''Francisco purificou a cultura pastoral de acordo com o ensinamento de Jesus.'' Entrevista com Michael Zulehner

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16 Janeiro 2018

O teólogo pastoralista austríaco, Michael Zulehner, fala sobre o futuro das comunidades e a virada pastoral de Francisco.

A reportagem é de Michael Schrom, publicada na revista Publik-Forum, nº 1, 12-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Professor Zulehner, muitas comunidades se queixam da constituição de unidades pastorais cada vez maiores e da perda de vitalidade da vida eclesial. Elas olham para o futuro com pessimismo. O que é urgente nessa situação?

Muitas comunidades continuam tendo a esperança e a pretensão de alcançar todos os batizados. Isso é pedir demais. Hoje, a religião, como sempre destacou o sociólogo das religiões agora falecido Peter L. Berger, não é mais um destino, mas uma decisão livre. Muitos cristãos ainda não estão cientes disso. Eles avaliam o presente, portanto as igrejas que ficam cada vez mais vazias, com um instrumento do passado, quando não se tinha nenhuma possibilidade de não ir à igreja. Isso é fatal. Porque cria a sensação de uma decadência permanente e irrefreável. Eu aconselharia que as comunidades paroquiais invertessem os termos: comecem a contar a partir do zero! Tentem se esforçar para ter participantes interessantes, como também fazem muitas outras organizações! E, se tudo funcionar e as coisas forem bem-feitas, vocês constatarão que, talvez, numericamente, os cristãos serão menos, mas a qualidade espiritual, a substância, não sofrerá com isso. Eu diria que estamos nos aproximando da normalidade bíblica.

Mas não devemos ignorar o fato de que os ambientes interessados se reduzem, e que os fiéis envelhecem cada vez mais. Todos os estudos mostram que as comunidades não chegam aos jovens e aos criativos, quer porque esta geração está sobrecarregada com problemas de trabalho, quer porque, para essas pessoas, a religião não é um tema que lhes interessa.

Devemos ter em mente dois aspectos. As comunidades há muito tempo confiaram no fato de que não deviam fazer nada, convictas de que a Igreja continua sendo uma obviedade sociocultural em que se cresce. Essa época passou. Os canais de transmissão não funcionam mais sequer na família. Agora, trata-se de conquistar cada geração. Se a comunidade tradicional conseguirá isso, não sabemos. Talvez, sejam necessárias novas agregações ou comunidades espirituais que, já agora, constituem uma concorrência para as comunidades internas à Igreja e que se dirigem àquela parte da juventude que tem tendências conservadoras.

Por outro lado, porém, há também comunidades que dão aos jovens a sensação de que é sensato e enriquecedor se comprometer no âmbito da Igreja. Eu conheço comunidades em que os jovens se comprometem com um campo de refugiados que está atrás da igreja e aprendem a conhecer o Evangelho através do serviço (o agir diaconal). A minha experiência é de que o contato com a Igreja não passa pelo conhecimento do Catecismo, mas sim por um agir concreta e diaconal, em projetos claros e definidos, com responsabilidade pessoal e reconhecimento. Esse é o caminho que o Papa Francisco deseja: imergir entre os pobres, para reemergir em Deus. Primeiro vem a ação, depois a reflexão. Primeiro é preciso a experiência de como nos sentimos vivendo o coração do Evangelho, vivendo um amor solidário pelo próximo.

Mas o entusiasmo que emana de Francisco não chega até a base. Como se explica isso?

Eu não concordo. A iniciativa de solidariedade www.pro-pope-francis.com, iniciada por mim e por Tomáš Halík está tendo uma repercussão poderosa. Até mesmo para além dos confins da Igreja, muitas pessoas acham que Francisco faz as perguntas certas. É evidente que, desse modo, Francisco não faz apenas amigos. Mas as tensões, para mim, são a melhor prova de que a Igreja está viva, que não adormecemos completamente o espírito do Concílio.

Mas a Igreja Católica continua tendo uma imagem catastrófica.

Infelizmente, é verdade. Os escândalos ligados aos abusos ainda pesam muito sobre nós. Soma-se a isso o fato de que, a partir dos anos de 1968, há uma crítica – às vezes justificada, às vezes exagerada – às instituições, com a qual não apenas a Igreja sofre. Mas eu acho que hoje estamos em um ponto de virada e que vivemos uma ligeira reinstitucionalização. Precisamente na vanguarda científica, eu observo um novo interesse de lidar com o Evangelho também no plano intelectual. Existe a tendência de refletir e de pensar sobre assuntos religiosos. Se as instituições não roubarem a liberdade, mas ao contrário, chegarem até a torná-la possível, então podem voltar a atrair de uma maneira totalmente surpreendente.

Em que liberdade o senhor pensa concretamente?

A liberdade de falar, de pensar, de discutir, se se comprometer em projetos de solidariedade ou de nadar contra a corrente populista de direita. Se a Igreja oferecer esse espaço de experiência, também poderá atrair os jovens. Por isso, eu acho que a Igreja, neste momento, deveria investir em esperança, criar espaços de movimento por toda a parte e iniciar projetos de diaconia, isto é, de serviço. E, nisso, deveria colaborar com todos os homens de boa vontade.

Um projeto que está no coração de Francisco é a relação solidária e calorosa com os refugiados. Mas os bispos da Polônia ou da Hungria estão muito hesitantes em segui-lo nisso. Percebe-se que a Igreja Católica na Europa não fala a uma só voz, mas, em quase toda a parte, os bispos representam as posições dos seus governos.

Também me irrita muito que, em um bispo, por ocasião da sua consagração, seja posto o Evangelho na cabeça e que, depois, ele se atenha às declarações do governo em vez das Escrituras. Então, deveriam lhe tirar o cargo e aconselhar que ele se torne funcionário do Estado. Por outro lado, devo simplesmente ter em mente que a Europa e até mesmo a Igreja Católica, sobre esse assunto, estão divididas. Mas, se conseguíssemos pôr em diálogo as diversas posições que temos na Igreja, seria uma bênção para a política. Porque, em longo prazo, o populismo leva a um beco sem saída. Gostaria de uma Igreja em que os laços com o Evangelho fossem mais fortes do que a “realpolitik” e as convicções econômico-políticas. Que, independentemente das convicções políticas, nos sintamos ligados ao mistério que chamamos de Deus. Seria muito mais relevante se os cristãos, em todos os campos políticos em que operam, fossem aqueles que buscam construir pontes para o outro a serviço da unidade. Essa seria a tarefa da Igreja nas sociedades com fortes polarizações.

Mas o próprio Francisco ouve repetidamente a repreensão de ser populista e de ser mais um pregador para o povo do que um teólogo. O que o senhor diz a respeito?

Francisco purificou a cultura da pastoral de acordo com o ensinamento de Jesus. Eu descrevi essa virada no meu novo livro: do pecado à ferida; do tribunal ao hospital (de campanha); da lei ao rosto; do ideólogo ao pastor; do pregar moral ao cuidar e ao curar.

A pretensão de que a Igreja possa cuidar e curar não é audaciosa?

Mas ela se baseia na convicção de que a Igreja não é uma instituição de ensinamento moral, mas o seu compromisso se expressa em uma pastoral do cuidado, terapêutica. As raízes partem de Kierkegaard e se estendem até o presente, às abordagens de Eugen Biser ou de Eugen Drewermann. Francisco leva adiante essa teologia coerentemente. E, assim como Jesus atraiu a ira dos legalistas, agora os legalistas da Igreja querem queimá-lo como herege na fogueira.

Falando em moral: os críticos acusam o papa de ele moralizar muito. Contra a economia, por exemplo, de cuja legitimidade ele entende pouco.

Na Laudato si’, Francisco formulou claros imperativos morais. Mas, nisso, ele se baseia nos conhecimentos de pesquisadores ambientais e de éticos da economia. Naturalmente, Francisco não é contra a moral. Mas o que é louco é que ele seja censurado por representar a moral jesuana. Todo mundo sabe que o medo do inferno e a ameaça do juízo nunca mudaram ninguém para melhor, mas que, para isso, é necessário um espaço de confiança e de misericórdia.

E esse espaço de cuidado, de cura, de acordo com Francisco, deve ser a paróquia com o seu padre. Não é uma pretensão excessiva diante das inúmeras diferenças no mundo?

Naturalmente, não se pode curar tudo. Eu acho o fato de ele considerar a paróquia como o lugar dos rituais de cura se explica pela biografia de Francisco. Por isso, ele diz: um confessionário não deve ser uma câmara de tortura. Eu o traduziria assim: se alguém se confessa, deve ser consolado e fortalecido para que daí derive uma conscientização de ser aceito por Deus no seu próprio ser pecador. Nisso, certamente é preciso prestar atenção para não cair na armadilha da infantilização, quando Francisco fala tão livremente de pastor e de rebanho e da Igreja como mãe. Mas, se atribuirmos à Igreja inteira esse papel de pastor, no sentido de que todos os cristãos são chamados a se ocuparem dos fracos e dos marginalizados, então o quadro volta a se recompor.

Quase 70 mil católicos assinaram a iniciativa de solidariedade iniciada pelo senhor e por Tomáš Halík. E, agora, como vocês vão proceder?

Queremos reunir propostas interessantes sobre o futuro da Igreja de todos os continentes. Até o dia 1º de março, os cristãos de todos os continentes devem refletir sobre estas perguntas: quais são os desafios da Igreja universal no seu continente? Em que a Igreja pode contribuir para que a humanidade enfrente melhor esses desafios? Como a Igreja deveria mudar e se reformar para poder dar a sua contribuição? O meu desejo seria que fosse produzido um documento temático por continente. Seria também um apoio ao projeto intercultural de descentralização que o papa leva adiante. Mas não devem participar apenas os especialistas e as especialistas. Em meados de janeiro, também haverá um questionário online em que são feitas perguntas a todos os apoiadores.

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