16 Dezembro 2025
No próximo sábado (20) deve ser assinado o acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) durante cúpula do bloco sul-americano em Brasília. Negociado há mais de 25 anos, o acordo precisará ainda ser ratificado tanto pelos países europeus como por legisladores da União Europeia (UE), tarefa longe de ser fácil, dada a oposição frontal que o acordo encontra em setores do velho continente.
A reportagem é de Rodrigo Durão Coelho, publicada por Brasil de Fato, 15-12-2025.
A votação no Parlamento europeu deve ocorrer essa semana, com aprovação por maioria simples. Já em cada um dos países, o processo é mais lento e sem um prazo definido. O acordo precisa ser ratificado por 15 dos 27 países do bloco. Cada um dos países integrantes do acordo entra individualmente a partir da aprovação dos seus parlamentares, cada país com suas própria regras para ratificação.
A França é uma das principais opositoras. Paris solicitou formalmente à União Europeia o adiamento da assinatura do tratado, exigindo que antes se chegue a uma cláusula de proteção forte e eficaz para seu setor agrícola, que as importações sejam controladas e que seja exigido de agricultores sul-americanos os mesmos padrões de produção vigentes na UE.
A resistência ao acordo é impulsionada pelos agricultores franceses e também de outros países como Holanda e Polônia, que temem a concorrência sul-americana devido a padrões de produção menos rigorosos, especialmente em relação a carne bovina, aves e açúcar.
O acordo, negociado por mais de duas décadas, impulsionaria vendas sul-americanas de commodities como açúcar, carne boina e aves à UE, que por sua vez teria facilitadas as exportações de produtos industrializados como máquinas, vinhos e automóveis. A votação decisiva na União Europeia deve ocorrer entre 16 e 19 de dezembro.
A favor: Lula, Espanha e Alemanha
Se aprovado, seria criado um mercado comum de 722 milhões de pessoas. Este é um dos principais argumentos do governo brasileiro para fechar o acordo, ainda sob sua presidência semestral.
“É um acordo que envolve praticamente 722 milhões de habitantes e US$ 22 trilhões (R$ 120 tri) de Produto Interno Bruto (PIB). É uma coisa extremamente importante, possivelmente seja o maior acordo comercial do mundo. E aí, depois que assinar o acordo, vai ter ainda muita tarefa para a gente poder começar a usufruir das benesses desse acordo, mas vai ser assinado”, disse na semana passada Lula, durante encontro do G20 na África do Sul.
A comissão e os proponentes, como a Alemanha e a Espanha, afirmam que o acordo oferece uma maneira de compensar a perda de comércio devido às tarifas impostas por Donald Trump e de reduzir a dependência da China, principalmente em relação a minerais essenciais.
Os defensores do acordo na União Europeia veem o Mercosul (Mercado Comum do Sul) como um mercado crescente para carros, máquinas e produtos químicos europeus e uma fonte confiável de minerais essenciais para sua transição verde, como o lítio metálico para baterias, do qual a Europa agora depende da China. Eles também apontam para os benefícios agrícolas, já que o acordo ofereceria maior acesso e tarifas mais baixas para queijos, presunto e vinho da UE.
Estão previstos dois textos, um provisório, com ênfase nos aspectos comerciais e outro definitivo.
Ameaça para a indústria
A abertura do mercado que se promete com o acordo entre Europa e Mercosul afetarão a política industrial brasileiro, meta do governo, apontam especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
“Não está claro ainda como é que vai ficar uma série de pontos em que o Brasil – dos primeiros mandatos de Lula e Dilma – estava bastante descontente e preocupado, que é o das compras governamentais e de uma ação predatória na indústria, quais são as barreiras que vão ser colocadas”, disse cientista político e professor de Relações Internacionais Gilberto Maringoni, da Universidade Federal do ABC (UFABC) ao Brasil de Fato.
“A Alemanha vai aumentar a sua exportação, em especial de automóveis, colocando a indústria aqui instalada em sério problema. Sem ou com menos impostos, esses automóveis chegam com um nível de preço mais baixo, por força da produtividade da indústria alemã. Assim, não tem porque o Brasil ter indústria automobilística, nem negociar com a China para trazer novas indústrias para cá”, explica.
Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC e membro do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil disse à reportagem que o texto foi “cuidadosamente negociado pelo neoliberais nos governos Macri, Temer e Bolsonaro e supostamente melhorado, mas não o suficiente, no governo Lula”.
“O que Brasil sente falta é de uma política abrangente com iniciativas ousadas e regras claras para avançar na prometida nova política industrial, cujas linhas gerais foram anunciados em 2023. É urgente incentivar investimentos produtivos e avançar na geração de capacidade industrial-tecnológica endógena. Ao final é essa estratégia que deveria apontar os parâmetros das negociações com os parceiros e não o contrário.”
“Fato é que há grande espaço para qualificar e ampliar as relações com os parceiros europeus em torno de pauta de interesse do governo Lula e que não precisam necessariamente desse acordo”, disse ele, citando acordos firmados entre Brasil e Alemanha em 2023 com ênfase na questão energética, transição ambiental e cooperação tecnológica.
Ampliação do desmatamento
Organizações europeias e ativistas de esquerda também acreditam que o projeto vai acelerar o desmatamento da Amazônia e agravar a crise climática ao aumentar as emissões de gases de efeito estufa. O Greenpeace o classifica como um texto “desastroso” para o meio ambiente e a Via Campesina acusa o acordo de violar a soberania dos países.
Em 2024, movimentos de luta no campo articulados na Via Campesina repudiaram o acordo em um comunicado em que pediam a Lula que “escute o clamor dos povos do campo, águas e florestas e coloque fim às negociações em curso e dê espaço a construção de um projeto popular de desenvolvimento nacional para o Brasil”.
“O acordo em pauta representa um retrocesso para o Brasil e para os países do Mercosul no âmbito do desenvolvimento socioeconômico, bem como um ataque frontal à soberania dos nossos países”, destaca o comunicado. Os movimentos populares destacam que o acordo “foi rechaçado há mais de 20 anos” e o texto atual, retomado em 2019, representa “o DNA bolsonarista na sua essência sem nenhum compromisso com o desenvolvimento do nosso país”.
“O acordo assume caraterísticas neocoloniais na sua concepção e ameaça, em seus termos, nossos povos e territórios, ameaça a agricultura camponesa, as comunidades tradicionais e entrega nossos bens comuns aos interesses do capital internacional, consolidando assim o caráter agroexportador da nossa economia, que é basicamente continuar exportando matéria-prima para abastecer as demandas dos países europeus em troca dos produtos industrializados.”
A desregulamentação dos mercados, os acordos de livre comércio e, em particular, a negociação do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul são as principais causas da grave crise enfrentada pelos agricultores europeus na avaliação da Via Campesina.
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