'Okja' é um conto divertido com consciência social

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18 Julho 2017

An Seo Hyun como Mija em "Okja" (Cortesia de Netflix)

Ao inserir genes de um hipopótamo e um São Bernardo no genoma de Babe (sim, do famoso "Babe - O Porquinho Atrapalhado na Cidade"), e cria-se Okja, a porca gigante do novo filme homônimo da Netflix dirigido pelo cineasta coreano Bong Joon Ho.

O comentário é de Antonio D. Sison, publicado por National Catholic Reporter, 13-07- 2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

"Okja" (2017) chega com grandes expectativas e destaque da mídia. Literalmente. Lucy Mirando (Tilda Swinton), poderosa CEO de uma corporação global, apresenta um lançamento histriônico em um comunicado de imprensa multimídia para apresentar o que ela afirma ser um "superporco" não geneticamente modificado, desenvolvido a partir de um suíno peculiar descoberto em alguma fazenda remota do Chile. O porco singular deve ser o procriador genético, por "acasalamento natural e espontâneo", de 26 leitões, em que cada um seria criado por fazendeiros escolhidos em todo o mundo. A partir disso, a Mirando Corporation seria capaz de determinar o melhor ambiente para o novo porco geneticamente modificado.

Lucy divulga os novos valores de sua empresa - "meio ambiente e vida" - e a promessa de acabar com a fome do mundo, deixando um impacto mínimo no ambiente e, o mais importante, produzindo carnes deliciosas.

Dez anos depois, em uma fazenda isolada em uma região montanhosa da Coréia do Sul, uma jovem órfã chamada Mija (An Seo Hyun) faz suas atividades normais na companhia de um animal encantador do tamanho de um hipopótamo, a quem ela e seu avô fazendeiro haviam dado o nome de "Okja". Com certeza, Okja comporta-se mais como um cão de estimação do que como um animal livre criado no campo. A dupla improvável faz as tarefas junto, colhem frutas e pescam (o gigante animal mergulha no córrego e jorra água para todos os lados, fazendo aparecerem os peixes) para o jantar.

Em um dado momento, Okja resgata Mija, puxando-a de um mergulho em um penhasco, enquanto ela fica pendurada por uma corda. À noite, a menina desaparece no abraço do porco imenso, que, como um ursinho de pelúcia gigante, demonstra profunda gentileza.

Mas é Okja, não Lassie. A Mirando Corporation decreta a superporca da Coreia como "Best in Show" e planeja levá-la para Nova York para uma grande revelação ao estilo King Kong. A boa vontade se esvai e a cruel trapaça da empresa fica aparente: Okja e seus irmãos, na verdade, foram todos geneticamente modificados.

Com a fórmula da incompatibilidade entre criança e criatura, que já vimos muitas vezes - em "O Corcel Negro" (1979), "E.T. – O Extraterrestre" (1982), "Free Willy" (1992), entre outros - e a meiguice típica da Disney, é fácil rotular "Okja" com o selo "fantasia infantil". Não é. Também não é uma propaganda contra a modificação genética em um filme didático.

O cineasta coreano Bong, que ficou famoso por sua capacidade de fusão de gêneros - seus filmes anteriores "O Hospedeiro" (2006) e "Expresso do Amanhã" (2013) vêm à mente -, é mais um ponto nessa filmografia irreverente. Em "Okja", ele trabalha seu magnetismo habitual no cruzamento de temas e tons, de modo que o humor negro, a ação e aventura, a sátira social e o drama bem-humorado se juntam em um híbrido descontraído.

A inclusão do filme no Festival de Cinema de Cannes provocou controvérsia devido à distribuição direta para o Netflix, uma corrida cinematográfica garantida, de praxe no prestigiado evento cinematográfico. Na verdade, a polêmica não se justificava totalmente; estava sendo planejado um amplo lançamento na Coreia do Sul, sem contar as sessões limitadas nos EUA e na Grã-Bretanha. O filme bilíngue de Bong foi amplamente reconhecido quando o público de Cannes o festejou aplaudindo em pé por quatro minutos.

Destaca-se o desempenho da atriz coreana An como Mija, que é uma mistura encantadora de doçura e forte determinação. Depois, destaca-se Swinton ao retratar a bravura de Lucy Mirando (Swinton também faz o papel de Nancy, a irmã igualmente neurótica de Lucy). No comunicado de imprensa de lançamento, Swinton é a imagem de loucura e inspiração ao aparecer com uma roupa branca asséptica, uma peruca loira platinada e o aparelho dentário tomando conta da boca, e profere um discurso pró-ecologia no tom do hino socialmente consciente de 1976 dos Isley Brothers, "Harvest for the World".

Dr. Johnny Wilcox (Jake Gyllenhaal), um tipo excêntrico, que foi o zoologista contratado para ser o rosto da Mirando na mídia, é um grande esforço que muitas vezes parece ser só isso. Com a loucura de Swinton já no centro do palco, o grito extravagante de Gyllenhaal torna-se uma distração desnecessária.

A segunda parte do filme se passa na cidade de Nova York, onde Mija e membros da ALF (Animal Lovers Front) liderados por Jay (interpretado pelo modelar Paul Dano) estão em uma missão de busca e resgate de Okja. A perseguição implacável vai parar dentro de um frigorífico onde os superporcos ficam em fila para o abate.

Como um pesadelo por sua crueldade, o infeliz referente da cena são os abatedouros comerciais reais, o lado sombrio da produção e consumo de carne que é relegado a um grande esquecimento, uma amnésia coletiva higienizante. Verdade seja dita, nós normalmente não pensamos nas tiras crocantes e deliciosas de bacon do café da manhã como a carne de animais sacrificados no altar da ganância comercial. Talvez sim depois de "Okja". Eu certamente pensei.

Dito isto, um absoluto boicote pró-vegano ao consumo de carne não necessariamente aparece na moral complicada de "Okja". Afinal, Mija e seu avô comem ensopado de frango em casa. Mas o filme certamente traz questões éticas relevantes que, no mínimo, podem suscitar uma apreciação renovada pela divindade da agricultura sustentável, se não uma compreensão mais simpática a respeito do custo mais alto dos alimentos orgânicos no supermercado.

O que nos leva à ironia de "Okja". Por toda a desconfiança com a indústria biotecnológica, o universo do filme nos apresenta essa criatura adorável e milagrosa com um olhar humano com sua surpreendente inteligência. No entanto, ela é justamente a prole geneticamente modificada da indústria da biotecnologia. O contranarrativa rendentora mais forte de "Okja" não é outr a senão a própria Okja.

[O Irmão Antonio D. Sison, da congregação Missionários do Preciosíssimo Sangue, é professor associado de teologia sistemática na Catholic Theological Union, em Chicago, e autor do livro The Sacred Foodways of Film (Pickwick, 2016). "Okja" é um filme exclusivo do Netflix atualmente disponível para transmissão em streaming.]

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