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14 Março 2018

Resistir é criar, resistir é transformar. Estamos no início da verdadeira história da Humanidade; diante da transição para outro mundo com outros objetivos, motivações e valores. Para isso, teremos que demonstrar que não se pode subestimar os movimentos sociais. Esta crise tem que desembocar em um movimento popular em escala mundial, reivindicando essa nova Humanidade, que liberte das travas todo o seu potencial”, escreve Fernando Moreno Bernal, membro da ATTAC (Associação pela Tributação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos) Andaluzia, em artigo publicado por Rebelión, 09-03-2018. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

“No Dia de Ano Novo de 2018 não estou emitindo um chamado, estou emitindo um alerta, um alerta vermelho para nosso mundo.”

“A unidade é o caminho. Nosso futuro depende dela”. (António Guterres, Secretário Geral ONU [1])

O Fórum de Davos foi realizado entre 23 e 26 de janeiro, na Suíça [2]. O lema deste ano foi Atuando juntos em um mundo fraturado. Neste encontro das elites capitalistas globais, buscaram desenvolver uma narrativa compartilhada para poder seguir controlando um mundo dividido e disputado, para continuar mantendo seu sistema econômico, raiz de todos os problemas globais e com o qual se está suicidando a Humanidade.

Pretendem “melhorar o futuro nos unindo a este esforço global sem precedentes para o codesenho, cocriaçao e colaboração”. São conscientes de que o contexto global mudou dramaticamente. As fissuras geoestratégicas ressurgiram com consequências políticas, econômicas e sociais. A prosperidade econômica e a coesão social não caminham juntas, e há uma sobre-exploração dos bens comuns mundiais. Sua hegemonia unipolar está sendo exitosamente questionada e um mundo multipolar se consolida apesar das sanções econômicas, ameaças militares e seu conceito de democracia formal.

Querem constituir um Governo tirânico, despótico e opaco no mundo, ao estilo do construído na União Europeia, que bloqueie a partir de cima qualquer indício de uma verdadeira democracia. Contudo, viu-se que as tensões interoligárquicas se agudizaram com o triunfo de Trump nos Estados Unidos e com o Brexit na União Europeia, e com elas suas medidas não dispõem de um mando único e coerente.

O Fórum Social Mundial, a voz alternativa à elite internacional de Davos, acontece de 13 a 17 de março, em Salvador, Bahia (Brasil), dezessete anos depois de seu início, buscando uma redefinição e reinvenção no marco do complicado contexto mundial em que vivemos, sob o lema Resistir é criar, resistir é transformar, no limite desta crise sistêmica e civilizatória que aumenta os riscos para a paz e a sobrevivência da Humanidade, paralela a uma brutal ofensiva neoliberal contra os movimentos sociais, a democracia participativa e a multipolaridade mundial [3].

Quem controlar a narrativa exercerá a hegemonia e a liderança mundial. E são conscientes de que narrativas novas, que questionam sua liderança, impedem a Governança global que vinham exercendo. Ficam tranquilos em saber que não existe no horizonte um propósito coletivo global, por enquanto a legitimidade entre os estados e sua cidadania continua se erodindo. A luta de classes se joga precisamente com quem controlar a “narrativa” e, com ela, as medidas a adotar para enfrentar os desafios globais da Humanidade, que não espera.

A narrativa das elites mundiais

Os processos históricos e sociais não têm volta. Desenvolvem-se com sua própria lógica com base no poder real de cada ator social, com os limites que marcam as necessidades objetivas. Não são os atos “voluntaristas” de indivíduos iluminados que marcam o devir histórico. São as leis sociais similares que determinam que uma semente se transforme em uma árvore. Assim como as árvores, nós somos fruto e parte da Vida, e estamos sujeitos a suas leis físicas e químicas. Estes processos podem se desenvolver, felizmente, ou ser abortados. E é aí onde nossas decisões e livre-arbítrio são definitivos, não como indivíduos, mas como sociedade, como espécie.

Somos conscientes, alguns de forma mais intuitiva que outros, que os fundamentos econômicos, sociais e políticos sobre os quais se assenta o sistema capitalista cambaleiam. Não podemos seguir igual. E as elites internacionais, enfrentadas entre si, também sabem disso. Estão desde os anos 1970 tentando sequestrar e paralisar o desenvolvimento e evolução da Humanidade.

Iniciaram uma nova narrativa à espera de resolver suas contradições interoligárquicas, que pensam que marcarão apenas a composição e poder relativo dentro da elite mundial futura. Conscientes da desigualdade e polarização social inaceitável, que se verá agudizada pela quarta revolução industrial, falam do pós-humanismo, do “homo sapiens melhorado” e da “imortalidade” para as elites internacionais, em um modelo econômico e social neofeudal.

Não podem questionar o próprio sistema, nem seus privilégios, razão pela qual visualizam um mundo para as elites, com os benefícios do desenvolvimento tecnológico. Apenas para as 2.043 pessoas, os bilionários segundo a lista Forbes. Só eles terão acesso pelo poder aquisitivo aos frutos da quarta revolução industrial. Para o restante da humanidade só uma renda administrada de cima, que permita que sigam com o consumo de subsistência.

Implica, também, acabar com os direitos humanos e com a democracia como sistema político, que não são senão “construções sociais e mentais intersubjetivas”, que deixam de ter sentido em seu futuro imaginado. Não possuem pudor em recuperar a ideologia nazista, depurando-a do “nacionalismo” que já não tem sentido em um mundo globalizado que enfrenta problemas globais que requerem coordenação e cooperação de toda a humanidade sob um único Governo mundial. Desprezam os movimentos sociais e temem apenas o colapso ambiental, para o qual não veem saída sem eliminar a metade da Humanidade, e o poder crescente da China, sob o controle de um partido comunista.

Nossa visão como Humanidade

Crescemos como espécie, multiplicamos e povoamos todo o planeta Terra. Contudo, ainda não nos tornamos Uma Humanidade. Iniciar o trajeto como uma única Humanidade é nosso verdadeiro desafio.

O desenvolvimento de toda nossa criatividade está obstaculizado pelas cadeias de um individualismo exacerbado, pela perversão dos valores dominantes na sociedade e por um sistema econômico que apenas a possibilita para “aumentar” os lucros dos integrantes dos Conselhos de Administração das Corporações privadas. O desenvolvimento das forças produtivas fez deflagrar a contradição com as atuais relações de produção do sistema capitalista, que se converteram inevitavelmente em freio e empecilho para o desenvolvimento completo da criatividade humana, requerendo urgentemente sua superação. Esta é a exigência da juventude mundial da Democracia real em todos os âmbitos da vida e, antes que em outros, no próprio seio das empresas.

A história da Humanidade é o desenvolvimento da cooperação e coordenação em âmbitos territoriais cada vez mais amplos. De aldeias a cidades-estado, reinos, impérios e, por fim, a mundialização. Encontramo-nos nesta situação.

A transformação das formas de organização econômica, social e políticas atuais caminha paralela a esta profunda revolução que já começou. Não há indivíduos, mas, sim, sociedade. E não há sociedade sem “comunidade”. Não haverá verdadeira sociedade sem que todas as pessoas, como indivíduos, possamos desenvolver plenamente todo o potencial de nossas capacidades. As novas gerações veem a si mesmas como a “cidadania do mundo”, conscientes de viver em um único planeta cuja biosfera forma um sistema fechado e interconectado. Nosso futuro passa por respeitá-lo e cuidá-lo, e não é possível sem adaptar nossa forma de produzir, distribuir e consumir em harmonia com ele.

A nova organização social terá que ter coerência interna entre os objetivos, motivações e valores globais da humanidade, empresas, sociedade e pessoas. Em consequência, temos que começar por nos dotar dos indicadores e índices que nos permitam gerir e conduzir os processos. E estamos fazendo isto com a Economia e a Cidade do Bem Comum. Necessitamos de uma visão holística e global do processo produtivo que, partindo da humanidade produtora, termine na humanidade consumidora, que coletivamente é a mesma, maximizando a satisfação das necessidades humanas em harmonia com a biosfera e com o menor consumo e custo social e ambiental.

A luta contra os valores do neoliberalismo passa por definir, concretizar e visualizar qual outro mundo é possível. Outro mundo baseado em uma nova economia pela e para a Vida, a economia e a cidade do Bem Comum, na Justiça Social Global que gira em torno da igualdade, solidariedade e verdadeira liberdade, que promove um desenvolvimento harmônico e equilibrado da humanidade, respeitando a Vida como o Todo do qual surgimos e somos sua parte consciente. Trata-se de repensar conceitos como ‘felicidade’, ‘progresso’ e ‘sustentabilidade’, que se encontram na justiça social, no desenvolvimento pessoal e no equilíbrio ambiental, e não no crescimento econômico ilimitado intrínseco ao sistema capitalista.

A realidade é tridimensional. Pode ser observada a partir de uma perspectiva econômica, social e política, mas é uma única e só realidade. Cada uma delas configura as outras. Não só se influenciam entre si, determinam-se entre si. Não pode haver uma economia mono ou oligopolista com igualdade social e democracia real. Da mesma forma não pode haver verdadeira democracia sem que, por sua vez, se consiga igualdade social, justiça fiscal e controle político da economia. Nós, movimentos sociais, devemos reivindicar e impor, com nossas análises, esta vinculação holística da realidade, denunciando como carentes de rigor científico aqueles que a esquivam.

A alternativa altermundialista de outro mundo urgente e necessário tem que se configurar sobre esta unicidade entre o econômico, social e político, de baixo para cima, por unidades territoriais locais, distritais, provinciais, regionais, nacionais, continentais e mundial. Este equilíbrio entre as três dimensões de baixo para cima, em sintonia com o princípio de auto-afinidade da geometria fractal de Mandelbrot, dará enorme estabilidade ao nosso sistema e possibilitará o pleno desenvolvimento das potencialidades endógenas das comunidades e territórios. Esta visão é a que nos levou, da EBC Cádis, a completar a Economia do Bem Comum com a Cidade do Bem Comum.

Neste 2018, todas as contradições se manifestaram. Na história da Humanidade, não há volta. A única saída viável é avançar, globalizar a dignidade humana. Devolver o equilíbrio rompido pela globalização econômica neoliberal, globalizando os aspectos sociais e políticos sujeitados atualmente aos Estados-nação e destroçados pelo onímodo poder econômico. E este equilíbrio tão só é possível fazendo surgir o novo Poder soberano da cidadania universal.

Estamos nas portas de um grande caos provocado: crise financeira global unida a uma grande guerra.

Resistir é criar, resistir é transformar. Estamos no início da verdadeira história da Humanidade; diante da transição para outro mundo com outros objetivos, motivações e valores. Para isso, teremos que demonstrar que não se pode subestimar os movimentos sociais. Esta crise tem que desembocar em um movimento popular em escala mundial, reivindicando essa nova Humanidade, que liberte das travas todo o seu potencial. As contradições do sistema que agoniza há tempo que amadureceram. As condições objetivas estão dadas. A oportunidade para a ação de melhorar em todos os aspectos chegará neste especial momento que terá a urgência de comunicar o saber do momento histórico que vivemos para todas as culturas, raças e línguas da Humanidade.

Notas

[1] Discurso de ano novo. Antonio Guterres, Secretário Geral da ONU

[2] Web do FME

[3] Ferrari, Sergio Alainet 02.02.2018

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