As palavras do Papa sobre o celibato e a “salum animarum”

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10 Março 2017

Na primeira entrevista que concedeu a um jornal alemão, publicada nesta quarta-feira pelo Die Zeit, o Papa insistiu em que não tem a intenção de mudar a disciplina eclesiástica do celibato sacerdotal, el em vigor há muitos séculos na Igreja católica de rito latino. Francisco reconheceu que “a vocação dos sacerdotes representa um problema muito grande” e que “a Igreja terá que resolvê-lo”, assim como não abrir as portas dos seminários a pessoas que não tenham uma autêntica vocação. Não se resolve o problema da crise de vocações permitindo que os atuais ou futuros sacerdotes se casem. “O Senhor nos disse: ‘Rezem’. E é isso que falta, a oração. E falta o trabalho com os jovens que buscam orientação”. Um trabalho “difícil”, mas “necessário”, porque “os jovens o pedem”. Mas o Papa também declarou: “Devemos rever se os ‘viri probati’ são uma possibilidade”, e “também devemos definir quais tarefas poderiam assumir, por exemplo, em comunidades isoladas”.

A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 09-03-2017. A tradução é de André Langer.

Não é nenhum mistério que a abolição do compromisso do celibato para quem for ordenado sacerdote não estivesse entre os programas ou desejos do Papa argentino. Ele o disse publicamente antes da eleição: “No momento – afirmou o então cardeal Bergoglio conversando com o rabino Skorka –, sou a favor de manter o celibato, com todos os prós e contras que implica, porque são 10 séculos de experiências positivas mais que de erros... A tradição tem um peso e uma validade. Os ministros católicos, gradualmente, escolheram o celibato. Até o ano 1100 havia quem o escolhia e quem não... é uma questão de disciplina e não de fé. Isso pode ser mudado. Pessoalmente, nunca me passou pela cabeça a ideia de me casar”. Como Papa repetiu-o milhares de vezes, explicando que o celibato “não é um dogma”, mas “um dom”. Um dom ainda precioso.

Há mais de 800 anos, em 1179, o Concílio Lateranense III estabeleceu que o celibato eclesiástico não tinha natureza divina, mas canônica, isto é, que representa uma tradição que pertence à disciplina da Igreja latina. Desta maneira, o Concílio Lateranense III decidiu não mudar a “disciplina apostólica” dos primeiros sete Concílios ecumênicos (reconhecidos também pela Igreja ortodoxa), que permitia a ordenação presbiteral de homens casados, mas não o matrimônio depois da ordenação. As Igrejas orientais (ortodoxas e católicas) preveem a ordenação de seminaristas já casados, mas não o matrimônio para os sacerdotes já ordenados. A Igreja latina, ao contrário, decidiu ordenar apenas homens celibatários. O Concílio Ecumênico Vaticano II, no decreto Presbiterorum Ordinis, reconhecia que a escolha do celibato não é uma exigência da própria natureza do sacerdócio.

A novidade mais significativa a respeito foi a que estabeleceu Bento XVI, em 2009, com a Constituição Apostólica Anglicanorum Coetibus e a criação dos ordinariatos anglo-católicos para congregar na comunhão com Roma comunidades inteiras da Igreja anglicana e seus pastores, bispos e sacerdotes. Um documento que, de fato, permite a possibilidade do clero casado na Igreja latina, embora seja uma exceção segundo determinados critérios e condições. No segundo parágrafo do artigo 6 da Constituição, após ter insistido na regra do celibato para o futuro, o Papa Ratzinger estabeleceu a possibilidade de “admitir, caso por caso, à ordem sacra do presbiterato também homens casados, segundo os critérios objetivos aprovados pela Santa Sé”. O mesmo diziam as normas complementares anexas ao documento pontifício, que foram preparadas pela Congregação para a Doutrina da Fé, com a aprovação do Papa. Afirma-se que o ordinário “pode apresentar ao Santo Padre o pedido de admissão de homens casados à ordenação presbiteral no Oridinariato, depois de um processo de discernimento baseado em critérios objetivos e nas necessidades do próprio Ordinariato”. Um texto que não fecha a porta à possibilidade de que isso possa acontecer no futuro.

Em junho de 2014, com um decreto específico, o Papa Francisco permitiu que os sacerdotes casados orientais exercessem seu ministério nas comunidades cristãs no exílio, isto é, fora de seus territórios tradicionais, revogando as proibições que existiam. Também neste caso, a resposta a uma exigência de atender às necessidades dos fiéis. E até agora foi a única decisão que o atual Pontífice tomou a este respeito. Como se sabe, durante o primeiro período de seu pontificado, Francisco recebeu o pedido de um bispo da Amazônia que pedia a possibilidade de ordenar “viri probati” capazes de chegar às comunidades indígenas e garantir-lhes o acesso aos sacramentos. Era Erwin Kräutler, bispo de origem austríaca, pastor do Xingu, que pediu para garantir a assistência espiritual e sacramental em um vasto território, onde vivem 700 mil fiéis em 800 comunidades e que só podem contar com 27 sacerdotes.

Das palavras do Papa compreende-se que uma reforma da disciplina do celibato não está sendo considerada abertamente, embora se trate de uma questão que deve ser analisada com prudência. A eventual ordenação de homens maduros, casados ou não, de demonstrada fé e experiência, não deveria ser considerada como uma resposta àqueles que aguardam pela possibilidade do matrimônio para voltar a povoar os seminários e evitar certos escândalos de natureza sexual: demonstram-no as estatísticas das vocações nas Igrejas que aboliram a obrigação do celibato. E, em relação aos problemas da esfera sexual, ou com terríveis abusos contra menores, as estatísticas demonstram que são muito frequentes precisamente na família e, de qualquer maneira, não estão vinculados às dificuldades da vida de celibato.

O que, no entanto, está claro é que a eventual ordenação dos “viri probati” permanecerá ligada a situações particulares e sob certas condições ao objetivo da “salus animarum”, o bem das almas que deveria ser o objetivo de qualquer reforma eclesial. Ou seja, à possibilidade de chegar a regiões, populações e comunidades que ficam longos tempos sem sacramentos. No dia 06 de fevereiro de 2016, ao final de uma intervenção em um Congresso na Pontifícia Universidade Gregoriana, o secretário de Estado, Pietro Parolin, disse: “Na situação atual evidencia-se muitas vezes, sobretudo em determinadas áreas geográficas, uma espécie de ‘emergência sacramental’, provocada pela falta de sacerdotes. Se o problema não parece irrelevante, é certo que não devemos tomar decisões precipitadas e apenas com base nas urgências. Segue sendo verdadeiro que as exigências da evangelização, junto com a história e a multiforme tradição da Igreja, deixam em aberto o cenário para debates legítimos, se estiverem motivados pelo anúncio do Evangelho e se forem conduzidos construtivamente, e salvaguardando sempre a beleza e a altura da decisão celibatária”.

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