sentido, as oradoras do encontro sublinharam que a voz das mulheres, que ressoou fortemente, foi bem recebida por uma boa parte dos homens presentes na sala sinodal. Por esta razão, não há dúvida de que cada vez mais mulheres estarão presentes nesta e noutras instâncias eclesiais. Pouco a pouco, como consequência deste método sinodal de escuta, de construção coletiva, nascerá na Igreja a novidade e transformação, um processo em que as mulheres têm um papel decisivo.

 

Moema Miranda salientou a importância do documento preparatório no Sínodo, que foi preparado pela primeira vez na América Latina e não em Roma. Isto é algo que Fratelli Tutti retoma, onde parece, na opinião da antropóloga, que o sentido mais linear e eurocêntrico da história se está a perder, uma vez que é cada vez mais claro que nas lutas se avança e retrocede. Ela vê o Sínodo para a Amazônia como um kairós, um sinal de esperança, o que tem gerado medo em algumas estruturas eclesiásticas, o que tem deixado muitas pessoas desconfortáveis.

 

Isto é uma consequência da presença de mulheres, que não chegaram simplesmente para assumir tarefas, mas para fazer propostas, para mostrar o que pensavam, para ajudar na construção do caminho eclesial, algo que foi reconhecido pela grande maioria dos padres sinodais. Moema insistiu na necessidade de ser uma Igreja Madalena, especialmente neste tempo marcado pelo medo, uma Igreja que supera o medo através do amor fraterno.

 

Moema Miranda. (Foto: REPAM)

 

De um ponto de vista simbólico, Tania Ávila Meneses, salientou que as mulheres presentes na Assembleia Sinodal combinaram e entrelaçaram-se, algo que ela exemplificou com as contribuições concretas das participantes, não só na Assembleia, mas em todo o processo sinodal, rostos concretos que contribuíram, salientando a importância do trabalho em equipe colaborativa. A teóloga boliviana salientou a necessidade de procurar um modelo mais motivador e conquistador. Para isso é necessário aprender a dialogar para decidir em conjunto, curar feridas e poder voar juntos.

 

Num segundo momento, Socorro Martinez Maqueo perguntou como estão sendo enfrentados os atuais desafios na Igreja latino-americana, a fim de tornar possíveis os sonhos apresentados em Querida Amazônia. Em resposta a essa pergunta, Liliana Franco apelou a uma conversão interior que ajudasse a repensar a estrutura ministerial de toda a Igreja, para ser uma Igreja que reconheça o valor da contribuição feminina, o que deveria levar a repensar as estruturas pastorais, de governo e de liderança eclesial. Além disso, desaprender para aprender um novo estilo de relação, a partir da conversão sinodal, com relações mais circulares e horizontais, com uma linguagem capaz de dignificar, incluindo e gerando participação.

 

A presidenta da CLAR apelou a apostar nas teologias emergentes, mais encarnadas, que fazem eco da Palavra e abrem caminho à vida, que incluem a casa comum e os novos modelos de relacionamento. Outro desafio importante é garantir espaços cada vez mais amplos e significativos para que a mulher tenha uma maior participação na formação dos seminaristas. Ela pediu para retomar a reflexão teológica sobre o diaconato das mulheres, para reconhecer o papel que as mulheres já têm na Igreja latino-americana, para ser uma Igreja feminina, que reconhece a fecundidade que nasce do Espírito, que faz memória. Finalmente, salientou a importância decisiva de trabalhar em rede, de se unir para ultrapassar as dificuldades, a fim de ser aliados na defesa da vida.

 

Encontramo-nos num mundo em perigo muito sério, onde os povos indígenas nunca estiveram tão ameaçados, algo que se intensificou com o coronavírus, de acordo com Moema Miranda. Neste momento, ela afirma que "as mulheres são líderes nos movimentos de resistência em defesa da Amazônia", insistindo na necessidade de a Igreja se juntar a estas lutas, de estar ao lado das vítimas, de a Igreja se tornar uma só na defesa dos pobres e da terra na Amazônia.

 

A antropóloga desafiou a necessidade de reconhecer o lugar da mulher como fruto de uma grande conversão. Isto sublinha a importância de abordar a organização concreta no seio da Igreja. Para tal, refletiu sobre o desafio de construir experiências concretas a partir das quais fazer reflexão teológica, de partilhar as aprendizagens.

 

Somos chamados a integrar o pensamento ritual a partir de uma visão sistêmica dos processos, mas sem deixar de ver as partes, na opinião de Tania Ávila, que colocou o desafio de poder expressar a sua voz, a sua resiliência, com liberdade, sem manipular as palavras, as vozes, de honrar a palavra do outro, a partir de uma atitude de irmandade que procura co-criar. Outro desafio que se coloca é o de se sentir como uma terra, um povo, habitando a história, algo que se exprime numa linguagem simbólica, na qual se expressam os significados profundos de cada povo, mas que ao mesmo tempo é ameaçado pelo risco de uma nova colonização simbólica. Por este motivo, levanta a necessidade de trabalho colaborativo, em equipe, para continuar a tecer juntos e em conjunto.

 

Tania Ávila Meneses. (Foto: Religión Digital)

 

A teóloga refletiu sobre os conceitos de presença, contemplação e ação sistêmica. Neste sentido, ela abordou a questão de contemplar e deixar-se contemplar, de se sentir parte da casa comum. Tudo isto deve levar a ouvir o outro e a ouvir-se a si próprio, pelo que se propôs aprender com a experiência dos povos amazônicos. Sabendo que não é uma tarefa fácil, a proposta é ensaiar, praticar, e juntamente com isso encarnar as palavras. Não podemos esquecer, de acordo com Tania Ávila Meneses, que se não conseguirmos estabelecer uma ligação entre nós, não assumiremos que estamos em risco.

 

Na opinião de Liliana Franco, "os emaranhados do poder são ultrapassados com resistência, convicção e participação", afirmando que a Igreja é muito mais do que a paróquia e o padre, algo que se tornou evidente neste tempo de pandemia em que surgiu a importância da Igreja doméstica. Segundo a religiosa, as mulheres "não podem recusar participar nos espaços eclesiais que se abrem", pois, na sua opinião, "a Igreja é a comunidade dos que acreditam na diferença", insistindo que a missão da Igreja é evangelizar, o que hoje significa humanizar.

 

A presidenta da CLAR insiste na necessidade de todos nós termos um lugar à mesa, para trabalharmos por um mundo de irmãos. Para isso ela considera necessário "criar espaços que tornem possível a inclusão da mulher na Igreja e na sociedade", insistindo em "continuar empenhados naquela grande mesa redonda, em que nenhuma burocracia, clericalismo, faz sombra a um Deus que nos chama ao amor incondicional". Liliana Franco exorta-nos a não cair na tentação de querer ser superior aos outros, destacando a escuta como uma palavra fundamental neste momento da história.

 

Mulheres com papa Francisco. (Foto: Religión Digital)

 

Moema Miranda apelou à superação da grande mentira de que não há alternativa, que as pessoas podem ser oprimidas e que a Terra pode ser explorada. Tudo isto se baseia no que ela chama a grande loucura do Evangelho, que nos leva a continuar a desafiar as verdades estabelecidas, a olhar para além do que parece absolutamente indiscutível. A antropóloga insiste que existe sempre uma alternativa e a necessidade de ser uma Igreja da Boa Nova para o mundo, de superar o pensamento de que não temos mais forças, de procurar o que pode fazer diminuir o sofrimento dos nossos irmãos e irmãs.

 

Num mundo e numa Igreja onde o poder sobre os outros está presente, Tania Ávila sublinhou a importância de apostar no poder com, dentro e para os outros, de tecer esses poderes como uma forma de ultrapassar o poder sobre os outros.

 

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