A cientista argentina que busca a origem de tudo

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15 Março 2018

Suponhamos que estamos de acordo, que acreditamos na especialista e confiamos que os acontecimentos imediatamente posteriores ao Big Bang operam como pistas para revelar os mistérios melhor entesourados pelo universo profundo. Concordemos que o seu tom é convincente e seus gestos acompanham seu relato com harmonia. Pois bem, a seguinte pergunta pode ser a estocada definitiva, já que se perdemos de vista o que, não podemos fazer o mesmo com o como. De que maneira se estuda, então, um evento que aconteceu há 13, 8 bilhões de anos? De que forma analisar um fenômeno que ocorreu em frações de segundos e determinou a existência de tudo?

Felizmente, a resposta não demora a vir: “Na atualidade, somos capazes de analisar a origem do universo, esses instantes posteriores ao Big Bang, a partir da radiação cósmica de fundo, suas flutuações na temperatura e outra propriedade que é a polarização”, destaca Cora Dvorkin, que é física (Universidade de Buenos Aires) e doutora em Cosmologia (Universidade de Chicago). Desde meados de 2015, atua como professora da Universidade de Harvard e, na semana passada, foi reconhecida como “cientista de 2018”, pela Harvard Foundation (organismo pertencente à instituição), graças a suas contribuições na compreensão da origem do todo, que nesta oportunidade explica como ninguém.

A entrevista é de Pablo Esteban, publicada por Página/12, 14-03-2018. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Você é cosmóloga e suas análises se concentram em descrever a física do universo nos instantes posteriores ao Big Bang.

Exato. Interessa-me conhecer e descrever a origem do universo nessa fração de segundo que acompanhou o Big Bang e deu origem a tudo, assim como também a composição do cosmos em grande escala. Isso envolve a matéria escura (que constitui 80% da matéria no universo) e a energia escura, sobre as quais ainda não temos grandes certezas. Para poder realizar minhas pesquisas utilizo dados da “radiação cósmica de fundo”, isto é, a luz que nos chega do Big Bang. Analiso as propriedades estatísticas da temperatura e a polarização desta luz, e assim posso inferir a física do universo em seus primeiros instantes.

Estuda a luz que provém de um acontecimento que ocorreu há 13,8 bilhões de anos. Como são exploradas as características de um fenômeno semelhante?

Essa luz é suscetível de ser medida por satélites e por telescópios muito poderosos que estão distribuídos por todo o planeta (por exemplo, refiro-me aos que há no Polo Sul e no Chile). Também utilizo a distribuição das galáxias no universo, suas propriedades estatísticas e realizo inferências em grande escala. Vale a pena esclarecer que ainda que todos os desenvolvimentos estejam enquadrados na física teórica, em nenhum momento posso me abstrair dos dados porque em cosmologia a teoria e a experimentação não estão tão claramente separadas.

O que são a radiação cósmica de fundo, as flutuações na temperatura e a polarização que conduzem suas análises?

A radiação cósmica de fundo se refere à luz que nos chega do Big Bang. Esta luz tem uma temperatura muito fria (de 2,7 Kelvin em média) e flutua em diferentes partes do universo. Podemos pensar a luz como uma onda eletromagnética e quando viaja oscilando em um plano particular, dizemos que a luz está “polarizada”. A luz de uma lâmpada, por exemplo, viaja para nós vibrando em mais de um plano. Esta luz é luz “não polarizada”.

Sob estes esclarecimentos conceituais, que características tinha essa origem do universo?

O que conhecemos como universo eram partículas com energias muito altas, muito superiores àquelas que movidas pelos aceleradores que são construídos na Terra. Com o tempo, esse universo se expandiu e esfriou, ao passo que foram desenvolvidos diversos processos físicos: formaram-se os primeiros elementos leves, depois os átomos de hidrogênio e mais tarde as estrelas.

Há pouco, destacou que 80% do universo é composto por matéria escura. Neste sentido, quanto a ciência conhece do universo e quanto ainda falta saber?

Se dividisse a energia do universo, diria que só 5% provêm de matéria ordinária, ou seja, daquela que compõe os humanos, os planetas e as estrelas; ao passo que não sabemos qual é a origem dos 95% restantes. Ainda que não vejamos a matéria escura, é possível deduzir sua presença a partir dos efeitos gravitacionais. É como se visse que os planetas orbitam ao redor do sol, mas não se pudesse ver a estrela; de qualquer forma, se inferiria sua existência.

E a energia escura?

Ainda que pareça mais uma noção associada à ficção científica pode se vincular à energia do vazio, que explica – entre outras coisas – que o universo continua se expandindo de maneira acelerada na atualidade. Isto se relaciona com as investigações realizadas pelos ganhadores do Prêmio Nobel em Física 2011 (os físicos Saul Perlmutter, Brian Schmidt e Adam Riess).

Por que seria importante conhecer o que ocorreu após o Big Bang?

Estes estudos não têm aplicações diretas, são abordagens provenientes da ciência básica. Iriam nos permitir conhecer o lugar no qual estamos localizados, o espaço em que vivemos e do qual fazemos parte. Compreender as leis que o governam, as maneiras em que se desenvolvem os fenômenos e ocorrem os acontecimentos. No entanto, que não tenham aplicações diretas não equivale a dizer que não exista um horizonte de aplicabilidade. Na história houve múltiplos avanços na compreensão do universo que implicaram o desenvolvimento de aplicações tecnológicas fundamentais para outros setores do conhecimento. Hoje em dia, por querermos conhecer e compreender o que o ocorre em outros planetas, foram produzidos grandes avanços na indústria dos sensores, sem mencionar o que ocorre no campo dos satélites.

E se conseguimos conhecer o que aconteceu depois do Big Bang, como analisar o que ocorreu antes? De que maneira a ciência explica o nada?

Como cosmóloga não tento explicar o que ocorreu antes do Big Bang. Com equações podemos buscar compreender o que aconteceu em uma pequena fração de segundo depois. De modo que, para cumprir este objetivo, empregamos ferramentas provenientes da matemática e a física. Pois bem, se quiséssemos perguntar o que ocorreu antes, aí já não poderíamos aplicar o método científico.

Por último, como física se destacou em um campo tradicionalmente dominado pelos homens. Como se combate esta realidade e se torna possível gerar melhores condições de acesso e participação das mulheres na ciência?

Sou otimista porque quando converso com colegas de gerações anteriores, sempre comentam que a situação com as mulheres na ciência era muito mais difícil. As físicas e os físicos em geral são muito mais conscientes desta lacuna, as temáticas de gênero estão na agenda. Foi quebrado o tabu de se trocar opiniões a esse respeito e tudo é mais simples. Os movimentos por fora da ciência – sobretudo com a organização deste 8M – contribuíram muito. Sem ir muito longe, pela Harvard, faço parte de um comitê de inclusão de mulheres e minorias no Departamento de Física (formado por pesquisadores, professores e estudantes) e trabalhamos muito em prol da igualdade no campo. Penso que no passado a existência de tais espaços era totalmente impensada. No entanto, não devemos descansar: resta um longo caminho a percorrer e a luta apenas começou.

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