Padres casados: necessidade e virtude

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03 Mai 2016

Há três anos, discutindo com Dom Erwin Krautler, Bispo do Xingu, sobre o problema das comunidades católicas da Amazônia, cuja grande maioria só tem Eucaristia duas ou três vezes por ano, devido a escassez de clero, o Papa Francisco se referiu a centenas de diáconos casados indígenas da diocese mexicana de San Cristobal de Las Casas, que já dirigem as comunidades e que só lhes falta a ordenação presbiteral para presidirem também a Missa, e "tese interessante" de D. Fritz Lobinger, Bispo emérito de Aliwal, África do Sul, propondo a ordenação de equipes de viri probati como "padres da comunidade", de alguma forma restaurando a distinção existente na Igreja primitiva entre presbíteros "paulinos" (como Paulo, celibatário, itinerante e fundador da comunidades) e os "coríntios" (casados, residentes e responsáveis de uma comunidade, como os anciãos). Em seguida acrescentou que as Conferências Episcopais devem concordar com propostas de reforma, deixando entender que a Santa Sé as aprovaria. A brasileira, imediatamente, pôs uma comissão especial a trabalhar.

A reportagem é de Mauro Castagnaro, publicada por Settimana, 27-04-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.

Padres casados para garantir a Eucaristia

Na América Latina, a pergunta é feita desde o Concílio Vaticano II, quando Dom Pedro Paulo Koop, bispo de Lins, Brasil, propôs "introduzir o mais rapidamente possível, entre nós, o clero casado", para atender "ao crescimento da população, aos ataques do ateísmo, aos ataques das seitas, e das grandes religiões não católicas". É preciso conferir "a ordem sagrada do presbiterado para leigos idôneos, casados há pelo menos cinco anos”, que exercitariam "o ministério pastoral, a título de substituição e ajuda, em seu tempo livre, em benefício das comunidades pequenas, pelo menos".

Também Dom Francisco Austregésilo de Mesquita, bispo de Afogados da Ingazeira, pediu a ordenação presbiteral de diáconos casados, explicando que alguns poderiam reconhecer o carisma do celibato sem se sentir chamados ao ministério presbiteral e, por outro lado, há padres zelosos que não se sentem chamados ao celibato.

Em vista do Sínodo dos Bispos, em 1971, dedicado ao "sacerdócio ministerial e a justiça no mundo", os bispos da Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai expressaram-se a favor da ordenação sacerdotal de homens casados e, em seguida, em 1974, no Encontro de Teologia e Pastoral dos Ministérios, realizado em Quito, pelo Conselho Episcopal Latino-Americano, expressaram-se de novo. Mas sem sucesso.

Nas décadas sucessivas a proposta ressurgia periodicamente. Por exemplo, no Sínodo de 1990, dedicado à "formação dos sacerdotes nas circunstâncias atuais," Dom Valfredo Tepe, bispo de Ilhéus – há muito tempo apoiante de "um duplo tipo de padre: o padre com sua própria profissão, casado, que serve apenas uma pequena comunidade, e o padre de tempo integral, solteiro, com boa formação, teologia profunda, capaz de supervisionar as comunidades" - salientando que no Brasil existem paróquias também com 100.000 habitantes, o que faz com que muitos padres trabalhem sob estresse, sem conseguir prestar adequada assistência pastoral". No entanto, João Paulo II e Bento XVI bloquearam qualquer discussão.

Padres casados para as comunidades indígenas

Enquanto isso, o problema apareceu de novo em várias partes do Continente, devido ao esforço de inculturação do Evangelho nas tradições indígenas, que consideram o celibato como sinal de imaturidade.

Assim, em 1972, D. Edward Fedders, bispo de Juli, no Peru, escreveu a Roma pedindo autorização para ordenar padres catequistas aymaras casados, com anos de preparação como agentes de evangelização, com grande experiência pastoral, e vida cristã matrimonial impecável. Entre os aymaras, de fato, os solteiros não podem possuir terras, nem desempenhar cargos comunitários.

Então, perguntou-se se os padres celibatários fossem em número suficiente, se seriam aceitos pelas comunidades se tivessem que "viver dos sacramentos". A Congregação para a Educação Católica rejeitou a proposta, alegando a pouca “formação europeia” dos catequistas indígenas, o risco de ter-se "padres de segunda classe" e a impossibilidade de "resistir às pressões existentes em outros lugares para ordenações semelhantes", especialmente nos subúrbios urbanos pobres.

Um ano depois, D. Adhemar Esquivel, primeiro bispo aymara da Bolívia, na época bispo Auxiliar de La Paz, propôs "criar um sacerdote familiar residente nas comunidades indígenas", com o apoio de “padres itinerantes e celibatários, animadores e coordenadores das diversas comunidades locais".

À mesma conclusão, nos aos 80, chegou D. Samuel Ruiz, bispo de San Cristóbal de Las Casas, diocese composta por dois terços de nativos, que repetidamente enviou este pedido a Roma, explicando que "depois de 500 anos de evangelização, não há no Continente nenhuma Igreja autóctone, porque não há sacerdotes indígenas. Há indígenas ordenados, mas agora são padres ocidentais, porque passaram por um processo de transculturação chamado Seminário. A Igreja exige que tenham cursado a escola superior, mas aqui dificilmente conseguem acabar a elementar. A Igreja exige o celibato, mas nas comunidades indígenas ser presbítero (homem mais velho, maduro) significa ser chefe de família. Não se trata de permitir aos padres casarem, mas de poder ordenar leigos casados". Em seguida revelou que trinta bispos latino-americanos "estavam dispostos a ordenar padres indígenas em suas dioceses, de acordo com Roma. No mesmo dia, à mesma hora, em todo o Continente, como um gesto de unidade. Mas, perdemos aquela oportunidade histórica porque algumas comunidades não estavam maduras. Agora, uma ordenação deste tipo seria considerada um ato de rebelião".

O problema fica, portanto, aberto, e de acordo com Dom Edson Tasquetto, bispo de São Gabriel da Cachoeira, a única diocese brasileira de maioria indígena, criar uma Igreja "com a cara da Amazônia", implica, em primeiro lugar, "reforçar as lideranças indígenas. Eu gostaria de poder dar-lhes formação maior, na esperança de que a Igreja não espere demais para abrir o presbiterado a homens casados, pois já temos diáconos que podem ser ordenados padres. Por outro lado, aqui, a cultura indígena não entende o celibato".

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