''Cristo e a Igreja no centro'': a homilia do Papa Francisco na festa de Santo Inácio de Loyola

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31 Julho 2015

Nesta sexta-feira, 31 de julho, é a festa litúrgica de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, e certamente não faltará um gesto especial do Papa Francisco, que, no ano passado, quis se encontrar com os seus coirmãos jesuítas em Roma para celebrar a Eucaristia na Igreja do Gesù.

Nestas horas, fervem os preparativos na igreja-mãe dos jesuítas para a Santa Missa que será celebrada pelo padre geral, Adolfo Nicolás.

Um comunicado da Companhia lembra que, no ano passado, "estavam presentes cerca de 300 jesuítas, além de alguns colaboradores leigos mais próximos e representantes das congregações femininas de inspiração inaciana. A celebração se abriu com uma saudação do Padre Geral 'ao nosso irmão Francisco'. No fim da celebração, o Papa Francisco rezou e acendeu uma vela votiva diante do altar de Santo Inácio, deteve-se diante da imagem de Nossa Senhora da Estrada e diante do altar de São Francisco Xavier, fez uma visita ao túmulo do padre Pedro Arrupe, depondo ali um buquê de flores".

Há 42 anos, além disso, no dia 31 de julho de 1973, Jorge Mario Bergoglio era eleito provincial dos jesuítas da Argentina.

Republicamos a homilia do papa e a saudação final do padre geral Adolfo Nicolás no dia 31 de julho de 2014.

O texto foi publicado no sítio Il Sismografo, 29-07-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis os textos.

A homilia do Santo Padre

Nesta Eucaristia em que celebramos o nosso Pai Inácio de Loyola, à luz das leituras que ouvimos, gostaria de propor três simples pensamentos guiados por três expressões: pôr Cristo e a Igreja no centro; deixar-se conquistar por Ele para servir; sentir a vergonha dos nossos limites e pecados, para sermos humilde diante d'Ele e dos irmãos.

1. O nosso brasão, dos jesuítas, é um monograma, o acrônimo de "Iesus Hominum Salvator" (IHS). Cada um de vocês poderá me dizer: 'Sabemos disso muito bem!'. Mas esse brasão nos lembra continuamente uma realidade que nunca devemos esquecer: a centralidade de Cristo para cada um de nós e para a Companhia inteira, que Santo Inácio quis chamar justamente "de Jesus", para indicar o ponto de referência.

Além disso, também no início dos Exercícios Espirituais, ele nos coloca diante de nosso Senhor Jesus Cristo, do nosso Criador e Salvador (cf. EE, 6). E isso leva a nós, jesuítas, e a toda a Companhia a sermos "descentrados", a ter diante de nós o "Cristo sempre maior", o "Deus semper maior", o "intimior intimo meo", que nos leva continuamente para fora de nós mesmos, leva-nos a uma certa kenosis, a "sair do próprio amor, vontade e interesse" (EE, 189).

Não é óbvia a pergunta para nós, para todos nós: Cristo é o centro da minha vida? Realmente ponho Cristo no centro da minha vida? Porque sempre há a tentação de pensar que nós estamos no centro. E, quando um jesuíta se põe no centro, e não Cristo, ele erra.

Na primeira leitura, Moisés repete com insistência ao povo a amar a Deus, a caminhar pelos seus caminhos, "porque é Ele a tua vida" (cf. Dt 30, 16.20). Cristo é a nossa vida! À centralidade de Cristo também corresponde a centralidade da Igreja: são dois focos que não podem se separar: eu não posso seguir a Cristo senão na Igreja e com a Igreja.

E, também nesse caso, nós, jesuítas e a Companhia inteira não estamos no centro. Estamos, por assim dizer, "deslocados", estamos a serviço de Cristo e da Igreja, a Esposa de Cristo, nosso Senhor, que é a nossa Santa Mãe Igreja Hierárquica (cf. EE, 353). Ser homens arraigados e fundados na Igreja: assim Jesus nos quer. Não pode haver caminhos paralelos ou isolados. Sim, caminhos de busca, caminhos criativos, sim, isso é importante: ir às periferias, às tantas periferias. Para isso, é preciso criatividade, mas sempre em comunidade, na Igreja, com essa pertença que nos dá coragem para ir em frente. Servir Cristo é amar essa Igreja concreta e servi-la com generosidade e espírito de obediência.

2. Qual é a estrada para viver essa dupla centralidade? Olhemos para a experiência de São Paulo, que também é a experiência de Santo Inácio. O Apóstolo, na segunda leitura que ouvimos, escreve: eu me esforço para correr rumo à perfeição de Cristo "porque eu também fui conquistado por Jesus Cristo" (Fl 3, 12).

Para Paulo, isso ocorreu na estrada para Damasco; para Inácio, na sua casa de Loyola, mas o ponto fundamental é comum: deixar-se conquistar por Cristo. Eu busco Jesus, eu sirvo a Jesus porque Ele me buscou primeiro, porque fui conquistado por Ele: e esse é o coração da nossa experiência. Mas Ele é primeiro, sempre.

Em espanhol, há uma palavra que é muito gráfica, que explica isso muito bem: Ele nos "primerea", "Él nos primerea". É primeiro sempre. Quando chegamos, Ele já chegou e nos espera.

E aqui gostaria de retomara a meditação sobre o Reino na Segunda Semana dos Exercícios. Cristo, nosso Senhor, Rei eterno, chama cada um de nós, dizendo-nos: "Quem quiser vir comigo deve trabalhar comigo, para que, seguindo-me no sofrimento, também me siga na glória" (EE, 95): ser conquistado por Cristo para oferecer a esse Rei toda a nossa pessoa e toda a nossa labuta (cf. EE, 96); dizer ao Senhor que quer fazer tudo pelo seu maior serviço e louvor, imitá-Lo ao suportar também injúrias, desprezo, pobreza (cf. EE, 98).

Mas penso no nosso irmão na Síria neste momento. Deixar-se conquistar por Cristo significa estar sempre voltado para aquilo que está à minha frente, para a meta de Cristo (cf. Fl 3, 14) e perguntar-se com verdade e sinceridade: o que eu fiz por Cristo? O que eu faço por Cristo? O que eu devo fazer por Cristo? (cf. EE, 53).

3. E chego ao último ponto. No Evangelho, Jesus nos diz: "Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde a sua vida por causa de mim, esse a salvará... Se alguém se envergonhar de mim..." (Lc 9, 23), e assim por diante. A vergonha do jesuíta. O convite que Jesus faz é o de nunca se envergonhar d'Ele, mas de segui-Lo sempre com dedicação total, contando com Ele e confiando n'Ele.

Mas, olhando para Jesus, como Santo Inácio nos ensina na Primeira Semana, sobretudo olhando para o Cristo crucificado, nós sentimos aquele sentimento tão humano e tão nobre que é a vergonha de não estar à altura; olhamos para a sabedoria de Cristo e para a nossa ignorância, para a Sua onipotência e para a nossa fraqueza, para a Sua justiça e para a nossa iniquidade, para a Sua bondade e para a nossa maldade (cf. EE, 59).

Pedir a graça da vergonha; vergonha que vem do contínuo diálogo de misericórdia com Ele; vergonha que nos faz corar diante de Jesus Cristo; vergonha que nos coloca em sintonia com o coração de Cristo, que se fez pecado por mim; vergonha que põe em harmonia o nosso coração nas lágrimas e nos acompanha no seguimento cotidiano do "meu Senhor".

E isso nos leva sempre, como indivíduos e como Companhia, à humildade, a viver essa grande virtude. Humildade que nos torna conscientes, todos os dias, de que não somos nós que construímos o Reino de Deus, mas é sempre a graça do Senhor que age em nós; humildade que nos leva a pôr tudo o que somos não a nosso serviço ou a serviço das nossas ideias, mas a serviço de Cristo e da Igreja, como vasos de barro, frágeis, inadequados, insuficientes, mas nos quais há um tesouro imenso que carregamos e que comunicamos (2Cor 4, 7).

Eu sempre gostei de pensar no pôr do sol do jesuíta, quando um jesuíta termina a sua vida, quando se põe. E sempre me vêm à mente dois ícones desse pôr do sol do jesuíta: uma clássica, a de São Francisco Xavier, olhando para China. A arte pintou tantas vezes esse por do sol, esse final de Xavier. A literatura também, naquela bela obra de Pemán. No fim, sem nada, mas diante do Senhor; isso me faz bem, pensar nisso.

O outro pôr do sol, o outro ícone que me vem à mente como exemplo é o do Padre Arrupe, na última conversa no campo de refugiados, quando nos dissera – o que ele mesmo dizia: "Digo isto como se fosse o meu canto do cisne: rezem". A oração, a união com Jesus. E, depois de ter dito isso, pegou o avião, chegou a Roma com o ataque cardíaco, que deu início àquele pôr do sol tão longo e tão exemplar.

Dois pores do sol, dois ícones que, a todos nós, fará bem olhar e voltar a eles dois. E pedir a graça que o nosso pôr do sol seja como o deles.

Queridos irmãos, voltemo-nos para Nuestra Señora, Ela, que trouxe Cristo no seu ventre e acompanhou os primeiros passos da Igreja, nos ajude a pôr sempre no centro da nossa vida e do nosso ministério Cristo e a sua Igreja; Ela que foi a primeira e mais perfeita discípula do seu Filho nos ajude a nos deixarmos conquistar por Cristo para segui-Lo e servi-Lo em todas as situações; Ela que respondeu com a mais profunda humildade ao anúncio do Anjo: "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1, 38) nos faça sentir vergonha pela nossa inadequação diante do tesouro que nos foi confiado, para viver a humildade diante de Deus.

Acompanhe o nosso caminho a paterna intercessão de Santo Inácio e de todos os santos jesuítas, que continuam nos ensinando a fazer tudo, com humildade, ad maiorem Dei gloriam [para a maior glória de Deus].

* * *

A saudação do Padre Geral

Gostaria apenas de agradecer ao nosso Irmão Francisco por celebrar conosco a festa de Santo Inácio.

Eu já disse várias vezes aos nossos como eu fiquei tocado nos meus encontros com Francisco pelo seu profundo sentir-se como jesuíta. Na coletiva de imprensa no avião de retorno do Rio, Francisco disse: "Eu penso como um jesuíta. Sentir e pensar, uma coisa só". E, antes, me dissera: "O que eu quero é simplesmente celebrar a festa de Santo Inácio com os meus irmãos jesuítas". Obrigado, Francisco.

O que nós queremos hoje é ouvir de ti o que tu queres de nós, teus irmãos a serviço da Igreja e do Evangelho. E, sobretudo, nós queremos ouvir internamente (como já estamos sentindo) como é natural e agradável estar unidos a Pedro, algo tão importante e central para todos os jesuítas, desde Santo Inácio até Arrupe e Kolvenbach.

Estamos com os corações abertos para esta celebração.

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