Chama-se “David”, mas não é sobre David: é sobre alguém maior (que não é Golias) e sobre todos nós

Cena do filme "Davi" (Foto: Reprodução)

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18 Dezembro 2025

A história de David? Muitos acham que já a sabem: um jovem pastor, que foi escolhido por Deus para ser o rei de Israel, teve a coragem de enfrentar o muito temido gigante Golias, e contra todas as expetativas conseguiu derrotá-lo… Fim. Mas essa é apenas uma versão (muitíssimo) resumida e redutora. E quem vir David – o filme, que estreia em Portugal nesta quarta-feira – perceberá isso claramente. Pois conhecerá o pastor, mas não só de ovelhas; o guerreiro, mas que luta pela paz; o músico, mas que não canta sobre si mesmo; e o homem de fé, que faz com que o filme tenha o seu nome, mas aponte afinal para outro maior do que ele… e ao mesmo tempo para todos nós.

A reportagem é de Clara Raimundo, publicada por 7Margens, 17-12-2025. 

Acalmem-se, desde já, os mais preocupados e receosos em relação a possíveis distorções da mensagem bíblica: o filme é bastante fiel ao que vem relatado nos dois Livros de Samuel e colhe inspiração de alguns dos Salmos atribuídos ao próprio David. Mas mesmo assim surpreende do início ao fim. A começar pelo fato de, sendo um filme de animação, ter nele muito de… real.

Com uma exuberância visual impressionante e sem nunca perder ritmo, David transporta-nos para paisagens naturais arrebatadoras e aldeias cheias de vida, encandeia-nos o olhar com o sol a brilhar sobre o deserto, quase nos faz sentir na cara o vento ao sabor do qual ondulam os campos de papoilas, e estremecer de medo a cada passo de Golias, tão grande que nem conseguimos ver-lhe a face, pois sai totalmente fora do plano.

Mais importante que isso, o filme consegue levar-nos para junto (senão mesmo para dentro) do próprio David. Primeiro um David ainda criança e a quem muito facilmente nos afeiçoamos, seja porque conhece as suas ovelhas pelo nome, pela bravura com que as protege dos perigos, pela alegria com que canta para o rei, ou ainda pela resistência a ser, ele próprio, o escolhido para lhe suceder. Depois, um David que vemos crescer a cada cena do filme, que tenta perceber qual é o seu lugar e o caminho a percorrer, e que nunca deixa de ser pastor, mas que se reconhece também como ovelha. E um David que é, como todos nós, imperfeito, que não se coíbe de perguntar a Deus “Por quê?” e que avança sem medo, porque sabe que, mesmo que Deus não responda de imediato, está sempre com ele.

O que poderá também surpreender alguns é que se trate de um musical (a fasquia tinha ficado demasiado elevada desde O Príncipe do Egito, que em 1998 conseguiu a proeza de pôr meio mundo a cantar a história de Moisés). Mas se não ultrapassa essa fasquia, David anda lá muito perto. E a opção por um musical está mais do que justificada, tendo em conta que David era genuinamente um músico – recorde-se que lhe é atribuída a autoria de quase metade dos Salmos da Bíblia –, e essa sua faceta fica assim perfeitamente incorporada no filme.

De resto, é precisamente através das músicas que David compõe e interpreta que podemos conhecer verdadeiramente a sua essência ao longo da película. Mas se por um lado através desses temas (todos bastante “orelhudos” e emotivos) tocamos o espírito do protagonista, por outro são também eles que tocam e inspiram quem os escuta (e as versões portuguesas, às quais dá voz o cantor Fernando Daniel, não ficam nada atrás das originais em inglês).

Quem também canta (com a voz de Áurea, na versão dobrada) e tem um papel determinante no filme é a mãe de David, Nitzevet. E até nisso a película se destaca, porque – ao contrário da maioria dos filmes – não estereotipa a mãe como figura protetora, mas apresenta-a como alguém que o encoraja a ultrapassar os medos. “Este filme é dedicado à minha mãe e a todas as mães que ajudam os filhos a enfrentar os leões assustadores”, revela no final o próprio realizador, Phil Cunningham.

Numa entrevista recente, ele acrescenta a esse propósito: “Sim, David é um filme que exalta as mães. Foi inspirado na minha própria mãe. Ela era um ser humano incrível. Quando tinha 14 anos, disse-me: ‘Phil, na tua idade, David estava a lutar contra Golias, Daniel estava na cova dos leões. O que é que tu estás a fazer da tua vida? Sai por aí. Arrisca-te. Vive uma aventura!'”.

Não foi logo nesse momento que Phil Cunningham decidiu realizar este filme, mas pode dizer-se que já foi há bastante tempo. David começou a ser sonhado há 30 anos por ele e pela esposa Jaqui, ambos fundadores da Sunrise Animation Studios, atualmente sediada na Cidade do Cabo, África do Sul.

“Quando estava a descer o rio Zambeze de canoa, era possível remar durante quatro dias e cinco noites sem ver uma única pessoa. Enquanto estava lá, apaixonei-me pela aventura, pela imensidão. Era incrível só de olhar para as tempestades, os elefantes, os búfalos, os leões em debandada…”, recorda o realizador na entrevista. “Ao mesmo tempo, estava a ler a história de David e adorei. A vida dele é repleta de aventuras, música e diversão. Achei muito inspirador o modo como ele viveu, enfrentando um gigante, leões e ursos… No livro dos Atos, Deus diz: ‘Encontrei em David, filho de Jessé, um homem segundo o meu coração'”, continua.

Foi na sequência disso que Cunningham pensou: “Imagina se pudéssemos fazer um filme sobre David! Dar-nos-ia uma ideia do próprio coração de Deus. Poderia inspirar uma geração inteira!”…

Não sabemos quantas crianças, jovens e menos jovens inspirará David (o filme está classificado para mais de seis anos e é perfeito para ser visto em família nestas férias de Natal), mas sabemos que já está a bater muitos recordes.

Um deles é o de maior projeto cinematográfico financiado pelo público de todos os tempos, tendo arrecadado quase 50 milhões de dólares (42,2 milhões de euros) através de crowdfunding.

Outro é o do valor das pré-vendas nos EUA, que já ultrapassaram os 6 milhões de dólares (5,1 milhões de euros), o que supera qualquer lançamento anterior da Angel Studios (a distribuidora do filme), incluindo O Rei dos Reis, que há cerca de um ano teve a maior estreia de fim de semana nos EUA entre as animações bíblicas.

Portugal é, nesta quarta-feira, o primeiro de 44 países a estrear o filme nas salas de cinema (o 7MARGENS teve a oportunidade de assistir, alguns dias antes, ao visionamento de imprensa) e um dos objetivos de Phil Cunningham é que um milhão de crianças em todo o mundo possam assistir gratuitamente. Para que isso se torne realidade, está promovendo uma campanha de financiamento coletivo, na qual todos podem participar.

Tudo isto porque o realizador acredita verdadeiramente que a história de David dará a todos os que a conhecerem “um vislumbre do próprio coração de Deus”. Um coração belo, cheio de paz, alegria e bondade, que gosta de aventura, que não se deixa paralisar pelo medo. E que, ao conhecê-lo, as pessoas – todos nós, independentemente da origem ou trajetória de vida – “sairão do cinema inspiradas a enfrentar os grandes desafios das suas vidas”.

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